Apelação Cível - Direito sucessório - Inventário/Arrolamento - Realização por escritura pública na via extrajudicial - Faculdade do interessado
Apelação Cível - Direito sucessório - Inventário/Arrolamento - Realização por escritura pública na via extrajudicial - Faculdade do interessado
APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO SUCESSÓRIO - INVENTÁRIO/ARROLAMENTO - REALIZAÇÃO POR ESCRITURA PÚBLICA NA VIA EXTRAJUDICIAL - FACULDADE DO INTERESSADO - ART. 982 DO CPC COM A REDAÇÃO DADA PELA 11.441/2007 - INTERESSE DE AGIR - CONSTATAÇÃO - CASSAÇÃO DA SENTENÇA - RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO
- A Lei federal nº 11.441/07 apenas facultou a realização de inventário e partilha perante cartórios de tabelionatos, na hipótese de as partes serem capazes e se apresentarem concordes com os termos da escritura pública. Isso significa que foi dada a opção para os interessados, entre procedimento extrajudicial e judicial, não se admitindo a imposição de um ou outro, conforme redação do art. 982 do CPC.
- A realização do inventário/arrolamento pela via extrajudicial constitui faculdade da parte, não havendo óbice à sua efetivação mediante procedimento judicial, pelo que deve ser afastada a alegação de falta de interesse de agir, reconhecida em primeira instância.
Apelação Cível nº 1.0878.14.003053-6/001 - Comarca de Camanducaia - Apelante: Ivone Aparecida da Rosa - Apelado: Espólio de Geraldina Maria da Rosa - Relator: Des. Belizário de Lacerda
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 2 de fevereiro de 2016. - Belizário de Lacerda - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. BELIZÁRIO DE LACERDA - Cuida-se de recurso de apelação interposto por Ivone Aparecida da Rosa em face da r. sentença de f. 09/10, proferida pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de Camanducaia, que, nos autos da Ação de Inventario nº 0878.14.003053-6, julgou extinto o processo por ausência de interesse de agir, uma vez que considerou existirem outros modos mais simples e céleres para resolver a partilha dos bens do espólio. Ainda, indeferiu os benefícios da assistência judiciária gratuita por ausência de declaração de hipossuficiência de recursos financeiros. Por fim, condenou a autora nas custas processuais.
Irresignada, a apelante, em razões recursais de f. 12/22, suscita ser imprescindível a concordância dos herdeiros para que a partilha e o inventário se deem por meio de escritura pública, sendo certo que o pedido por vias judiciais teve vez diante do binômio necessidade-adequação. Por fim, pugnou pela cassação da r. sentença, pois aduziu estar em confronto com o princípio constitucional do devido processo legal.
Não há contrarrazões.
Conheço do recurso, visto que satisfeitos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
Insurge-se a apelante contra a extinção do feito, sem julgamento de mérito, por ausência de interesse de agir, à vista da possibilidade de realização do inventário/arrolamento por escritura pública.
A r. sentença apresentou o seguinte teor:
``Como se sabe, a Lei nº 11.441/2007 inovou ao trazer a possibilidade da realização de inventário e partilha extrajudicial, por meio de escritura pública, quando todos os interessados sejam capazes e não haja testamento.
A partir disso, nota-se que será obrigatório o inventário judicial quando houver testamento ou pessoa incapaz, o que não parece ser o caso dos autos, já que a requerente não justificou qualquer das hipóteses citadas.
Embora a citada inovação legislativa tenha vindo como possibilidade, e não como obrigatoriamente, hodiernamente tem-se entendido que sempre que há solução extrajudicial igualmente, ou mais, célere e eficaz, a via judicial deve ser evitada, homenageando a posição do Poder Judiciário como último recurso a ser utilizado somente em casos complexos e em que a atuação do Juiz se faça imprescindível.
Dessa forma, impede-se, a bem do regular funcionamento das instituições, em tempos de crescente exigência de eficiência do serviço público (CRFB, art. 37), o uso irracional e excessivo do Poder Judiciário, que tantos prejuízos têm causado ao País. Vale lembrar que a Justiça não é somente composta pelos juízes e nem sua atividade se resume à atuação destes, visto que todos os integrantes do sistema - incluindo Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Pública e Privada, além das serventias extrajudiciais (CRFB, arts. 127/135), entre outros - devem obrigatoriamente concorrer para a consecução de seus objetivos.
