APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DESPEJO - ARRENDAMENTO DE IMÓVEL RURAL...

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DESPEJO - ARRENDAMENTO DE IMÓVEL RURAL - MASSA FALIDA - PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA EM SEDE RECURSAL - DEFERIMENTO - MANUTENÇÃO DO CONTRATO - IMPOSSIBILIDADE - DESPEJO DEVIDO

- Ressaindo clara a precária situação da massa falida apelante que convolou a recuperação judicial em falência, deve ser deferida a concessão da assistência judiciária de sorte a não impedir o acesso à Justiça. Todavia, ressalta-se que, tendo o pedido de assistência judiciária sido formulado somente em fase recursal, impõe-se a sua concessão com efeitos ex nunc.

- O inadimplemento da massa falida é motivo bastante para determinar a imediata imissão na posse dos credores no imóvel objeto do arrendamento rural, sob pena de enriquecimento ilícito da devedora em detrimento dos direitos dos credores.

- Tendo sido assinado prazo no termo de transação para que a recorrente procedesse à colheita da cana-de-açúcar porventura existente no imóvel objeto da lide, e esta deixado de assim proceder em tempo hábil, sem qualquer justificativa, nada há que se prover quanto ao aventado direito de retenção da socaria.

Apelação Cível nº 1.0126.14.000697-7/001 - Comarca de Capinópolis - Apelante: massa falida de Laginha Agro Industrial S.A. - Apelados: José Lino Monteiro, Lays Andrade Monteiro e outro - Relator: Des. Domingos Coelho

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar preliminar, deferir gratuidade judiciária à apelante, com efeitos ex nunc, e negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 10 de outubro de 2016. - Domingos Coelho - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. DOMINGOS COELHO - Cuida-se de recurso de apelação interposto por massa falida de Lagoinha Agro Industrial S.A., contra a r. sentença de f. 130/137, proferida pelo MM. Juiz da Vara Única, que, nos autos da ação de despejo movida em seu desfavor por Lays Andrade Monteiro e José Lino Monteiro, julgou procedente o pedido para decretar o despejo da requerida, determinando a restituição do imóvel com todas as benfeitorias, acessões, construções eventualmente realizadas, inclusive com as soqueiras de cana-de-açúcar, caso existentes, ratificando, ademais, a antecipação de tutela. Condenou a requerida ao pagamento dos ônus sucumbenciais.

Em suas razões de inconformismo, requer a apelante, inicialmente, a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, salientando que, em virtude da dificuldade financeira e do processo falimentar que atravessa, não tem como dispor de recursos para custear as despesas processuais, sem comprometer os pagamentos dos salários dos funcionários que ainda conduzem as atividades provisórias da massa falida. No mérito, sustenta que firmou com os autores contrato de parceria agrícola e, caso aqueles sejam reintegrados na posse do imóvel seu patrimônio, será diretamente afetado - se estes dispuserem da cana de açúcar plantada no terreno, em detrimento da massa falida subjetiva (comunidade de credores). Explica que a matéria prima (cana soca) pertence à massa falida, pugnando, assim, pelo seu direito de retenção. Aduz que a reintegração da posse com o ativo biológico existente na área implica o recebimento de parte da dívida em desproveito dos demais credores da massa falida. Informa, por fim, a habilitação de valores no quadro de credores da massa falida em favor dos autores.

Contrarrazões à f. 153/161, levantando preliminar de não conhecimento do recurso, por deserção. No mérito, pugna pelo desprovimento do recurso.

Recurso próprio e tempestivo. Ausente o preparo, sento a gratuidade judiciária objeto do recurso.

Inicialmente, trata-se da análise do pedido de gratuidade judiciária, ressaltando, desde já, que a prefacial de não conhecimento do recurso, por deserção, suscitada em contrarrazões, não pode ser acolhido, de plano, por se tratar tal matéria de objeto de pedido recursal, o qual deverá ser analisado.

Ao que se vê, a massa falida apelante pugna pela concessão, em sede recursal, dos benefícios da assistência judiciária gratuita.

Com efeito, a gratuidade de justiça não constitui benefício restrito às pessoas físicas, podendo ser reconhecido às pessoas jurídicas que se enquadrem no conceito de necessitados na forma da lei, estatuindo a Constituição da República, em seu art. 5º, LXXIV, "que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos", expressão essa generalizada, sem excluir a pessoa jurídica de direito privado do benefício da assistência jurídica, exigindo apenas que, para obter essa benesse, seja provada a sua situação econômica de não poder atender ao custeio das despesas processuais decorrentes da defesa dos seus interesses em juízo.

A única exigência prevista para que a pessoa jurídica obtenha essa proteção legal é que demonstre a falta de recursos para o custeio das despesas processuais, com evidente impossibilidade de defender, em juízo, os seus interesses.

