A prisão antes do trânsito em julgado e o novo CPC: como fica a execução provisória no processo civil?

A prisão antes do trânsito em julgado e o novo CPC: como fica a execução provisória no processo civil?

Publicado 3 horas atrás

@flickr/DavidGoehring

Crédito @flickr/DavidGoehring

Por Andre Vasconcelos Roque
Doutor e mestre em Direito Processual pela UERJ. Professor Adjunto em Direito Processual Civil da FND-UFRJ. Membro do IIDP, IBDP, CBAr, IAB e CEAPRO. Sócio de Gustavo Tepedino Advogados.- Siga Andre no Twitter

Olá, caro amigo leitor, tudo bem?

Como você já deve saber, o início do ano de 2016 testemunhou importante decisão do Supremo Tribunal Federal, que ocupou espaço expressivo na mídia e nas discussões entre profissionais do Direito: revertendo anterior orientação, a Suprema Corte decidiu, no Habeas Corpus nº 126.292 que a execução da pena condenatória restritiva de liberdade após a confirmação da sentença penal em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência.

Nessa direção, até que seja proferida a decisão penal definitiva em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, havendo condenação, exaure-se o princípio da não culpabilidade, uma vez que os recursos cabíveis, ao STJ ou STF, não se prestam a rediscutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito.

Eventuais equívocos poderiam ser remediados com a excepcional concessão de efeito suspensivo aos recursos para os tribunais superiores. Nada muito diferente do que ocorre no processo civil, em que os recursos especial e extraordinário também não possuem efeito suspensivo automático.

Independentemente do (des)acerto da decisão do Supremo Tribunal Federal à luz do art. 5º, LVII da Constituição (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), esta decisão, paradigmática que seja, conduz a importante reflexão sobre a execução provisória no processo civil.

Verifica-se a execução ou o cumprimento provisório de sentença, no novo CPC, sempre que a decisão que lastreia a tutela executiva ainda é passível de discussão, podendo ser anulada ou reformada por recurso não dotado de efeito suspensivo. Contrapõe-se à execução ou cumprimento definitivo de sentença, em que a decisão exequenda já transitou em julgado, não comportando invalidação ou reforma na mesma relação jurídica processual – nada impede, porém, que ainda possa ser impugnada em ação autônoma, como no caso de ação rescisória.

A principal distinção do cumprimento provisório para definitivo, especificamente em relação às obrigações de pagar quantia certa, [1] é que, na fase final do procedimento, caracterizado pela expropriação do executado (adjudicação, alienação por iniciativa particular ou leilão) e satisfação do crédito do exequente (art. 904, mediante entrega do dinheiro ou pela adjudicação dos bens penhorados), exige-se a prestação de caução suficiente e idônea, a ser arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos (art. 520, IV do novo CPC). Suficiente é a caução correspondente ao crédito reclamado pelo exequente, ao passo que idônea será aquela comprovadamente existente e representativa de liquidez, que pode ser convertida em dinheiro.

A caução é exigida para a ultimação do procedimento executivo, não para a instauração do cumprimento de sentença. O mesmo regime se aplica para outros atos da execução que possam acarretar grave dano ao executado, como a penhora de renda de uma empresa que possa comprometer suas atividades.

Entretanto, sem embargo dos inegáveis avanços da execução provisória na esfera cível ainda ao tempo do CPC/1973, a exigência de caução no cumprimento provisório de sentença necessita ser repensada após a aludida decisão do STF no Habeas Corpus nº 126.292.

Não faz sentido que, em nome da tutela patrimonial do executado, seja exigida a caução de forma apriorística – ressalvadas apenas as exceções do art. 521[2] – e se possa, em tese, prender o condenado em processo criminal, após decisão de segunda instância, sem que se imponha salvaguarda semelhante.

Dinheiro vale mais que liberdade?

Essa disparidade foi em certa medida mitigada com a Lei nº 13.256/2016 (lei do “recall do novo CPC”),[3] que restabeleceu o juízo de admissibilidade na origem dos recursos especial e extraordinário (art. 1.030). O art. 521, que relaciona as hipóteses em que a caução pode ser dispensada, faz referência em seu inciso III (também com redação alterada pela Lei nº 13.256/2016) ao caso em que o recurso para o STJ ou STF é inadmitido na origem e interposto o agravo previsto no art. 1.042.

Ainda assim, a incongruência permanece nos casos em que (i) o juízo de admissibilidade do recurso especial ou extraordinário está pendente ou (ii) quando tais recursos são admitidos na origem ou, ainda, (iii) quando o agravo previsto no art. 1.042 é provido para determinar a subida do recurso especial ou extraordinário.

