Apelação - Usucapião especial urbano - Art. 183 da Constituição Federal - Requisitos

Apelação - Usucapião especial urbano - Art. 183 da Constituição Federal - Requisitos

- O chamado usucapião especial urbano, previsto no art. 183 da Constituição Federal, pressupõe que o postulante não seja proprietário de outro imóvel e que o imóvel usucapiendo, urbano e com área de até duzentos e cinquenta metros quadrados, seja por ele utilizado com animus domini, de forma ininterrupta e sem oposição, por cinco anos, como sua moradia ou de seus familiares.

Apelação Cível nº 1.0701.07.192814-0/001 - Comarca de Uberaba - Apelantes: Sizenando Alves Ferreira e outra, Lindalva Freitas de Campos - Apelados: Djalma Vieira do Carmo, Angelina da Graça Grisolia do Carmo e outros - Litisconsortes: Valdir Nascimento dos Santos, Nivaldo Paiva Morais, Fabiana Alves Silva - Relator: Des. Maurílio Gabriel

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 3 de dezembro de 2015. - Maurílio Gabriel - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. MAURÍLIO GABRIEL - Cuida-se de ação de usucapião ajuizada por Sizenando Alves Ferreira visando ao reconhecimento de seu domínio sobre o imóvel ``situado na Rua Benevenuto Inácio de Souza nº 1.197 - com 4,40 metros confrontando com a Rua Benevenuto Inácio de Souza; lateral direita: 16,10 metros confrontando com Nivaldo Paiva de Morais; fundos: 5,60 metros confrontando com Valdir Nascimento dos Santos; lateral esquerda: 15,54 metros confrontando com Fabiana Alves Silva; distante 52,50 metros do encontro dos alinhamentos prediais da Rua Benevenuto Inácio de Souza, perfazendo uma área de 78,64 metros quadrados.

A esposa do autor, Lindalva Freitas de Campos, foi incluída no polo ativo da ação, conforme determinação de f. 141.

A sentença prolatada julgou improcedente o pedido inicial.

Os embargos declaratórios opostos pelos autores foram rejeitados à f. 197.

Não se conformando, Sizenando Alves Ferreira e Lindalva Freitas de Campos interpuseram recurso de apelação alegando, inicialmente, que a sentença é citra petita, já que ``o Juízo a quo não analisou nem enfrentou, na prolação da sentença, ponto relevante, ou seja, a juntada da Certidão Imobiliária de inteiro teor do imóvel usucapiendo completa e atualizada (diga-se individualizada), já que a cópia de `escritura pública de compra e venda (f. 70/72), diga-se de passagem, imprecisa e confusa, não tem nada a ver com o lote usucapiendo.

Afirmam, no mérito, que ``as testemunhas comprovaram que os apelantes detêm a posse mansa e pacífica, sem oposição, há 15 anos.

Dessa forma, ponderam que sua posse perfaz ``o lapso temporal de 15 anos, bem como, somando à posse de seu antecessor, completará mais de 20 anos, sem oposição, exercendo a posse mansa e pacificamente, isto é, conjugando o art. 1.238 do Código Civil com o art. 2.029 do Código Civil, bem como o depoimento de f. 142/143, ultrapassa há muito os 15 anos exigidos pelo art. 1.238, único, do Código Civil, bem como o art. 183 da Constituição Federal.

Aduzem, assim, estarem presentes todos os requisitos exigidos para o reconhecimento da usucapião especial urbana.

Ao final, pugnam pelo provimento do recurso, com a procedência do pedido inicial.

Em contrarrazões, Angelina da Graça Grisolia do Carmo e Djalma Vieira do Carmo batem-se pela manutenção da sentença.

O ilustre Procurador de Justiça, em parecer anexado às f. 222/227, opina pelo desprovimento do recurso.

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Asseveram os apelantes que a sentença se encontra citra petita, ante o fato de a culta Juíza não ter se manifestado a respeito da ausência da certidão do cartório de registro de imóveis completa do bem que se pretende usucapir.

Ao magistrado cabe compor a lide nos limites do pedido do autor e da resposta do réu, sendo-lhe defeso ir aquém (infra ou citra petita), além (ultra petita), ou fora (extra petita) do que foi pedido nos autos, nos termos do art. 460 do Código de Processo Civil.

In casu, verifico que, em que pese terem os réus sido intimados para apresentarem a referida certidão, quedaram-se inertes.

Todavia, o não cumprimento de determinação judicial, no curso da demanda, não enseja a nulidade do julgado, mormente pelo fato de a improcedência do pedido ter se dado em razão da ausência de posse mansa e pacífica, por restar configurada a oposição do réu.

Assim, rejeito a preliminar de sentença citra petita.

Cuida-se de ação de usucapião especial urbana fundamentada no art. 183 da Constituição da República, que transcrevo: ``Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

O reconhecimento da usucapião, neste caso, pressupõe que o postulante não seja proprietário de outro imóvel e que o imóvel usucapiendo, urbano e com área de até duzentos e cinquenta metros quadrados seja por ele utilizado, com animus domini, de forma ininterrupta e sem oposição, por cinco anos, como sua moradia ou de seus familiares.

