Análise crítica de estratégias de planejamento sucessório
Análise crítica de estratégias de planejamento sucessório
Gabriel Vaccari
Holding/Sucessão: Cuidado online! Artigo expõe riscos de soluções fáceis (procuração, S.A., 3 células). Evite armadilhas fiscais/legais. Leitura essencial para famílias e advogados.
sexta-feira, 25 de abril de 2025
Atualizado às 11:24
Introdução: A Armadilha das Promessas Fáceis na Sucessão
Você já imaginou deixar um legado de tranquilidade e segurança para sua família, apenas para descobrir, tarde demais, que a "solução mágica" de planejamento sucessório escolhida na verdade plantou as sementes para disputas amargas e contas inesperadas com o Fisco? O cenário atual do planejamento sucessório está repleto de ofertas que prometem caminhos rápidos e baratos para organizar a transferência do seu patrimônio, muitas vezes promovidas com grande alarde em plataformas digitais. Essas propostas, embora extremamente atraentes à primeira vista, frequentemente escondem uma falta de análise técnica profunda e ignoram as complexas regras legais e tributárias que governam a passagem de bens entre gerações, seja em vida ou após o falecimento. Este artigo se propõe a analisar criticamente algumas dessas "ferramentas" populares, confrontando suas promessas sedutoras com a dura realidade jurídica e os perigos financeiros que podem representar.
A Retórica Persuasiva versus a Realidade Jurídica e Tributária: Ecos dos Sofistas na Era Digital
Podemos traçar um paralelo interessante com os Sofistas da Grécia Antiga. Eles eram mestres na arte da persuasão, conhecidos pela habilidade de construir argumentos convincentes, muitas vezes pagos para isso, sem necessariamente se preocuparem com a verdade por trás de suas palavras. O foco era convencer, e ponto final. Essa prática ressoa hoje em certas táticas de marketing digital, onde influenciadores e vendedores usam narrativas envolventes para promover produtos ou estratégias que nem sempre protegem os interesses ou a segurança jurídica de quem os contrata. Em forte contraste, filósofos como Sócrates e Platão criticavam duramente os sofistas, acusando-os de trocar a busca honesta pela verdade e pelo conhecimento pelo lucro e pela aparência de sabedoria. Para eles, a verdadeira filosofia exigia ética e investigação profunda, qualidades que viam ausentes na prática sofista.
Transportando essa antiga tensão para o mundo do planejamento sucessório na era das redes sociais, como Instagram e Tik Tok, vemos a atuação de modernos "sofistas". Com grande eloquência, eles promovem estruturas que supostamente simplificam a herança e eliminam impostos, tocando no desejo legítimo das famílias por segurança e economia.
Contudo, essa retórica frequentemente obscurece os riscos fiscais, as contingências legais e as potenciais ineficácias das soluções propostas, priorizando a venda em detrimento de uma consultoria responsável e tecnicamente sólida. O discurso da facilidade e do "milagre" fiscal, embora sedutor, pode induzir os contribuintes a adotarem estruturas precárias, cujas consequências negativas podem se manifestar anos depois, sob a forma de autuações fiscais severas ou disputas familiares complexas.
Dentre as estratégias frequentemente vendidas como infalíveis, mas que exigem um olhar muito crítico, destacam-se:
1. O uso da procuração em causa própria como forma de evitar o inventário;
2. A criação de "Holdings S.A." com a promessa de isenção de impostos como o ITBI e o ITCMD;
3. A implementação do chamado "Sistema de 03 Células" com o objetivo de reduzir artificialmente o valor sobre o qual o ITCMD é calculado.
A seguir, faremos uma análise técnica detalhada de cada uma dessas propostas, comparando suas promessas com a legislação e a prática da fiscalização tributária.
1. A Procuração em Causa Própria: Um Atalho Perigoso na Sucessão
A procuração em causa própria, também conhecida como in rem suam, é uma figura prevista no Artigo 685 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002). A lei diz:
Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.
Este tipo de procuração tem características especiais: ela não pode ser revogada, não perde a validade com a morte de quem a deu (mandante) ou de quem a recebeu (mandatário), dispensa o mandatário de prestar contas e permite que ele transfira o bem para o seu próprio nome. Essas características levaram alguns a acreditar, erroneamente, que dar uma procuração dessas a um herdeiro poderia eliminar a necessidade de fazer inventário e pagar o imposto sobre herança (ITCMD) quando o dono do bem falecesse.