José Cretella Júnior, ao comentar a norma constitucional transcrita in retro, observa com propriedade:

"A 'miserabilidade', 'pobreza' ou 'insuficiência' de recursos não se presume. Prova-se. Provada, porém, por qualquer dos meios em Direito permitidos, a condição do requerente, passa ela a ter - ato vinculado ou predeterminado do Direito Administrativo - direito subjetivo público, oponível, em abstrato, ao Estado e, em concreto, ao juiz da causa, de exigir advogado gratuito e o não pagamento de custas, taxas, emolumentos, selos, não podendo o magistrado e, depois, o tribunal deixar de processar o feito" (Comentários à Constituição de 1988, Forense Universitária, 1989, II/820).

A egrégia 2ª Câmara Cível deste Tribunal, julgando a Apelação nº 234.387-1, relatada pelo eminente Juiz Caetano Levi Lopes, esposou o preciso entendimento de que:

"O art. 5º, LXXIV, da CF, ao instituir o benefício da assistência judiciária integral e gratuita, não distingue o beneficiário, de forma que a pessoa jurídica tem direito ao mesmo, desde que satisfeito o requisito constitucional de prova da hipossuficiência econômica. Já a Lei 1.060/50 só tem aplicação quando o requerente é pessoa natural, caso em que se aceita a simples afirmativa deste, no sentido de ser legalmente pobre" (DJ de 20.08.97).

No mesmo sentido:

"Agravo. Processual civil. Pessoa jurídica. Insuficiência de recursos comprovada. Assistência judiciária. Possibilidade. Inteligência do art. 5º, LXXIV, da CF. - Comprovada a carência de recursos financeiros para pagamento das custas recursais, em face da declaração de falência da pessoa jurídica, a concessão dos benefícios da assistência judiciária representa a garantia constitucional de amplo acesso ao Poder Judiciário, com os meios e recursos inerentes ao direito de ampla defesa" (Ag. Instr. 276994-6, Rel. Juiz Edilson Fernandes, 3ª C.C., j. em 26.05.99).

Na mesma esteira, o posicionamento do excelso Superior Tribunal de Justiça:

"Processual civil. Benefício da gratuidade. Concessão à pessoa jurídica. Admissibilidade. Impossibilidade de o benefício retroagir para livrar o beneficiário de capítulo condenatório de sentença transitada em julgado. - I - É perfeitamente admissível, à luz do art. 5º, LXXIV, da CF/88, a concessão do beneficiário da gratuidade à pessoa jurídica que demonstre, cabalmente, a impossibilidade de atender às despesas antecipadas do processo, o que vedaria seu acesso à Justiça" (REsp 161897/RS, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 10.08.1998, p. 00065).

"Processual civil. Pessoa jurídica. Assistência judiciária. - O acesso ao Judiciário é amplo, voltado para as pessoas jurídicas. Tem, como pressuposto, a carência econômica, de modo a impedi-los de arcar com as custas e despesas processuais. Esse acesso deve ser recepcionado com liberalidade. Caso contrário, não será possível o próprio acesso, constitucionalmente garantido. O benefício não é restrito às entidades pias, ou sem interesse de lucro. O que conta é a situação econômico-financeira no momento de postular em juízo (como autora, ou ré)" (REsp 127330/RJ, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª T, DJ de 01.09.97).

No caso em apreço, verifica-se, da decisão que convolou a recuperação judicial em falência (f. 60/83), a narrativa de diversas situações de incapacidade financeira da apelante que evidenciam a aventada penúria financeira da empresa e a sua insuficiência de recursos para custear as despesas processuais sem prejuízo de suas atividades e, por conseguinte, a necessidade de assegurar o acesso ao Judiciário.

Todavia, ressalta-se que, tendo o pedido de assistência judiciária sido formulado somente em fase recursal, impõe-se a sua concessão com efeitos ex nunc.

Mérito.

Assoma dos autos que as partes celebraram contrato de parceria agrícola, mais configurado como arrendamento de imóvel rural, por meio do qual os autores conferiram à requerida, ora apelante, o direito de exploração de parte do imóvel rural que lhes pertence para produção de cana-de-açúcar, mediante retribuição acordada no termo aditivo.

Ocorre que a ré deixou de cumprir sua parte no contrato relativa ao pagamento da contraprestação avençada, razão pela qual foi firmado um instrumento particular de transação para parcelamento dos pagamentos vencidos e conferir regularidade aos vincendos.

Todavia, ainda assim, a ré deixou de honrar com o que lhe competia, conferindo aos autores o direito de retomada do imóvel e imissão na posse, consoante previsão contratual.