Nesse sentido são as lições de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

``A usucapião urbana compreende a posse de área urbana de até 250m2 e ocupação por cinco anos ininterruptos, com animus domini e utilização para moradia do ocupante ou da família, desde que não seja o usucapiente proprietário de outro imóvel no período aquisitivo (Direitos reais. 4. ed. Editora Lumen Juris, p. 287).

Ressaltam, ainda, os mesmos doutrinadores que ``a posse necessariamente será acompanhada do animus domini, que ``consiste no propósito de o usucapiente possuir a coisa como se esta lhe pertencesse (op. cit., p. 273).

No caso em exame, o imóvel que se pretende usucapir se localiza no perímetro urbano da cidade de Uberaba, e a sua área (78,64 metros) é inferior ao limite imposto no texto constitucional, e nele os apelantes já residiam há mais de cinco anos quando ajuizou a presente ação.

As certidões expedidas pelos Cartórios Imobiliários de Uberaba, anexadas às f. 12/13, comprovam não ser o primeiro recorrente proprietário de outros imóveis.

A questão, portanto, cinge-se a examinar a presença, ou não, do requisito referente ao animus domini, pois os réus, ao contrário do asseverado pelos autores, afirmam que ``o imóvel referido nesta usucapião foi objeto de ação reivindicatória proposta por Djalma Vieira do Carmo em face de Moacir Batista da Silva. Para solucionar a pendenga, os demandantes realizaram acordo, em que o Sr. Moacir pagaria parcelas mensais no afã de adquirir o imóvel. O requerente adquiriu o imóvel do Sr. Moacir Batista da Silva, passando a ser titular do contrato de compra e venda do imóvel. Em novembro de 2003, o requerente realizou contrato de cessão dos direitos do imóvel objeto da usucapião com Djalma Vieira do Carmo (verdadeiro dono do imóvel, doc j.), comprometendo-se a pagar as prestações avençadas pelo Sr. Moacir Batista da Silva (cf. f. 67).

Essas informações contradizem a afirmativa dos autores de que, ``durante todos esses anos, vem ocupando o imóvel, nunca teve notícias dos proprietários do mesmo, que nunca a incomodou nem reivindicou a posse do imóvel usucapiendo.

Extrai-se dos autos que, de fato, além de o réu ter ajuizado ação reivindicatória, com base no imóvel sub judice, as partes firmaram um contrato de cessão de direito à escritura, o que demonstra a existência de oposição dos réus, mormente pelo fato de os autores não negarem tal fato.

Atento a tudo isto, deduzo que, em que pese a existência da posse dos autores sobre o imóvel, existe, entre as partes, um contrato de cessão de direito à escritura de compra e venda, em que o primeiro autor/cessionário assumiu o pagamento de parte da dívida do imóvel e se encontra inadimplente.

Dessa forma, a permanência dos recorrentes no imóvel ocorreu sem o animus domini.

Nesse tema, Humberto Theodoro Júnior esclarece: ``Quando nenhum evento posterior tenha mudado o comportamento do possuidor perante a coisa possuída, decisivo é o exame da causa possessionis primitiva. Mas quando o possuidor passa a se comportar de maneira contrária a esse título, o que vai influir na qualificação efetiva da posse é o estado de fato concretamente consolidado, e não mais o título jurídico originário. Dá-se, no mundo fático, a inversão do título da posse, e o que era, na origem, simples posse ad interdicta pode convolar-se em posse ad usucapionem (Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Forense, 37. ed., v. 3, p. 173).

O mesmo processualista, após anotar que, ``em princípio, presume-se que a posse conserva, para o possuidor, o mesmo caráter com que foi por ele adquirida (Código Civil de 1916, art. 492; CC de 2002, art. 1.203), reafirma que ``nada impede, contudo, que o caráter originário da posse se modifique, pois a presunção em causa é apenas iuris tantum (op. cit., p. 174).

Incumbia, portanto, aos apelantes comprovar, de forma clara e induvidosa, que a sua posse inicial, advinda do contrato de cessão de direito à escritura de compra e venda do imóvel da ação reivindicatória, se transformou, por eventos posteriores, em posse com animus domini.

Essa prova, com a clareza devida, não veio para os autos.

As testemunhas inquiridas noticiam o fato de estarem os recorrentes residindo no imóvel de forma mansa e pacífica, sem, contudo, apontarem fatos concretos que levassem a esta conclusão, mormente pelo fato de desconhecerem a ação reivindicatória bem como o contrato de cessão de direito de escritura de compra e venda do imóvel.

Os pagamentos das contas de IPTU (cf. f. 163/167) demonstram que o imóvel se encontra em nome do requerido, o Sr. Djalma Vieira do Carmo.

Além disso, percebo que o réu parcelou débitos referentes ao imóvel, objeto da lide, perante a Prefeitura de Uberaba, cf. f. 174 e seguintes.

Dessa forma, por não estar devidamente comprovada a posse com animus domini, não há como acolher a pretensão inicial, o que torna desnecessário o exame das demais alegações feitas pelas partes.

Com estas considerações, nego provimento ao recurso.

Condeno os apelantes ao pagamento das custas recursais, ficando, todavia, suspensa a exigibilidade destes ônus, por estarem amparados pela assistência judiciária.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Tiago Pinto e Edison Feital.

Súmula - REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Data: 26/01/2016 - 10:13:12   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico
Extraído de Sinoreg/MG


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