Essa interpretação, no entanto, ignora aspectos cruciais da lei e dos impostos. Para que a procuração em causa própria seja válida como forma de transferir propriedade, ela precisa representar um negócio real e, geralmente, oneroso (com pagamento), como uma compra e venda, onde o preço já foi quitado ou dispensado pelo vendedor (mandante). A procuração, nesse cenário legítimo, funciona apenas como um meio para o comprador (mandatário) formalizar a transferência do bem para si.
No contexto da herança, tentar usar essa procuração para passar um imóvel de pai para filho após a morte do pai encontra sérios problemas:
·Natureza da Transmissão: A transferência de bens por causa da morte é, por definição, uma sucessão, regida pelas leis de herança (Livro V do Código Civil) e sujeita ao imposto específico, o ITCMD, que é de competência dos Estados (Art. 155, I, da Constituição Federal). A procuração, mesmo a in rem suam, não muda o fato de que a transferência que ocorreria por herança é gratuita.
·Risco de Dupla Tributação (ITBI + ITCMD): Se a procuração for usada para simular uma venda ao herdeiro, ele terá que pagar o imposto municipal sobre a transmissão de imóveis (ITBI) ao registrar o bem em seu nome. Contudo, como não houve pagamento real, a operação é, na verdade, uma doação disfarçada. A Receita Estadual, ao perceber isso, cobrará o ITCMD sobre o valor de mercado do bem, com juros e multa. Exemplo Prático: Imagine o Sr. Silva, querendo "facilitar" a transferência de um apartamento para sua filha, Ana, assina uma procuração em causa própria. Após o falecimento do Sr. Silva, Ana usa a procuração, paga o ITBI e registra o imóvel. Meses depois, a fiscalização estadual identifica a falta de pagamento pelo imóvel e cobra de Ana o ITCMD sobre o valor total do apartamento, acrescido de multa de 100% e juros, tornando a operação muito mais cara do que um inventário. O resultado é uma dupla tributação (ITBI + ITCMD), tornando a "economia" inicial um grande prejuízo.
·Simulação e Riscos Fiscais Adicionais: Se ficar comprovado que a procuração foi usada para simular uma venda e esconder o fato gerador do ITCMD (Art. 167 do Código Civil), a operação é considerada nula e expõe os envolvidos a penalidades severas. Além da cobrança do ITCMD com multas que podem ultrapassar 100% do imposto devido, mais juros, a Receita Federal do Brasil (RFB) pode questionar a origem do dinheiro que Ana supostamente usou para "comprar" o imóvel. Se Ana não conseguir comprovar que tinha recursos para essa compra, a RFB pode autuá-la por omissão de receitas (acréscimo patrimonial não justificado), cobrando Imposto de Renda (até 27,5%) sobre o valor, mais multa (que pode chegar a 150% em caso de fraude) e juros (Selic).
·Inventário Ainda Necessário: A procuração in rem suam não elimina a necessidade de inventário para outros bens, direitos ou dívidas deixados pelo falecido. Além disso, a própria validade da transferência via procuração após a morte, quando usada para driblar o inventário, pode ser contestada na Justiça, sendo considerada fraude à lei ou aos direitos de outros herdeiros e credores.
Portanto, usar a procuração em causa própria para evitar inventário e impostos sobre herança não só é ineficaz, como também extremamente arriscado, podendo gerar custos tributários muito maiores e disputas legais complexas.
2. A "Holding S.A." e a Ilusão da Invisibilidade Fiscal (ITBI e ITCMD)
Outra estrutura frequentemente promovida com promessas de vantagens fiscais extraordinárias é a criação de uma holding (empresa criada para deter participações em outras empresas ou bens) sob a forma de Sociedade Anônima (S.A.), especialmente de capital fechado. O principal argumento é que as transferências de ações de uma S.A., seja por doação ou herança, são registradas apenas nos livros internos da empresa (Livro de Registro de Ações Nominativas ou Livro de Transferência de Ações Nominativas, conforme a Lei das S.A. - Lei nº 6.404/1976), sem precisar arquivar alterações na Junta Comercial, como acontece com as sociedades limitadas (LTDA). Essa característica levaria, segundo os defensores da estratégia, a uma suposta "invisibilidade" da operação perante os fiscos estadual (do ITCMD) e municipal (do ITBI na integralização de imóveis).
