Testamento cerrado: características e aplicabilidade na atualidade
Testamento cerrado: características e aplicabilidade na atualidade
Objetiva o estudo do testamento cerrado, sendo uma modalidade testamentária que está tipificada no ramo do Direito das Sucessões. Essa forma de testamento é escolhida por aqueles que desejam manter sua última vontade em segredo, ou seja, de forma mística.
Por Thais Cardoso Pangracio
DIREITO DE FAMÍLIA | 14/ABR/2019
Introdução
A sucessão testamentária pode ser definida como aquela que ocorre em obediência à vontade do falecido, prevalecendo, entretanto, as disposições legais no que constitua ius cogens, bem como no que for silente ou omisso o instrumento.
Portanto, verifica-se que quando existentes disposições de última vontade, o testamento sempre prevalecerá, e tanto assim é que a lei faculta ao testador, não somente dispor de seus bens, como também prever a hipótese de, ao instituir herdeiro ou legatário, que não queiram ou não possam aceitar a herança, declarar quem será o substituto, ou substitutos beneficiados nesse caso.
Para iniciar o estudo, Sílvio de Salvo Venosa descreve o que vem a ser testamento: O testamento é ato solene. Juntamente com o instituto do casamento, forma um dos atos mais solenes de nosso direito privado. Portando, para que o negócio jurídico valha e ganhe eficácia, há necessidade de que sejam obedecidas as formalidades descritas na Lei, para cada espécie de testamento.
A solenidade existente nas formas, que se exteriorizam perante testemunhas, constitui a garantia extrínseca do ato (VENOSA, 2014, p. 223). As principais características do testamento são: Ser ato personalíssimo, feito pelo próprio testador, sem interferência de terceiro, nem mesmo com poderes especiais; Constituir negócio jurídico unilateral, uma vez que o testador declara sua vontade para que seja cumprida após sua morte. Com efeito, a sua vontade, pessoalmente manifestada, é suficiente à formação do testamento.
Não tem o beneficiário de intervir para a sua perfeição e validade. Posteriormente, depois da morte do testador, quando aberta a sucessão, é que se manifesta a aceitação deste; Ser ato gratuito, sem obtenção de vantagem por parte do testador (cumpre ressaltar que o legado com encargo não retira o caráter de gratuito); Ser ato solene, pois é ato que possui forma prescrita em lei.
Tal instrumento somente terá validade se observadas todas as formalidades essenciais estabelecidas em lei (ad solemnitatem); Ser ato revogável, visto que é manifestação de última vontade desde que não seja modificado, sendo inválida a cláusula que proíbe a sua revogação, pois o poder de revogar o testamento, no todo ou em parte, é irrenunciável (art. 1.858 do Código Civil).
Contudo, há uma exceção ao princípio da revogabilidade do ato de última vontade, ou seja, por força do artigo 1.609, III do Código Civil, o testamento é irrevogável na parte em que, eventualmente, o testador tenha reconhecido um filho havido fora do matrimônio; E, por fim, ser ato causa mortis, pois produz seus efeitos após a morte do testador. O atual Código Civil admite três formas de testamentos ordinários: público, cerrado e particular, e três formas de testamentos especiais: marítimos, aeronáutico e militar.
No presente estudo, o enfoque ocorrerá em relação ao testamento cerrado.
O Testamento Cerrado
O testamento cerrado é originado do direito Romano, tendo sido criado por uma constituição dos Imperadores Teodósio e Valentiniano III no ano 439, e posteriormente regulamentado no código de Justiniano.
Essa modalidade testamentária encontra-se prevista em quase todas as legislações, exceto na Alemanha e na Suíça. Também chamado de secreto ou místico, este tipo de testamento é escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, tendo que ser aprovado por um tabelião ou por seu substituto legal.
As formalidades desta espécie de testamento estão estabelecidas no artigo 1868 do Código Civil. Desse modo, analisando o que a lei prevê, infere-se que tal testamento pode ser confeccionado de forma mecânica ou manuscrita. Deve ser entregue ao oficial do cartório, na presença de duas testemunhas, devendo o testador dizer que aquele é seu testamento, e que deseja tê-lo registrado.
Em seguida, o oficial procede à leitura silenciosa do testamento, para verificar se não existem falhas formais. Estando conforme, redige o auto e o lê em voz alta para o testador e as testemunhas. Em seguida, procede à lacração do testamento e seu registro.
O testamento cerrado não permanecerá em posse do cartório, mas sim do próprio testador. O tabelião não manterá sequer cópia do conteúdo do testamento, visto que a função do oficial do cartório é apenas aprová-lo e manter registro da nota do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e entregue ao testador. Falecido o testador, o testamento será apresentado ao juiz para abertura pela pessoa que estiver em na posse do documento. Cumpre ressaltar, ainda, que a abertura do testamento cerrado que não pelo juiz anula o testamento.
