Violência infantil: Judiciário se mobiliza para conscientizar sociedade sobre importância de denunciar

O Tribunal de Justiça do Amapá lançou campanha de combate ao abuso de e da violência contra crianças
Origem da Imagem/Fonte: CNJ

Violência infantil: Judiciário se mobiliza para conscientizar sociedade sobre importância de denunciar

18 de maio de 2021Notícias CNJ / Agência CNJ de Notícias

O registro do número de casos de violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes apresentou diminuição em praticamente todo o país. Contudo, esses dados refletem apenas a queda real das denúncias contra esses crimes. Na prática, autoridades observam que o isolamento social, apesar de necessário para a contenção da pandemia da Covid-19, promoveu um aumento silencioso da violência doméstica ou praticada por pessoas próximas às crianças. Com a intenção de conscientizar a população sobre o dever de denunciar qualquer tipo de violência infantil, diversas campanhas vêm sendo articuladas em celebração do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em 18 de maio.

Segundo dados do 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Fundo das Nações Unidas pela Infância (UNICEF), em 2019, foram registradas quase 5 mil mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes entre 0 e 19 anos. Além disso, naquele ano, os estados reportaram mais de 33 mil casos de estupro de crianças e adolescentes, o equivalente a uma taxa de 23,67 por 100 mil habitantes.

A presidente do Colégio de Coordenadores da Infância e da Juventude, juíza do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) Noeli Salete Tavares Reback, explica que os dados referentes a 2020 e 2021 já apresentam queda nos registros dos crimes, mas são reflexo da diminuição de até 50% no número de denúncias. “Com as crianças fora da escola, perdemos os principais colaboradores na identificação de possíveis casos de violência, que eram os professores. Agora, quando chegam as notificações, elas vêm pelo sistema de saúde, o que significa que o dano já foi feito”, alertou.

No Paraná, por exemplo, o Comitê Interinstitucional Protetivo, uma iniciativa do Conselho de Supervisão e da Coordenadoria dos Juízos da Infância e da Juventude (CONSIJ-CIJ) do TJPR, que reúne vários órgãos de proteção à criança e ao adolescente, informou que bebês com menos de um ano estão entre as principais vítimas durante a pandemia, com 1.345 casos registrados entre março de 2020 e março de 2021. “Essa faixa etária foi a única no estado que teve aumento do número de casos no período. Isso significa, que as ocorrências foram registradas pela rede de apoio, quando a criança foi levada ao hospital”, aponta a magistrada.

O mesmo cenário de queda nos registros de crimes contra a criança e adolescente se percebe em outros estados. Em Minas Gerais, dados da Polícia Civil apontam redução no número de registros de estupro de vulnerável, por exemplo. Em 2019, foram 3.715 ocorrências, contra 3.046 em 2020. No Espírito Santo, no período pré-pandemia (até março de 2020), foram 66 ocorrências por maus tratos, enquanto no período de março de 2020 a março de 2021, houve registro de apenas 36 casos. Em Tocantins, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública, foram notificados 106 casos de estupro de vulnerável no primeiro trimestre de 2021, queda de cerca de 25% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Maio Laranja
O “Maio Laranja” faz alusão ao combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, culminando com o marco do dia 18. Nesse sentido, várias campanhas chamam a atenção da população sobre a importância de denunciar, caso perceba uma situação de violência contra o público infanto-juvenil. Presidente do Fórum Nacional da Infância e da Juventude, a conselheira Flávia Pessoa destaca a importância dessa mobilização. “Crianças e adolescentes representam o elo mais fraco nesse covarde cenário do abuso e da violência doméstica, especialmente no período que vivemos, que os fragiliza ainda mais. Precisamos da participação de toda a sociedade”, afirma.

No Amapá, o Tribunal de Justiça, em parceria com o Legislativo, Executivo, Ministério Público e Exército, lançou, no último dia 6 de maio, a campanha “Não deixe quem você ama ser a próxima vítima”, sobre o combate ao abuso e à exploração de crianças e adolescentes. A iniciativa busca conscientizar, orientar e educar para prevenção contra esses crimes no seio familiar, assim como se tornar capaz de identificar os primeiros sinais de vitimização.

A juíza auxiliar do CNJ Lívia Peres participou da cerimônia de lançamento da ação e disse que o formato de rede é essencial para implementar a política pública da primeira infância. “É importante o TJ ter uma campanha assim, garantindo um Judiciário acessível, sensível e disponível às garantias das crianças e adolescentes”.

Segundo o presidente do TJAP, Rommel Araújo, a campanha é uma forma de proteger crianças e adolescentes em qualquer lugar. “O Brasil começa no Oiapoque e é onde começa esta iniciativa para chamar a atenção das autoridades neste momento difícil da pandemia. Sabemos que com a situação do isolamento, muitas crianças estão passando mais tempo em casa, onde vivem uma situação de abuso e violência, sem poder contar com ajuda de ninguém”. A ação está nas redes sociais e no site do tribunal amapaense e também foi divulgada em francês, para atingir a população na fronteira com a Guiana Francesa.