Essa tese, contudo, revela um profundo desconhecimento ou uma omissão deliberada sobre como funcionam os sistemas modernos de fiscalização tributária e as leis aplicáveis. A ideia de "invisibilidade" é uma falácia perigosa:
·Fato Gerador do ITCMD: O ITCMD incide sobre a transmissão gratuita de quaisquer bens ou direitos. As legislações estaduais regulam o imposto é clara ao definir que a doação de ações, cotas ou qualquer participação em empresas é fato gerador do ITCMD. A forma como a transferência é registrada (livro da S.A. ou Junta Comercial) não importa para a ocorrência do fato gerador e a obrigação de pagar o imposto.
·Rastreabilidade da Operação: A ausência de registro na Junta Comercial não significa ausência de informação para o Fisco. Existem várias obrigações que permitem rastrear essas operações:
·Declaração de Imposto de Renda (Pessoa Física e Jurídica): Tanto quem doa quanto quem recebe as ações devem informar a operação em suas declarações anuais (DIRPF). A própria holding (pessoa jurídica) também declara suas movimentações. A Receita Federal cruza essas informações. Uma mudança na titularidade das ações de uma declaração para outra, sem a informação correspondente de doação (ou venda) e o pagamento do imposto, é um forte indício de sonegação.
·Declaração do ITCMD: Os envolvidos (doador ou donatário, dependendo do estado) são obrigados a apresentar a Declaração do ITCMD à Secretaria da Fazenda Estadual, informando a doação das ações e calculando o imposto. Não fazer isso é uma infração fiscal.
·Fiscalização Ativa e Cruzamento de Dados: Os fiscos estaduais estão cada vez mais atentos aos planejamentos sucessórios. Operações como a "Donatio" e a "Loki", realizadas pela Secretaria da Fazenda de São Paulo, são exemplos disso. A Operação Donatio focou em transmissões gratuitas sem o pagamento do ITCMD. A Operação Loki mirou especificamente transferências de cotas de empresas familiares (muitas vezes holdings) entre pais e filhos, feitas por valores simbólicos ou através de estruturas simuladas para fugir do ITCMD. Essas ações mostram que o Fisco tem ferramentas para identificar e autuar operações suspeitas, independentemente da empresa ser LTDA ou S.A. Empresas como o SERPRO (Serviço Federal de Processamento de Dados) desenvolvem sistemas complexos de cruzamento de dados para os governos, tornando a "invisibilidade" uma ilusão. Exemplo Prático: A família Martins cria uma Holding S.A. e o pai doa ações aos filhos, registrando apenas nos livros da empresa, sem declarar ou pagar ITCMD, acreditando na "invisibilidade". Anos depois, a Receita Estadual, cruzando dados das Declarações de Imposto de Renda do pai e dos filhos, identifica a transferência não tributada. A família é autuada a pagar o ITCMD sobre o valor de mercado das ações na época da doação, acrescido de juros e multa por sonegação, resultando em um custo muito maior do que o imposto original.
Em resumo, constituir uma holding S.A. não oferece nenhuma "blindagem" ou "invisibilidade" fiscal. A doação de ações está sujeita ao ITCMD, e a fiscalização tem meios eficazes para detectar a omissão. A eventual imunidade do ITBI ao integralizar imóveis na empresa depende da atividade principal da holding e não é automática e muito menos garantida, sendo um tema extremamente controverso nos dias atuais quando falamos da imunidade incondicionada (tema 1.348 STF - Pendente de julgamento). Confiar na falta de registro na Junta Comercial como escudo fiscal é uma estratégia ultrapassada e de altíssimo risco.