Em todas essas três situações, o novo CPC não prevê a dispensa da caução a ser prestada na execução provisória para os atos de expropriação ou satisfação do crédito, pois o que estaria pendente seria o próprio recurso especial ou extraordinário, e não o agravo do art. 1.042. São casos em que, fazendo um paralelo, pode haver execução provisória penal do condenado em 2ª instância, mas não se admite a execução provisória cível de obrigação de pagar quantia certa sem caução.

Como tenho sustentado em comentários ao novo CPC, no próximo volume que estou escrevendo em conjunto com outros três colegas que compartilham esta coluna (Fernando Gajardoni, Luiz Dellore e Zulmar Duarte) e que estará em breve disponível, é recomendável interpretar a exigência de caução no cumprimento provisório de sentença à luz da proporcionalidade, de acordo com as circunstâncias do caso, tendo em vista especialmente (i) a probabilidade de reversão da decisão exequenda; e (ii) os riscos que podem advir para o executado em virtude dos atos de expropriação e de satisfação do crédito do exequente, assim como a possibilidade ou não de sua reparação pelo exequente.

Evidentemente, quanto maior ou mais grave o risco de dano irreparável, menos se exigirá em termos de possibilidade de reversão da decisão exequenda.

Trata-se do mesmo raciocínio que se desenvolve, em sentido inverso, para o parágrafo único do art. 521, que autoriza o juiz, mesmo nos casos em que se dispensa a caução, a manter a exigência “quando da dispensa possa resultar [ao executado] manifesto risco de grave dano de difícil ou incerta reparação”. De acordo com esse dispositivo, por exemplo, embora a pendência apenas do agravo em recurso especial ou extraordinário autorize a dispensa da caução (art. 521, III), se o juiz verifica que a orientação sobre o tema está prestes a se modificar nos tribunais superiores em favor do executado, pode exigir que o exequente ofereça caução.

Não há razão para que a argumentação não seja desenvolvida em mão dupla. Ou seja, mesmo sendo o caso, em tese, de prestação de caução, esta poderá ser dispensada pelo juiz se, por exemplo, confirmada a decisão em 2ª instância, for baixíssimo o risco de reversão da decisão exequenda (e este parece ser mesmo o objetivo do legislador, por exemplo, em relacionar a existência de súmula dos tribunais superiores ou precedente em caso repetitivo [4] como hipóteses de dispensa da caução – art. 521, IV).

A prática evidenciará muitas outras situações em que será conveniente a dispensa da caução na execução provisória, fora das hipóteses do art. 521.

Falando em prática, o novo CPC está chegando. Não perca, na semana em que entrar em vigor o novo CPC… texto especial sobre o dia em que o CPC/2015 entra em vigor!

Abraços e até a próxima!

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[1] Quanto ao cumprimento provisório de obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, o novo CPC regula o assunto de forma bastante precária, dispondo apenas, dentro do capítulo que regula o cumprimento provisório de obrigação de pagar quantia certa, que “[a]o cumprimento provisório de sentença que reconheça obrigação de fazer, de não fazer ou de dar coisa aplica-se, no que couber, o disposto neste Capítulo” (art. 520, § 5º).

[2] Art. 521 do novo CPC: “A caução prevista no inciso IV do art. 520 poderá ser dispensada nos casos em que: I – o crédito for de natureza alimentar, independentemente de sua origem; II – o credor demonstrar situação de necessidade; III – pender o agravo do art. 1.042 (redação dada pela Lei nº 13.256/2016); IV – a sentença a ser provisoriamente cumprida estiver em consonância com súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em conformidade com acórdão proferido no julgamento de casos repetitivos. Parágrafo único. A exigência de caução será mantida quando da dispensa possa resultar manifesto risco de grave dano de difícil ou incerta reparação”.

[3] Essa lei, antes mesmo de ser sancionada, sem vetos, já foi objeto de discussão neste espaço. Confira-se: ROQUE, Andre; GAJARDONI, Fernando; DELLORE, Luiz; DUARTE, Zulmar. O recall do novo CPC. Jota, publicado em 16.11.2015, disponível em https://jota.uol.com.br/o-recall-do-novo-cpcas-mudancas-decorrentes-do-pl-238415-da-camara-e-do-pl-16815-do-senado.

[4] Caso repetitivo, no novo CPC, é conceito definido no art. 928: “Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em: I – incidente de resolução de demandas repetitivas; II – recursos especial e extraordinário repetitivos. Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual”.

Origem da Foto/Fonte: Extraído de Jota

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