A presunção de quitação de dívida e o princípio "dormientibus non sucurrit ius" face ao instituto da adjudicação compulsória - Parte I

A presunção de quitação de dívida e o princípio "dormientibus non sucurrit ius" face ao instituto da adjudicação compulsória - Parte I

Iuri Ferreira Bittencourt e Angelo Volpi Neto
quarta-feira, 10 de janeiro de 2024
Atualizado às 12:06

Introdução

A prescrição de dívidas é um tema crucial no âmbito do Direito, uma vez que diz respeito à proteção dos direitos tanto do devedor quanto do credor. "Dormientibus Non Sucurrit Ius" é um princípio que ressalta a necessidade de agir de maneira correta para garantir e exercer direitos. Diante disso, surge a questão de se, quando o prazo para cobrança judicial de uma dívida já expirou, pode-se presumir a quitação?

O Princípio "Dormientibus Non Sucurrit Ius":

O brocárdio "Dormientibus Non Sucurrit Ius" tem raízes antigas no Direito Romano e ressalta que o direito não auxilia aqueles que negligenciam o exercício de seus direitos. No contexto das dívidas, isso significa que a inércia do credor em buscar uma cobrança dentro do prazo prescrito pela lei pode levar à perda de seu direito.

Da boa-fé objetiva:

Ela é um princípio fundamental no direito contratual que exige honestidade e liderança nas relações contratuais. Duas facetas importantes relacionados a ele: a "supressão" e a "surreção", que abordam situações em que uma parte pode ou não alegar o descumprimento de uma obrigação devido à inação da outra parte.

A "supressão" envolve a perda de um direito devido à inação prolongada de uma das partes, indicando que ela não pretende mais o cumprimento da obrigação. A "surreção", por outro lado, permite o surgimento de um direito após um período de ação reiterada, desde que as condições contratuais e a boa-fé sejam respeitadas.

Como disse o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp 1.338.432, em 2017, na Quarta Turma, "a supressio inibe o exercício de um direito, até então reconhecido, pelo seu não exercício. Por outro lado, e em direção oposta à supressio, mas com ela intimamente ligada, tem-se a teoria da surrectio, cujo desdobramento é a aquisição de um direito pelo decurso do tempo, pela expectativa legitimamente despertada por ação ou comportamento reiterado" (STJ - REsp 1.338.432, 2017.).

Em um contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, se um comprador deixa de pagar por um longo período e o vendedor não toma medidas para cobrar, uma "supressão" pode ser aplicada. No entanto, se o vendedor cobrar antecipadamente as parcelas nesse novo prazo reduzido, sem o devedor reclamar, a "surreção" permite a retomada dos direitos de cobrança. Esses conceitos dependem das especificações de cada caso, e é crucial considerá-los ao analisar situações de inadimplência em contratos.

Código Civil de 1916 e a Prescrição:

O Código Civil de 1916, no seu artigo 177, estabelecia que a prescrição ocorreria em vinte anos, a menos que a lei determinasse um prazo menor. Isso fez com que, na ausência de um prazo especificado estipulado por outra lei, o credor pudesse buscar a cobrança no período de vinte anos. Após esse prazo, havia a possibilidade de se presumir a quitação da dívida.

Novo Código Civil e Redução do Prazo:

Com a entrada em vigor do Novo Código Civil em 2002, o prazo de prescrição foi reduzido para (cinco) 5 anos. Essa mudança reflete preocupação em equilibrar os interesses dos credores, evitando que o tempo excessivo prejudique a eficácia do direito de cobrança. Veja  esse acórdão que faz menção ao art. 206 § 5°  e o VIII  § 5°   TJ-MG - Agravo de Instrumento-Cv: AI XXXXX20803647001 MG:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - CONTRATO DE FINANCIAMENTO - PRESCRIÇÃO PARCIAL DAS PARCELAS - OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. Tratando-se de cobrança de dívida líquida constante de instrumento particular, deve ser aplicado o prazo prescricional de 05 anos, nos termos do art. 206 , § 5º , inciso I , do Código Civil . A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, se tratando de obrigações de trato sucessivo, o prazo prescricional apenas tem início após a data de vencimento da última parcela do contrato, ainda que tenha sido convencionado o vencimento antecipado das prestações, na hipótese de inadimplemento. Estando diante de um contrato de prestação continuada, no qual há autonomia entre as parcelas cobradas e, por conseguinte, prestações autônomas a cada período, o credor somente poderá cobrar as parcelas que venceram dentro do quinquídio que antecede ao ajuizamento da demanda (TJMG, 2023, p. 1). 