O Juízo primevo decretou o despejo da ré, determinando a restituição do imóvel com todas as benfeitorias, acessões, construções eventualmente realizadas, inclusive com as soqueiras de cana-de-açúcar.

Defende, contudo, a requerida/apelante que tal decisão não pode prevalecer e que tem o direito de retenção da socaria de cana-de-açúcar.

Em que pesem os argumentos expendidos nas razões recursais, penso que o r. decisum desmerece reforma.

Primeiramente, verifica-se que não há, nos autos, qualquer prova do pagamento, e a requerida, em momento algum, questiona a sua alegada inadimplência.

Com efeito, o inadimplemento da massa falida é motivo bastante para determinar a imediata imissão na posse dos credores no imóvel objeto do arrendamento rural, sob pena de enriquecimento ilícito da devedora em detrimento dos direitos dos credores.

Por outro lado, a sentença foi muito clara ao indicar a previsão contratual firmada livremente entre as partes, quando a apelante já se encontrava em recuperação judicial, dando conta que a dívida seria considerada antecipadamente vencida, o que autorizaria a imediata imissão na posse dos credores, caso a devedora, ora apelante, deixasse de pagar qualquer das parcelas previstas no termo de negociação, f. 16/19.

Ainda, o mesmo termo de transação conferiu prazo até o dia 30.10.2013 para que a recorrente procedesse à colheita da cana-de-açúcar porventura existente no imóvel (f. 18, cláusula 1.6), o que, contudo, ela deixou de fazer sem qualquer justificativa.

Diante de sua inércia, nada há que se prover quanto ao aventado direito de retenção da socaria.

Ressalte-se que o fundamento da improcedência de tal pedido se esteou exatamente na aventada inércia da apelante em proceder à colheita no prazo assinado, e inexiste, nas razões recursais, qualquer fundamentação que contraponha tal assertiva, de sorte a se permitir a reversão do julgado nesse ponto.

A bem da verdade, o que ressai dos autos é que a requerida/apelante, durante longo período, procedeu à colheita de cana-de-açúcar sem repassar aos autores a contraprestação devida contratualmente, o que não pode perpetuar-se.

Nesse sentido, colaciono julgados deste egrégio Tribunal de Justiça:

``Apelação cível. Ação de rescisão de contrato de parceria agrícola c/c despejo e cobrança. Preliminar de incompetência absoluta rejeitada. Matéria decidida em agravo de instrumento. Reexame. Impossibilidade. Preclusão pro judicato. Laudo técnico feito por perito do juízo. Vistoria realizada sem a presença do assistente técnico da parte ré. Validade. Inadimplemento da parte ré. Despejo e cobrança. Cabimento [...]. - A existência do investimento feito pela ré no imóvel arrendado não impede o seu despejo e o direito dos autores ao pagamento do aluguel, especialmente quando o inadimplemento é incontroverso e há previsão no contrato de que as benfeitorias realizadas seriam a ele incorporadas. - Como consequência do inadimplemento contratual, a parte credora da relação pode pedir a rescisão do contrato e o consequente despejo, pois não pode a ré permanecer no imóvel, usufruindo da colheita da cana-de-açúcar sem a devida contraprestação'' (Apelação Cível nº 1.0126.13.000207-7/004. Relator: Des. Evandro Lopes da Costa. 17ª Câmara Cível, p. em 18.06.214).

Quanto aos valores insertos no Quadro Geral de Credores em favor dos apelados, em nada altera a necessidade do despejo e imissão destes na posse do imóvel, visto que o que está habilitado é o valor a eles devido pelo não pagamento da contraprestação pecuniária prevista no contrato de parceria rural.

E, não obstante a situação falimentar da ré, não se pode permitir que esta permaneça no imóvel dos autores, ora apelados, utilizando-se deste para benefício próprio, sem observar as obrigações que lhe cabem em decorrência do contrato, em especial a contraprestação pecuniária devida pela exploração da terra.

A propósito, como bem salientou o d. Julgador, a habilitação de crédito ``em nome da autora no quadro geral de credores não tem o condão de afastar o direito de a autora se imitir na posse do imóvel rural, pois não se configurou hipótese de purgação da mora'' (f. 135).

Em razão do exposto, rejeita-se a preliminar suscitada em contrarrazões, defere-se a gratuidade judiciária à apelante, com efeitos ex nunc, e nega-se provimento ao recurso.

Custas recursais, pela apelante, suspensa, contudo, a sua exigibilidade, em razão da concessão da gratuidade judiciária nesta fase recursal.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Flávio de Almeida e José Augusto Lourenço dos Santos.

Súmula - REJEITARAM PRELIMINAR, DEFERIRAM GRATUIDADE JUDICIÁRIA À APELANTE, COM EFEITOS EX NUNC, E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: TJMG
Extraído de Serjus

 

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