3. O "Sistema de 03 Células" e o Perigoso Ágio Interno
Uma estrutura mais complexa, às vezes chamada de "Sistema de 03 Células", tem sido proposta com o objetivo específico de diminuir a base de cálculo do ITCMD na doação de participações societárias aos herdeiros. A mecânica geral, conforme descrita por seus proponentes, envolve os seguintes passos:
1. Criação da "Holding Célula Cofre" (HCC): Os pais (patriarcas) criam uma primeira empresa (geralmente LTDA) e transferem seus bens (imóveis, outras participações, etc.) para ela, usando o valor que consta na Declaração de Imposto de Renda (valor contábil ou histórico). Exemplo: Patrimônio de R$ 1.000.000,00 é integralizado na HCC. (Vamos considerar ainda que o valor de mercado deste patrimônio seja de R$5.000.000,00).
2. Criação da "Holding Célula Veículo" (HCV): Em seguida, criam uma segunda empresa (HCV), também LTDA. Os pais transferem 100% das cotas da HCC para a HCV. No entanto, essa transferência é feita por um valor muito menor que o valor real da HCC. Exemplo: As cotas da HCC (que possuem o valor contábil de R$ 1.000.000,00) são integralizadas na HCV por apenas R$ 100.000,00. A enorme diferença (R$ 900.000,00) é registrada na contabilidade da HCV como ágio na subscrição de capital.
3. Criação da "Holding Célula Destino" (HCD): Cria-se uma terceira empresa (HCD), LTDA, com capital social baixo, integralizado em dinheiro pelos pais. Exemplo: Capital de R$ 100.000,00.
4. Doação: Os pais doam aos herdeiros (geralmente a nua-propriedade) das cotas da HCD, que tem um valor patrimonial baixo (R$ 100.000,00 no exemplo). O ITCMD incidiria sobre este valor reduzido.
5. Aquisição Indireta: Posteriormente, a HCD (agora dos herdeiros, talvez com os pais como usufrutuários) adquire as cotas da HCV. Como a HCV detém a HCC, que por sua vez detém os bens originais, a HCD passa a controlar indiretamente todo o patrimônio, mas o imposto (ITCMD) inicial teria sido calculado sobre um valor artificialmente baixo.
A vantagem aparente dessa estrutura é a redução drástica da base de cálculo do ITCMD, que incidiria sobre R$ 100.000,00 (valor da HCD doada) em vez de R$ 5.000.000,00 (considerando a incidência sobre o valor de mercado dos bens integralizados na HCC). Considerando alíquotas de ITCMD entre 4% e 8%, a economia pareceria significativa.
No entanto, essa estrutura esconde um risco fiscal latente e gigantesco: a tributação do ágio gerado artificialmente na HCV. O ágio de R$ 900.000,00 registrado na HCV representa a diferença entre o valor pelo qual as cotas da HCC foram transferidas (R$ 100.000,00) e seu valor contábil (R$ 1.000.000,00). A legislação tributária federal sobre ágio (especialmente após a Lei nº 12.973/2014 e a Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017) é complexa e muito restritiva.
O problema central é que o ágio gerado nessa operação é um ágio interno, ou seja, criado numa transação entre partes relacionadas (os próprios pais ou empresas do mesmo grupo familiar) e sem uma razão econômica real que justifique seu valor. A legislação tributária, principalmente após 2014, proíbe a dedução fiscal de ágio gerado em operações entre partes relacionadas (ágio "interno").
Pior ainda, quando a empresa (como a HCV, frequentemente uma LTDA optante pelo Lucro Presumido) não pode deduzir o ágio e pode ser visto pelo Fisco como ganho de capital tributável. A alíquota sobre ganho de capital para empresas no Lucro Presumido é a soma do IRPJ (15% ou 25%) e da CSLL (9%), totalizando cerca de 34% sobre o valor do ágio.
Exemplo Prático: No nosso exemplo, o ágio de R$ 900.000,00 poderia gerar um imposto de aproximadamente R$ 306.000,00 (34% de R$ 900.000,00), a ser pago pela HCV a título de IRPJ e CSLL.
