AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS
11/09/2013 14:23
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - DEVER CONJUGAL DE FIDELIDADE - INOBSERVÂNCIA - FILHO CONCEBIDO FORA DO CASAMENTO - PATERNIDADE BIOLÓGICA - VERDADE OMITIDA - DANOS MORAIS - PEDIDO PROCEDENTE - DECISÃO MANTIDA
A infração ao dever conjugal de fidelidade e a omissão, ao marido, quanto à verdadeira paternidade biológica do filho, gerado em consequência de relação extraconjugal, implicam a prática de ato ilícito, gerando o dever da ré de indenizar os danos morais acarretados ao autor, vítima de traição, devidamente comprovados nos autos, cabendo seja mantida a sentença que acolheu o pedido inicial.
Apelação Cível nº 1.0024.05.890290-9/002 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: J.D.T.F. - Apelado: F.J.V. - Relator: Des. Francisco Batista de Abreu
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 10 de julho de 2013. - Francisco Batista de Abreu - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. FRANCISCO BATISTA DE ABREU - Relatório.
F.J.V. ajuizou ação de indenização por danos morais em face de J.D.T.F., alegando, resumidamente, que foi casado civilmente com a ré, no período de 13.01.1982 a 05.06.2003, data em que se separaram judicialmente, com a conversão em divórcio ocorrida em 22.10.2004, e que tiveram os filhos C., T. e L., hoje com 21, 17 e 6 anos, respectivamente, sendo que, logo após a separação, a ré assumiu o relacionamento amoroso com seu colega de trabalho e amigo do casal, L.F.F.T., com quem se casou em 17.12.2004; que, em 14.06.2005, recebeu uma carta da ré, informando que a criança L., na realidade, era filho biológico de L.F., atual marido dela, o qual já havia ajuizado ação de reconhecimento de paternidade, e que seria ele citado, fato este que se tornou notório no círculo familiar e social de convivência do autor, submetendo-o a absoluto constrangimento, além de ter perdido o seu estado de pai em relação ao menor, com quem sempre teve convivência e uma relação afetiva paterna; que, em razão de tais fatos, foi acometido de um grave quadro de estresse e depressão, passando a fazer uso de medicamentos, além de perder parte da sua capacidade laboral.
Requereu, então, a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, no importe equivalente a 300 salários mínimos, além de danos materiais de R$2.339,15 e dos gastos com medicamentos e médico psiquiatra.
Contestação às f. 103/116, afirmando a autora que a situação de adultério jamais aconteceu, uma vez que, à época do relacionamento extraconjugal, não mantinha mais com o autor qualquer compromisso de fidelidade ou matrimonial, liberados do compromisso e das suas obrigações conjugais, apesar de terem decidido continuar vivendo sob o mesmo teto, visando transmitir tranquilidade às filhas do casal; que essa ação foi proposta com espírito de revanchismo e que pretende o autor se locupletar ilicitamente, à custa da ex-esposa, que o sustentou durante anos, durante o casamento conturbado, com seguidas crises e separações de fato; que incabível a indenização e que pugnou pela improcedência dos pedidos.
Laudo de perícia técnica às f. 218/234, com esclarecimentos às f. 254/264.
A sentença de f. 312/319, ao fundamento de que o "dano moral, no caso, decorre tanto da certeza do adultério, como do abalo psíquico do autor com a revelação, após a separação e divórcio do casal, de que ele não era pai do filho mais novo do casal, concebido, nascido e criado por ele e a ex-esposa, até por volta de cinco anos de idade", julgou procedente o pedido para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$20.000,00, corrigido e acrescido de juros de mora a partir da sentença; parcialmente procedente o pedido de indenização das despesas com remédios, condenando-a ao pagamento de R$267,83; e improcedente o pedido de indenização com gastos médicos e lucros cessantes.
No recurso de apelação às f. 321/328, a ré argumenta que restou efetivamente controversa a situação da continuidade fática matrimonial entre as partes, ao tempo da concepção da criança, não sendo justo, na hipótese, aplicar a presunção legal da fidelidade matrimonial, já que o casamento não existia na prática, sendo que a prova da existência do casamento de fato cabia ao autor da ação.
Contrarrazões às f. 334/338.
Voto.