Venosa, de forma incontestável, faz referência às formalidades no ato de elaboração do testamento cerrado: No testamento cerrado é importante, mas a lei não o diz que as formalidades sejam feitas em seqüência, sem intervalo na continuidade, uma vez que se trata de mera apresentação e aprovação. Se o ato for interrompido, será necessário recomeçá-lo, diferentemente do testamento público cuja redação pode levar honras e exigir interrupção para repouso. Pequeno intervalo, porém, no testamento cerrado, não induz nulidade (VENOSA, 2014, p. 239).
Além disso, os requisitos essenciais do testamento cerrado, constantes nos artigos 1.868 a 1875, do Código Civil, representam normas obrigatórias, e de ordem pública. A inobservância de qualquer norma descrita nos artigos supramencionados acarreta a nulidade do ato praticado.
Neste tipo de sucessão a vontade do testador será preservada até o dia de sua morte, tendo conteúdo desconhecido pelas testemunhas e pelo tabelião. Esta modalidade de testamento é composta por duas partes: a cédula ou a carta testamentária, com as disposições escritas pelo testador ou por pessoa a seu rogo; e o auto de aprovação redigido por tabelião ou seu substituto legal.
Poderá ser escrito em língua nacional ou estrangeira, pelo próprio testador, ou por outrem, a seu rogo, conforme o artigo 1.871 do Código Civil. Por outro lado, o ato de aprovação, deverá ser redigido em língua portuguesa e a tradução do testamento apenas será necessária quando do seu cumprimento.
Ademais, poderá ser escrito por testador surdo-mudo, contanto este escreva integralmente seu testamento, e o assine de próprio punho, efetuando a entrega do testamento ao tabelião, perante as duas testemunhas, escrevendo ainda, na face externa do papel ou do envoltório, que aquele é o seu testamento e que requer sua aprovação (artigo 1.873 do Código Civil).
No entanto, de acordo com o artigo 1.872 do Código Civil, estão impedidos de testar por meio cerrado quem não saiba ou não possa ler, porque não poderão ver ou ler a transcrição, para se certificarem se o que foi ditado está registrado por aquele quem, a seu rogo, redigiu o documento.
No testamento cerrado, desde o momento em que o testador entrega ao tabelião a cédula testamentária, a solenidade não poderá ser suspensa ou interrompida, a não ser em casos excepcionais como na ocorrência de breves e momentâneas interrupções por falta de energia elétrica, ou para remediar necessidades físicas do testador, ou tabelião, ou de uma das testemunhas.
Outro ponto a ser ressaltado é que se o testamento não foi lavrado pelo testador, mas por alguém a seu rogo, essa pessoa não pode ser incluída como beneficiária, mesmo que por meio de interposta pessoa (ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro do mesmo). Cumpre destacar, ainda, que o Código de Processo Civil, em seu artigo 735, regula a abertura, o registro e o cumprimento do testamento cerrado.
Vantagens e Desvantagens Do Testamento Cerrado
A principal vantagem do testamento cerrado é fato de manter sigilo a declaração de vontade do testador até o dia de sua morte. O tabelião e testemunhas que participaram da solenidade não conhecem necessariamente o conteúdo da cédula testamentária, muito menos as pessoas que não participaram da solenidade.
Por outro lado, a principal desvantagem deste testamento refere-se ao fato de poder ser facilmente extraviado, inutilizado ou lacerado, ficando sem eficácia as disposições de ultima vontade feitas pelo testador. O maior risco é a insegurança do local onde será guardado o testamento.
Se o instrumento for perdido, ou destruído, a vontade do testador será perdida uma vez que não há como pedir uma certidão ou cópia do mesmo.
A vulnerabilidade fática é característica essencial e própria da natureza do testamento cerrado e se revela pela problemática da revogação do testamento cerrado sem o consentimento do testador quanto ao âmbito probatório. Orlando Gomes assim explica sobre tal vulnerabilidade: Tem, entretanto, o inconveniente de poder ser facilmente extraviado, ou inutilizado, que poderia ser obviado, porém com a instituição de um arquivo testamentário.
A intervenção por este modo do notário, ou de quem lhe exerça as funções, retira-lhe o caráter de testamento particular, inserindo-o entre as formas testamentárias públicas ou notariais. Não se lavra, todavia, no livro de notas, tal como o testamento público, intervindo o tabelião unicamente para lhe dar autenticidade exterior (GOMES, 2006, p. 115).