Além disso, a estrutura das "03 Células" pode ser questionada pela fiscalização sob a ótica do propósito negocial e do planejamento tributário abusivo. O Artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), permite ao Fisco desconsiderar atos ou negócios feitos com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do imposto. Se o Fisco entender que o único ou principal objetivo da complexa estrutura foi reduzir artificialmente a base do ITCMD, sem um propósito de negócio real, ele poderá ignorar os passos intermediários e cobrar o ITCMD sobre o valor real do patrimônio transmitido aos herdeiros, mais multas e juros. Decisões do CARF frequentemente analisam a substância econômica e o propósito negocial de reestruturações, desconsiderando aquelas vistas como artificiais ou abusivas.
Ou seja, havendo fiscalização e autuação pelo fisco, aquela família estará sujeita ao pagamento do ITCMD sobre o valor de mercado do patrimônio da HCC (R$ 5.000.000,00), que pode representar até 8% (R$400.000,00), porém, neste momento com multa de no mínimo 100%, além da correção e juros, sem contarmos ainda com o ágio que poderá ser tributado como ganho de capital em uma LTDA pelo lucro presumido. Uma conta final que, facilmente irá ultrapassar R$1.200.000,00, portanto, mais que o triplo caso aquela família tivesse sido orientada sobre os riscos e optado em fazer pelo caminho correto desde o início.
Em resumo, para não pagar R$400.000,00 de ITCMD, aquela família poderá amargar um prejuízo muito superior a R$1.200.000,00.
Diante disso, a pergunta crucial é: Vale o risco? O risco de pagar 34% de imposto sobre o ágio, somado ao risco de ter toda a estrutura desconsiderada por falta de propósito negocial, justifica a economia imediata (e talvez ilusória) no ITCMD? Os clientes estão sendo claramente informados sobre a magnitude desses riscos ou estão sendo seduzidos por um discurso "sofista" que esconde as armadilhas?
Conclusão: A Necessidade de Clareza Técnica e Responsabilidade no Planejamento Sucessório
O mercado de planejamento sucessório e patrimonial vive um momento de grande procura, impulsionado pela preocupação legítima das famílias em organizar a transferência de seus bens e otimizar impostos. No entanto, em meio a essa demanda, surgem propostas que, sob a capa da inovação e da facilidade, carregam riscos jurídicos e fiscais enormes, muitas vezes não explicados claramente. As estratégias que analisamos - a procuração em causa própria como substituta do inventário, a holding S.A. como escudo fiscal e o sistema de "03 células" para reduzir a base do ITCMD - são exemplos de abordagens que podem priorizar uma suposta economia imediata em detrimento da segurança jurídica e da conformidade fiscal a longo prazo.
A comparação com os sofistas da antiguidade é válida: o discurso persuasivo, focado em benefícios aparentes e na simplificação exagerada de assuntos complexos, pode levar à adoção de estruturas frágeis e perigosas. A realidade tributária brasileira é marcada por leis intrincadas e por uma fiscalização cada vez mais eficiente, apoiada por tecnologia de cruzamento de dados e leis que permitem desconsiderar atos simulados ou abusivos.
É fundamental que as famílias e os profissionais da área busquem a verdade técnica, baseada na legislação atual, na interpretação dos órgãos fiscais (como as decisões do CARF) e na análise cuidadosa dos riscos de cada estrutura. Soluções "milagrosas" ou que prometem "invisibilidade" fiscal devem ser vistas com extremo ceticismo e analisadas rigorosamente. Um planejamento sucessório eficaz não se baseia em atalhos ou truques, mas sim na aplicação cuidadosa e ética das ferramentas jurídicas e societárias disponíveis, respeitando os limites da lei e a realidade econômica das operações.
A confusão, a preocupação e a desconfiança que muitos clientes sentem hoje são reflexo direto da poluição de informações e da proliferação de discursos superficiais. Contudo, acredita-se que, com o tempo e o amadurecimento do mercado, a clareza técnica e a abordagem responsável prevalecerão sobre a retórica sofista. A busca por um planejamento patrimonial e sucessório sólido, seguro e verdadeiramente eficiente passa, obrigatoriamente, pelo conhecimento profundo, pela transparência na exposição dos riscos e pelo compromisso ético com os interesses de longo prazo do cliente.
Gabriel Vaccari
Advogado com mais de 13 anos de experiência. Possui expertise e especialização em reestruturações societárias e planejamento patrimonial. Pós-graduado LLM pelo IBMEC em operações societárias.
Fonte: Migalhas