Como relatado, não se conforma a requerida, ora apelante, com a sentença que julgou procedente em parte o pedido de indenização por danos morais e materiais, ajuizado pelo apelado, alegando, em síntese, que, nos tempos modernos, quando um casamento não existe mais na prática, não há falar em "presunção legal da fidelidade matrimonial".
Ao reverso do que afirma a apelante, no entanto, no mesmo sentido da douta sentença de primeiro grau, tem-se que a análise dos autos conduz à conclusão de que a concepção do filho mais novo, em consequência de relação extraconjugal, ao tempo que viviam as partes sob o mesmo teto, como marido e mulher, configura quebra do dever conjugal de fidelidade, à época expressamente previsto em lei (art. 231, I, do Código Civil de 1916), e, ainda, dos deveres morais da sinceridade e honestidade.
Independentemente de não ter agido com a intenção de ofender ou causar dano ao apelado, o certo é que a revelação tardia de que não é ele o pai biológico do terceiro filho da autora, gerado na constância do casamento, certamente atingiu a sua honra, restando presentes os elementos capazes de ensejar a condenação da apelante ao pagamento de indenização pelos danos morais inegavelmente suportados pelo apelado. Além do desgosto de perder a paternidade do filho, que sempre criou como sendo seu, foi ele exposto a humilhações e vexames perante seus familiares e as demais pessoas da sua convivência, porque vítima de traição conjugal.
A única forma de resgatar a sua dignidade humana, inegavelmente afetada de forma negativa, é através do Direito, visando aliviar a sua dor.
A apelante tenta resumir a sua defesa com a alegação de que não existe a presunção legal do dever de fidelidade conjugal, em se tratando de um "casamento que não mais existe na prática". Porém, independentemente de não ser o ideal como modelo de casamento, a apelante optou por ficar casada, mesmo em um casamento de fachada, visando, conforme afirmado, preservar a "tranquilidade das filhas do casal". E, se assim o fez, deveria, então, ter tomado os cuidados também de não dar qualquer chance ao início de uma relação extraconjugal.
Por certo, a apelante sempre soube que esse filho não era do apelado e, mesmo assim, certamente para esconder a sua "pulada de cerca", como popularmente se diz, preferiu iludi-lo, atribuindo a ele a paternidade da criança, porque assim era mais cômodo. O apelado, nessa condição, sem imaginar que a situação pudesse ser outra, deu seu nome a essa criança, criou-a, cuidou dela e sempre a amou como se seu filho biológico fosse.
Mais tarde, após a separação do casal, a realidade dura e cruel lhe bateu à porta, diga-se, mediante uma carta curta e objetiva (f. 16), por meio da qual fora informado de que não era o pai biológico daquela criança, já com quase seis anos de idade, e, pior, que a paternidade estava sendo judicialmente reivindicada pelo verdadeiro pai biológico, o atual marido da apelante.
Saliente-se que a presunção do dever de fidelidade, nesse caso, vai além de uma simples obrigação conjugal legalmente prevista no art. 231, I, do Código Civil/1916 e art. 1.566 do novo Código Civil, mas figura como um princípio basilar desta instituição, uma vez que inerente às relações pautadas de lealdade, sinceridade e, porque não dizer, de honestidade, que devem sempre existir no casamento, porque constituem a sua própria essência.
A apelante agiu de forma ilícita ao infringir o dever legal da fidelidade e ao omitir do apelado o fato de que o filho, nascido na constância do casamento, poderia ser de outro homem. Os danos consistentes na dor moral e, também, no abalo à imagem do apelado, além de devida e suficientemente provado no muito bem-elaborado laudo de perícia técnica (f. 218/234), são inegáveis e, como tal, devem ser indenizados.
Dessarte, a teor do art. 186 do Código Civil, presentes nos autos os elementos capazes de ensejar a condenação da apelante ao pagamento de indenização pelos danos morais suportados pelo apelado, atendo-se à matéria impugnada, cabe a manutenção integral da r. sentença recorrida.
Com essas considerações, nega-se provimento ao recurso.
Custas, pela apelante.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Sebastião Pereira de Souza e Otávio de Abreu Portes.
Súmula - NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: TJMG
Publicado em 10/09/2013
Extraído de Recivil