Para evitar tais situações, o testador pode redigir a cédula testamentária em mais de uma via e com o mesmo conteúdo, cumprindo todas as exigências legais em cada um dos exemplares, levando ao tabelião para que possam ser autenticadas e confirmadas por meio do auto de aprovação.
Porém, se o instrumento estiver viciado ou possuir falsidade indiscutível, o juiz não pode fazer com que o testamento seja cumprido. Destarte, vemos que depende de que alguém encontre e entregue esse testamento ao juiz, pois sem ele não será possível vislumbrar o desejo do falecido, em razão de seu conteúdo estar apenas nele.
Desse modo, chegamos à constatação de que não há segurança jurídica quanto o cumprimento da última vontade do testador, pois e se o testamento não chegar às mãos do juiz não poderá ser cumprida a manifestação da vontade do testador.
O Testamento Cerrado na Atualidade
Nos tempos mais remotos, era de grande aplicabilidade esta forma de testar, posto que se manuseava tal artifício para que fossem revelados segredos entre famílias, como o reconhecimento de um filho fora do casamento.
Contudo, este ato, totalmente possível ainda nos dias de hoje, não se aproxima em nada com as características do mundo atual. Com efeito, o Direito deve acompanhar e se adaptar às evoluções que surgem na sociedade de seu tempo. Hoje, vivemos a Era Tecnológica e da Informação, sendo que até o Poder Judiciário brasileiro vem passando por uma ampla reformulação de sua atuação.
Atualmente, a segurança e o sigilo desta espécie de testamento poderiam ocorrer de outras maneiras, tendo em vista que há tecnologia suficiente para criar um cerramento eletrônico e digital deste documento, por meio de criptografia e o uso de chaves públicas e particulares.
Nesse sentido, cumpre ressaltar que no Brasil, com a edição da Medida Provisória 2.200/2, a partir do ano de 2002 os documentos eletrônicos passaram a ter a mesma validade e efetividade dos documentos físicos, e ainda maior segurança em razão das assinaturas digitais que possibilitam a esta espécie a presunção de veracidade e de idoneidade, uma vez que, com o sistema criptográfico, há como saber se houver qualquer alteração no conteúdo documento original.
Portanto, além de que este testamento fique armazenado em banco de dados próprio, é possível que utilizemos a mesma tecnologia que já estamos utilizando no Processo Judicial Eletrônico, através da criptografia, para que seu conteúdo fique secreto e codificado, sem que o tabelião ou as testemunhas saibam seu conteúdo.
Desse modo, é possível observar as grandes vantagens e, até mesmo, a necessidade de adaptar o testamento cerrado às novas tecnologias.
Conclusão
Por fim, é possível perceber que neste tipo de sucessão testamentária a vontade do testador será preservada até o dia de sua morte, tendo conteúdo desconhecido pelas testemunhas e pelo tabelião.
Suas vantagens são de poder ser escrito na língua do testador; não permitir o conhecimento público; poder ser feito pelo surdo-mudo, e suas desvantagens são de que corre o risco de erros; risco de ser revogado com acidentes como a quebra do lacre ou ruptura da costura; não pode ser feito por quem não saiba ou não possa ler.
Portanto, observa-se que não há uma garantia concreta de que a última vontade será respeitada nessa modalidade testamentária, visto que pode ser perdido ou destruído, e assim fará que este seja revogado, o que privará o testador de exercer sua última vontade, que será suprida através da aplicação da regra geral.
Assim, conclui-se que não há segurança jurídica quanto o cumprimento da última vontade do testador, pois e se o testamento não chegar às mãos do juiz não poderá ser cumprida a manifestação da vontade do testador. Faz-se necessário, desta forma, que o direito de testar legalmente conferido e protegido pelo Estado, seja efetivo, e hoje, em razão das diversas tecnologias disponíveis é possível a readequação desta espécie testamentária.
Referências Bibliográficas
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 7: direito das sucessões / Carlos Roberto Gonçalves. – 11. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017 BRASIL.
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 2. ed. Revista dos Tribunais, 2014.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito Das Sucessões. 28ª ed. Saraiva, 2014. v.6.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. São Paulo: RHJ, 2014.
GOMES, Orlando. Sucessões. 13. ed. rev., atual. e aum. de acordo com o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 115
https://jus.com.br/artigos/33412/testamento-cerrado-brevesconsideracoes-e-requisitos-para-sua-validade
https://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&arti go_id=19946&revista_caderno=7
https://www.academia.edu/25859801/Testamento_Cerrado_repensando_ refletido_e_redemocratizado_na_Era_Digital
Vade mecum. 24° Ed. Saraiva, 2017.
Fonte: DireitoNet