Obrigações Civis Transformadas em Obrigações Naturais 

As obrigações civis são fundamentais no campo do direito, estabelecendo vínculos jurídicos entre as partes de um contrato ou imposições legais que obrigam-as o cumprimento de uma prestação. No entanto, em determinadas circunstâncias, essas obrigações podem sofrer uma transformação, assumindo a forma de obrigações naturais.

O aspecto subjetivo das obrigações naturais é fundamental para compreender essa transformação. Quando uma obrigação civil se converte em obrigação natural, a exigibilidade judicial é perdida. Ou seja, o credor não pode obrigar legalmente o devedor a cumprir a prestação. Neste ponto, o sistema jurídico brasileiro não estar-se-ia à disposição eternamente do inerte. Muito embora, nesse caso, haverá essa mitigação da proteção jurídica ao jurisdicionado, não se pode negar que a obrigação será eterna no campo da ética e do inconsciente das partes envolvidas. Nada mais.

Essa transformação ocorre muitas vezes devido à prescrição, decadência ou impossibilidade de cumprimento, fatores que tornam as obrigações não mais exigíveis perante o arcabouço jurídico. No entanto, o devedor, de forma voluntária e baseado no seu senso de justiça ou moral, ainda pode optar por cumprir a prestação.

A situação descrita destaca a relevância da ética e da responsabilidade pessoal no contexto das obrigações naturais. Embora tais obrigações não possuam força legal vinculativa, os indivíduos têm a opção de cumprir essas obrigações em prol da sua própria integridade moral e respeito aos acordos previamente estabelecidos. Isso pode ser exemplificado em um cenário de compromisso de compra e venda, onde o credor opta por não fazer valer seus direitos legais dentro do prazo estipulado. Nesse contexto, a inércia do credor jamais pode ser alimento para o sistema jurídico permitir com que o proprietário do imóvel permaneça com ele irregular.

Nos primeiros segmentos deste artigo, foram explorados aspectos fundamentais do universo jurídico, incluindo a aplicação do brocardo jurídico "dormientibus non Sucurrit Ius", a importância da boa-fé objetiva nas relações civis, a evolução da prescrição no código civil de 1916 para o código civil de 2002, e as nuances entre obrigações civis e naturais. Agora, ao avançarmos para a segunda parte, voltaremos nossa atenção à análise da adjudicação compulsória extrajudicial. Este tópico se torna crucial na compreensão das dinâmicas legais contemporâneas, trazendo questões específicas relacionadas à presunção de quitação na obrigação. Além disso, será ressaltado o posicionamento jurisprudencial atualizado sobre esse tema, proporcionando uma visão abrangente e informativa aos operadores do direito.

Fonte: Migalhas

Notícias

Extinção de processo por não recolhimento de custas exige citação da parte

Recurso especial Extinção de processo por não recolhimento de custas exige citação da parte 26 de janeiro de 2025, 9h52 O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte manteve a decisão de primeiro grau. Os autores, então, entraram com recurso especial alegando que deveriam ter sido intimados...

Herança musical: Como proteger direitos autorais antes da morte?

Precaução Herança musical: Como proteger direitos autorais antes da morte? Dueto póstumo envolvendo Marília Mendonça e Cristiano Araújo ilustra como instrumentos jurídicos podem preservar legado de artistas. Da Redação quinta-feira, 23 de janeiro de 2025 Atualizado às 15:07 A preservação do legado...

Imóveis irregulares: Saiba como podem ser incluídos no inventário

Imóveis irregulares: Saiba como podem ser incluídos no inventário Werner Damásio Descubra como bens imóveis sem escritura podem ser partilhados no inventário e quais os critérios para garantir os direitos dos herdeiros. domingo, 19 de janeiro de 2025 Atualizado em 16 de janeiro de 2025 10:52 A...

STJ julga usucapião de imóvel com registro em nome de terceiro

Adequação da via STJ julga usucapião de imóvel com registro em nome de terceiro Recurso visa reformar decisão de tribunal que extinguiu o processo por ausência de interesse de agir. Da Redação sexta-feira, 17 de janeiro de 2025 Atualizado às 17:23 A 4ª turma do STJ iniciou julgamento de ação de...

Divórcio é decretado antes da citação do cônjuge, que reside nos EUA

Divórcio é decretado antes da citação do cônjuge, que reside nos EUA 16/01/2025 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM A Justiça do Rio de Janeiro decretou o divórcio antes da citação do cônjuge, um americano que reside nos Estados Unidos. A decisão da 2ª Vara de Família da Regional da Barra da...

Holding deixada de herança: entenda o que a Justiça diz

Opinião Holding deixada de herança: entenda o que a Justiça diz Fábio Jogo 14 de janeiro de 2025, 9h14 Sem uma gestão transparente, o que deveria ser uma solução para proteger o patrimônio pode acabar se transformando em uma verdadeira dor de cabeça. Leia em Consultor Jurídico      ...