Como mascote da campanha foi escolhido o pássaro Galo-da-Serra, encontrado especialmente em regiões de floresta ao norte do rio Amazonas. “Estes animais costumam ser solitários, assim como as crianças vítimas de abuso e exploração sexual. Ele é um pássaro solitário, mas pretendemos transformar essa campanha em uma ação solidária”, ressaltou Rommel Araújo.

No Rio de Janeiro, a Associação dos Magistrados (Amaerj) deu início à campanha “Proteger as crianças é um dever de todos. Denuncie” ainda no mês de abril. Em alusão ao caso do menino Henry Borel, vítima de violência em sua casa, os participantes da ação postam fotos com as mãos espalmadas, pintadas de azul. Segundo o vice-presidente da Amaerj, o juiz de infância e juventude Daniel Konder, a inciativa conclama à população a fazer sua parte na proteção das crianças, denunciando casos de violência pelos canais oficiais, como o Disque 100, o Conselho Tutelar ou uma autoridade policial. “Nossa intenção é alertar a sociedade sobre como prevenir casos como o de Henry Borel, além de alertar às vítimas de que elas não são culpadas, como muitas se sentem”.

Desde seu início, 18 entidades do Judiciário já aderiram. Juízes e juízas enviaram suas fotos para ilustrar e apoiar a campanha. Além disso, muitos professores de jiu-jitsu têm participado da ação, a fim de desconstruir a ideia de que as artes marciais são utilizadas para a violência. Na última semana, o jornalista Milton Neves também aderiu à campanha, que está aberta aos cidadãos. “Nosso próximo passo será levar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a proposta de colocar a logomarca da campanha nos mandados judiciais, a fim de pulverizar a ideia e lembrar a todos que precisamos estar alertas para prevenir essa situação de violência contra as crianças”, afirmou Konder.

Depoimento e escuta especial
O trabalho para diminuir as consequências psicológicas nas vítimas de violência é uma conquista de todo o Poder Judiciário.  No Distrito Federal, a Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça (VIJ/TJDFT) firmou acordo de cooperação técnica com a Secretaria de Justiça e Cidadania do DF (Sejus-DF) para viabilizar intercâmbio de conhecimentos técnicos e realização de atividades comuns voltada à proteção dos direitos de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e suas famílias.

Segundo o supervisor do Centro de Referência para Proteção Integral da Criança e do Adolescente em Situação de Violência Sexual da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (CEREVS/VIJ-DF), o psicólogo Reginaldo Torres, o acordo visa a realização da escuta especializada apenas pelo Centro 18 de Maio, seguindo a Lei 13.431/2017, que determina a articulação entre os serviços de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência, de modo a evitar a revitimização e a violência institucional. “Estamos centralizando a escuta inicial, para que não haja repetição de procedimentos da escuta de crianças e adolescentes. Nesses casos, os demais atores podem entrevistar a rede de apoio, a escola, a unidade de saúde onde a criança foi atendida e a família”.

A ideia é verificar se é preciso determinar o afastamento de alguém de seu convívio ou da criança do ambiente violento. “Se a vítima já foi ouvida, podemos pedir as gravações para verificar os depoimentos. A ideia é evitar ficar repetindo ou fazer com que ela fique remoendo os acontecimentos da violência”. Essa inciativa é um passo importante para a criação de varas especializadas de competência protetiva e criminal no DF. “Se temos uma primeira escuta bem-feita, focada na proteção elementos da narrativa da criança, temos como saber contra quem protegê-la e”, explicou o supervisor.

O depoimento especial também pretende evitar que a vítima fique relembrando os fatos perante à Justiça. A medida atende às determinações previstas na Resolução CNJ n. 299/2019, que garante a crianças e adolescentes, vítimas ou testemunhas de violência, terem seus depoimentos colhidos em espaços adaptados e por pessoas com treinamento específico. O objetivo é humanizar a escuta, proporcionando uma condição mais segura e acolhedora para falar, contribuindo para chegar mais próximo dos fatos reais. A conversa é gravada e assistida ao vivo, na sala de audiência, pelo juiz e demais partes do processo.

O CNJ está atuando, agora, por meio do Fórum Nacional da Infância e Juventude (Foninj) em um projeto-piloto para depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas de violência em comunidades tradicionais. São magistrados e magistradas que atuam em comarcas indicadas, que permitirá a definição de diretrizes nacionais ao atendimento e à realização de depoimento especial entre povos e comunidades tradicionais.

Dia 18 de maio
A Lei 9.970/2000 instituiu o dia 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data faz referência ao “Caso Araceli”, de 1973, quando uma menina de 8 anos foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada no Espírito Santo. Seu corpo apareceu seis dias depois carbonizado e os seus agressores, jovens de classe média alta, nunca foram punidos.

No Brasil, o serviço Disque 100, criado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, recebe, encaminha e monitora denúncias de violência contra crianças e adolescentes. É possível ainda registrar a ocorrência de crime de abuso sexual pelo 190 (Polícia Militar) e pelo 127 (Ministério Público). As denúncias podem ser feitas de forma anônima.

Lenir Camimura Herculano

Agência CNJ de Notícias

 

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