Sendo assim, ausente interesse de agir da requerente, visto que a lei permite aos maiores e capazes modo muito mais simples e célere para resolver a partilha dos bens do espólio [...] (f. 09, original sem destaques).
Com a devida vênia, não comungo do mesmo entendimento.
Isso porque, o art. 982 do CPC confere aos herdeiros a possibilidade de fazer o inventário e a partilha por escritura pública, mas não os obriga a tanto, cabendo a escolha do procedimento aos interessados, e não ao julgador.
A propósito, dispõe o caput do referido artigo:
``Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.
Pela simples leitura do dispositivo, denota-se ser faculdade dos interessados a realização de inventário/arrolamento pela via administrativa ou judicial, o que afasta a reconhecida ausência de interesse de agir.
No mesmo diapasão é o regramento contido no art. 2º da Resolução 35 do CNJ, que disciplina a aplicação da Lei 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro:
``Art. 2° É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial.
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, em seus comentários ao Código de Processo Civil, anotam:
``É opção das partes maiores e capazes e que estejam de acordo quanto ao inventário e à partilha realizar o inventário pela via judicial ou extrajudicial.
Ainda que não haja lide, isto é, que as partes estejam de acordo, o inventário amigável pode ser feito pela via judicial, por procedimento de jurisdição voluntária.
No curso de processo de inventário judicial iniciado de forma litigiosa ou por imposição legal (CC 2016), pode haver superveniência de acordo entre as partes e/ou capacidade do interessado incapaz, situação em que se admite transação, que, se deduzida por termo nos autos ou por escrito particular, deve ser homologada pelo juiz (CPC 1.031 e CC 2.015).
Caso os interessados optem pela escritura pública (CPC 982 e CC 2.015), esta terá ingresso no registro imobiliário independentemente de homologação judicial, devendo ser extinto o inventário por ausência superveniente do interesse processual (CPC 267, VI).
A escritura pública, neste último caso, é da substância do ato (forma ad substantia).
Na hipótese de a partilha ser realizada por instrumento particular, deve ser necessariamente homologada pelo juiz, para que possa ter eficácia. (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 1196.)
Em igual sentido, posiciona-se a jurisprudência deste TJMG:
``Ementa: Apelação cível. Inventário. Extinção sem resolução do mérito. Via extrajudicial. Mera faculdade. - A realização do procedimento de inventário pela via administrativa afigura-se mera faculdade da parte, sendo-lhe conferido socorrer-se ao Poder Judiciário, ao seu bel-prazer, por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CRFB). (TJMG - Apelação Cível 1.0271.01.005892-0/001, Rel. Des. Peixoto Henriques, 7ª Câmara Cível, j. em 24.09.2013, publicação da súmula em 27.09.2013.)
``Ementa: Apelação cível. Ação de inventário. Petição inicial indeferida. Interesse processual. Via judicial. Opção da parte. - Existe interesse processual na ação de inventário proposta na vigência da Lei nº 11.441/07, que facultou aos interessados a via judicial ou extrajudicial, mesmo quando não existam menores ou incapazes ou que o inventário seja consensual. Recurso conhecido e provido. (TJMG - Apelação Cível 1.0372.14.003855-8/001, Rel. Des.ª Albergaria Costa, 3ª Câmara Cível, j. em 12.03.2015, publicação da súmula em 20.03.2015.)
``Ementa: Apelação cível. Inventário. Art. 982 do CPC. Redação dada pela Lei 11.441/2007. Opção pela via judicial. Falta interesse de agir. Extinção sem resolução do mérito. Via administrativa. Faculdade. Sentença cassada. - Na forma do art. 982 do CPC, com redação dada pela Lei 11.441/07, o procedimento de inventário e partilha pela via extrajudicial, quando os interessados são capazes e concordes, é faculdade da parte, e não imposição. (TJMG - Apelação Cível 1.0372.14.000321-4/001, Rel. Des. Armando Freire, 1ª Câmara Cível, j. em 24.02.2015, publicação da súmula em 04.03.2015.)
Forte nesses fundamentos, dou provimento ao recurso para cassar a sentença, determinando o regular processamento do feito.
Custas recursais, na forma da lei.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Peixoto Henriques e Wilson Benevides.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Data: 15/03/2016 - 10:00:28 Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico
Extraído de Sinoreg/MG