Artigo: A vida como ela é - Ângelo Volpi Neto

Artigo: A vida como ela é - Ângelo Volpi Neto

Publicado em 01/04/2015
Por Ângelo Volpi Neto*

                A cada dia ela se acerca mais e mais, alguns dizem que só mudou de nome e que antigamente se chamava de “aterosclerose” ou que fulano está “esclerosado”. O fato é que o declínio das capacidades mentais - seja lá qual a denominação usada - e que atualmente é fulminado pelo que se denomina de Mal de Alzheimer cresce de maneira assustadora.
                Para Sempre Alice, o filme baseado no romance de Lisa Genova é daqueles que nos cala fundo. Uma mulher inteligentíssima, professora, em plenitude intelectual com apenas 50 anos começa a esquecer pequenas coisas de forma recorrente. Diagnosticada com um raro tipo de Alzheimer, vive um rápido e fulminante ocaso de suas capacidades mentais.
                Nesta semana passada, o belga Lorenzo Schoonbaert com 41 anos e diagnosticado com doença terminal, optou pela eutanásia que é legalizada em seu país. Mas antes, emocionou o mundo ao ter como despedida uma participação no campo de futebol de seu time do coração, tendo entrado em campo de mãos dadas com a filha de 7 anos. No dia seguinte recebeu uma injeção letal, conforme seu desejo.
                Impossível não refletir sobre nosso próprio destino e as opções que temos na infelicidade de um momento assim. Vários países já admitem a escolha do destino que cada um deseja a si. Nos Estados Unidos os médicos são os que mais optam por fazer um “living will” (testamento em vida) pois sabem como ninguém até onde a medicina pode nos levar, seja para cura, ou para tratamentos inúteis, caros e traumáticos.
                No Brasil apenas recentemente, com a mudança no Código de ética médica (resolução 1.995 do Conselho Federal de Medicina) o tema entrou em pauta e já começa e se tornar usual a lavratura de documento com declarações premonitórias de incapacidade de expressar o próprio desejo. Este documento, que pode ser feito através de uma escritura pública e portanto com a orientação jurídica de um tabelião, ou por instrumento particular, pode prever diversas situações, não somente com relação a tratamentos de saúde mas com relação a vários assuntos.
                Entre as opções possíveis, encontra-se autorização para desligamento de aparelhos que mantém o paciente vivo, com ressalva sobre a nutrição e hidratação artificial, vedação de ressuscitação cardiopulmonar, amputação de órgãos, disposições sobre doação de órgãos e cremação, entre outros. Estes temas podem ser definidos no próprio documento e também sob o critério de uma terceira pessoa. Um dos temas que julgo mais importante é a designação de procurador para administração de bens, venda, contas bancárias, etc. Sabemos que no caso de incapacidade intelectual cabe apenas a interdição por medida judicial, um processo que pode demorar e ter um custo significativo até a nomeação de um curador.
                A grande questão é sobre a autonomia e o direito que temos sobre nossa própria vida, algo que deve ser visto sem paixões e idiossincrasias religiosas, mas sob o ponto de vista da ciência, dos direitos humanos e autonomia privada. No filme citado, Alice enquanto lúcida tentou fazer um “manual de procedimentos”, entre os quais programou seu suicídio. Já Lorenzo vivia num país onde a eutanásia é permitida.
                Sem dúvida trata-se de um tema dos mais delicados e que entrelaça o direito à medicina e nossas crenças espirituais. O projeto no novo Código Penal toca no tema de forma superficial, mas é preciso que haja um aprofundamento nestas questões. É importante lembrar que os princípios da dignidade da pessoa humana, vedação à tortura e tratamento degradante são cláusulas pétreas em nossa Constituição.
                A liberdade moral nunca foi tão livre como agora, a “primavera” digital floresce o ano todo. Se a morte é uma certeza e a incapacidade um infortúnio - que ninguém deseja mas não está livre - resta-nos a resignação e a previdência... ah sim! E as preces!

                
                 *Ângelo Volpi Neto
Titular do 7º Tabelionato de Notas de Curitiba
Ex-presidente do CNB-CF
Autor dos livros  "Comércio Eletrônico Direito e Segurança" e "A vida em BITS"
Membro do Conselho Honorário da União Internacional do Notariado
Presidente fundador e honorário do IMAB-BR      ____________________________________________________________________________________

O presente artigo é uma reflexão pessoal do colunista e não a opinião institucional do CNB-CF.

Extraído de Colégio Notarial do Brasil

Notícias

STJ reconhece filiação socioafetiva entre homem e pai falecido

STJ reconhece filiação socioafetiva entre homem e pai falecido 12/02/2025 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do Migalhas) Atualizado em 13/02/2025 Um homem conseguiu no Superior Tribunal de Justiça – STJ o reconhecimento da filiação socioafetiva entre ele e seu pai já...

STJ valida uso de assinatura eletrônica não certificada pela ICP-Brasil

Avançada X Qualificada STJ valida uso de assinatura eletrônica não certificada pela ICP-Brasil José Higídio 12 de fevereiro de 2025, 12h48 Para a relatora, a assinatura avançada é equivalente à firma reconhecida por semelhança, enquanto a qualificada seria a firma reconhecida por autenticidade. É...

Tios devem justificar uso e administração de pensões e herança de sobrinha

Tios devem justificar uso e administração de pensões e herança de sobrinha 10/02/2025 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do TJSC) Em Santa Catarina, um casal deverá prestar contas sobre os bens administrados de pensão e herança da sobrinha, referentes ao período pelo qual...

Erro essencial? Juíza nega anular casamento por doença mental da esposa

Caso de divórcio Erro essencial? Juíza nega anular casamento por doença mental da esposa Homem alegou que se casou sem saber de problema psiquiátrico, mas juíza não viu requisitos do CC para anulação. Em vez disso, concedeu o divórcio. Da Redação segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025 Atualizado às...