Alienação fiduciária em garantia de bem imóvel. Aprimoramento com a MP 1.104/22 e o PL 4.188/21. O Registro da garantia fiduciária em 2º grau
Alienação fiduciária em garantia de bem imóvel. Aprimoramento com a MP 1.104/22 e o PL 4.188/21. O Registro da garantia fiduciária em 2º grau
Izaías G. Ferro Júnior e Fabiane Queiroz Mathiel Dottore
quarta-feira, 8 de junho de 2022
A Alienação Fiduciária em Garantia de Bens Imóveis é um dos direitos reais mais relevantes e utilizados atualmente, face a garantia de pagamento que o credor obtém ao conceder o crédito. Este mostra-se, atualmente, oportuno em razão do importante papel a ela reservado principalmente na economia.
No Brasil, a alienação fiduciária em garantia é negócio jurídico que pode ser conceituado como negócio jurídico pelo qual o devedor fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor fiduciário da propriedade resolúvel de coisa imóvel (artigo 22 da lei 9.514/97, para bens imóveis1). O instituto da alienação fiduciária como garantia, por expressa dicção legal é a corrente doutrinária majoritária. Esta propriedade resolúvel é conferida ao credor até a solução da obrigação garantida. Pode ter como objeto móveis e imóveis e neste paper será estudado apenas os bens imóveis. A propriedade resolúvel tem caráter temporário (como todos os outros direitos reais em espécie, a exceção da propriedade).
Uma das correntes sobre a natureza jurídica da Alienação Fiduciária em Garantia - AFG, capitaneada por Vitor Frederico Kümpel, diz trata-se de direito real em que o devedor fiduciante afeta um bem imóvel em garantia de um mútuo ao credor fiduciário. Como consequência, há o desdobramento da posse em direta e indireta respectivamente, podendo gerar dois resultados: se inadimplida a obrigação dar-se-á a consolidação da propriedade ao fiduciário e posterior leilão2 para quitação nos termos do artigo 26 da Lei 9.514/97 e seguintes da referida lei. Caso a obrigação seja paga e haja total adimplemento no negócio jurídico, conforme o autor, desafeta-se o bem que retorna ao patrimônio do fiduciante de forma plena.
A natureza jurídica, embora muitos defendam ser propriedade resolúvel, é, em verdade, um negócio jurídico sob condição resolutiva. O registro do título dá natureza real à pretensão restitutória do devedor. Não se trata de propriedade resolúvel porque o bem imóvel não deixa de ser do devedor, mas também não ingressa no patrimônio do credor, ficando afetado (conforme Kümpel) até que haja o cumprimento ou não da obrigação, ou seja, fora do comércio.
A AFG de bem imóvel, portanto, é negócio jurídico típico e formal, com estrutura prevista em lei (acessório ao contrato principal que é o mútuo), temporário e transitório, posto que celebrado para terminar com o implemento da condição (quitação ou consolidação), sinalagmático e comutativo, pois cria obrigação e benefício a ambas as partes e cada parte pode antever a sua prestação e a do outro, com equivalência.
A constituição da propriedade fiduciária de coisa imóvel dá-se com o registro no competente Registro de Imóveis do contrato que lhe serve de título (art. 23, lei 9.514/97). A possibilidade de nova garantia real ser registrada após a uma alienação fiduciária previamente inscrita inexiste, conforme deduz-se da teleologia da Lei 9.514/97 e da sistemática civilista e registral3.
Entretanto a MP 1.103/2022 e a lei 4.188/2021 alteraram esta situação consolidada, ou seja, a impossibilidade de se registrar nova garantia fiduciária superveniente a primeira inscrita. Juristas e mesmo os operadores do mercado de capitais, perceberam quanto seria importante uma atualização, ou mesmo modernização dos direitos reais de garantia.
A hipoteca é instrumento que permite múltiplas constituições e em graus subsequentes. Este mecanismo dinamiza a economia, pois um bem imóvel pode garantir operações diversas, bastando que o credor aceite a constituição em grau superior ao antecedente. A vantagem dos registros dos graus supervenientes nas hipotecas não se repete com a AFG4, e isto o PL 4188/2021 tende a corrigir, apesar de permitir para o mesmo agente fiduciário.5 Com a fragilidade na execução das hipotecas, ou caução de bem imóvel (que é hipoteca, lato sensu) no ordenamento jurídico brasileiro, tal garantia real praticamente deixou de ser celebrada. Restou ao mercado optar pela Alienação Fiduciária em Garantia (AFG) de bens imóveis. A AFG para bens imóveis, igualmente precisa ser renovada, pois até ser proposta pelo PL 4188/2021 ainda não se permite a constituição de dois direitos sobre o mesmo imóvel, apesar de correntes doutrinárias pregarem a constituição da segunda AFG com eficácia suspensiva.
Salienta-se, novamente, que a vantagem da constituição da hipoteca, não impede a constituição de outra em grau superior no mesmo imóvel, ao passo que na alienação fiduciária de bens imóveis, a garantia registrada junto a serventia registral competente, não permite, via de regra, outro gravame idêntico. O fato de a hipoteca ser múltipla, isto é, poder ser constituída por diversos graus no mesmo imóvel, dinamiza a circulação do dinheiro, e a realidade fática do imóvel agrário demonstra isto, pois praticamente hoje, as únicas hipotecas constituídas são as oriundas das Cédulas de Crédito Rural (Dec-Lei 167/67), e eventualmente as Cédulas de Crédito Industrial (Dec-Lei 413/69), Cédula de Crédito à Exportação (Lei 6.313/75) e a Cédula de Crédito Comercial (lei 6.840/69).
A desvantagem da excussão dos créditos oriundos de hipotecas, sejam convencionais, judiciais, legais ou por instrumentos cedulares, passariam a ter sua execução hipotecária junto ao extrajudicial, ou seja, no âmbito do Registro de Imóveis, com a alteração da Lei 9.514/97, acrescentando o capítulo II-B "Da Execução Extrajudicial dos Créditos Garantidos por Hipoteca".6
Estas alterações propostas pelo citado PL têm como escopo recuperar o uso desse direito como modalidade de garantia de financiamento imobiliário, pelas vantagens já elencadas. No Brasil a hipoteca é instrumento utilizado, praticamente e unicamente quando instituídas por instrumentos cedulares, e tal índice de utilização (na comarca onde este autor atua como Registrador Imobiliário) não chega a 1% das operações de crédito imobiliário. Como dito, a insegurança na excussão hipotecária levou a tal situação, que pretende ser corrigida, com a eventual aprovação deste PL. Prevê ainda esta alteração legislativa proposta revogação de diversas previsões normativas do Dec-Lei nº 70/66 que implica que a execução extrajudicial hipotecária seja frequentemente judicializada.
Propôs o PL, portanto, o restabelecimento do uso da hipoteca no mercado brasileiro, homogeneizando os procedimentos de excussão da hipoteca com os procedimentos referentes à alienação fiduciária; o estabelecimento de novo processo de sua execução extrajudicial, com a inclusão do Capítulo II-B (alterando a lei 9.514/97) e revogando dispositivos do dec-lei 70/66.
Dessa maneira conclui-se que a AFG que já era excelente instrumento para circulação de crédito de forma segura na economia, terá outro direito real imobiliário, a hipoteca com força executória idêntica, caso seja aprovado o PL 4188/2021, fato que gerará igual segurança entre os dois institutos jurídicos.
Ressalta-se, por fim, que o registro das garantias reais imobiliárias neste projeto foi observado, pois neste órgão e que se qualifica tais direitos reais, e a atuação dos Registros Imobiliários Brasileiros, conferem a necessária publicidade, após passar pelo crivo dos princípios registrais insculpidos ao longo de mais e um século de construção legal e doutrinária, e em apertada síntese, o direito substancial não existiria sem o sistema de registros de direitos em nosso ordenamento. Portanto, o Registro de Imóveis é a Serventia vocacionada a cuidar da proteção e à circulação jurídica de bens imóveis e direitos a ele relativos, mostra-se imprescindível para tal necessidade socioeconômica.