Artigo – Estadão – O Direito de Família em tempos de pandemia

Artigo – Estadão – O Direito de Família em tempos de pandemia

Por Luiz Kignel

O Direito de Família sempre buscou fortalecer o direito individual das pessoas. Sem que isso signifique diminuição das responsabilidades como cônjuges, companheiros ou pais, a opção de nosso ordenamento jurídico sempre foi oferecer mais de uma alternativa ao cidadão. Quando o casamento por si só não respondia aos anseios dos casais, abriu-se a porta à união estável. E se ainda assim muitos demonstraram insatisfação, os contratos de namoro já começam a ter relevância, tanto que são passíveis de demandas judiciais em nossos Tribunais.

Na mesma linha, as uniões hetero e homoafetivas ganharam há muito a justa e absoluta igualdade em direitos e obrigações. Assim, para quem desejar ficar junto, não faltam opções. E a contramão é igualmente verdadeira. O divórcio no casamento civil ou a dissolução na união estável estão plenamente regulados na legislação brasileira. Não há prazo e não há limite para novas tentativas. Todos têm o direito de ir e vir na busca incansável pela felicidade.

O término da relação não acontece de ontem para hoje. Será sempre uma soma de fatores que vão se avolumando e criando pequenas rachaduras até definitivamente romper o vínculo a dois. A ausência de diálogo somada a sensação de estar só, mesmo tendo um par ao lado, são os sinais mais veementes. Frases como “Ele (ou ela) não conversa mais comigo”, “Ela (ou ele) não janta mais comigo”, “Nós não compartilhamos o dia a dia”, e assim por diante, são manifestações constantes de casais quando se reúnem com seus advogados.

E, de repente, não mais do que em um piscar de olhos, estes casais estão verdadeiramente convivendo juntos. Hoje por necessidade, possivelmente amanhã por imposição se a pandemia se alastrar, alguns casais estão redescobrindo a vida a dois. Não há mais colegas de escritório para um happy hour. Não há mais amigos disponíveis para aquela conversa pessoal e gostosa que toda a tecnologia de facetime, zoom e tudo mais não conseguem superar. O olho no olho, aquela risada, o toque físico de um abraço ou de um beijo, mesmo entre bons amigos, ainda não foram substituídos pela era digital.

Apesar da suspensão dos prazos processuais – medida acertada pela dificuldade do exercício da advocacia – há juízes no plantão judiciário para o que se fizer necessário, especialmente medidas cautelares no âmbito do Direito de Família. Portanto, apesar de todas as restrições impostas até o momento no ir e vir do cidadão, a dissolução da união de duas pessoas continua assegurada. Mas quem tem cabeça para isso neste momento?

Dissolver uma relação não é tarefa fácil. Não se trata de simplesmente pegar a sacola e ir embora com seus pertences pessoais. Saímos de casa, mas deixamos responsabilidades, seja com filhos comuns ou mesmo com nosso parceiro. O direito de encerrar o relacionamento a dois não é uma indulgência que nos permite sair sem obrigações (ou penalidades, conforme se queira interpretar).

Da mesma maneira que um casamento é precedido de um namoro para que as pessoas se conheçam e tenham segurança para apostar em um projeto comum, o descasamento também exigirá um “desnamoro”. Se construímos sonhos para casar, devemos negociar frustrações para nos separar. E não falamos apenas de bens materiais. Será necessário administrar os bens imateriais, valores intangíveis que começam pelos filhos comuns, quando existentes, mas que a eles não se limitam porque certamente algo falhou no projeto de construção de uma família.

Quem deixará o domicílio comum? Como fixamos a partilha? É possível convencionar alimentos? Sobram questionamentos onde faltam respostas. Uma dissolução amigável se baseia em três cestas: guarda e visitas, partilha e alimentos. Mas não adianta falarmos em visitas porque ao menos por um bom tempo ninguém vai sair de casa! Não podemos dimensionar a partilha porque, conforme o “day after”, parte de nosso patrimônio poderá ser reduzido consideravelmente (que o diga o mercado de ações). Não podemos estimar alimentos porque não sabemos o nosso potencial econômico pós crise. O empresário não sabe se conseguirá suportar um prejuízo que até o momento não é possível calcular. O funcionário não sabe se terá o seu emprego. O autônomo não sabe se ainda tem algo interessante para oferecer. Portanto, o casal não conseguirá avançar na ruptura desta relação.

O que nos resta então? Ao menos por um tempo maior do que o desejado seguiremos convivendo com quem ao menos em um dia sonhamos ser o parceiro ideal. E por conta desta inusitada relação talvez descobrir que é necessário ficar juntos para sobreviver na crise. Não haverá outra opção senão brincar com os filhos porque a ausência é uma palavra que não existe no confinamento. E porque estamos neste grande desafio que é a vida em família vamos nos deparar com adversidades que se antes irritavam, hoje serão contornadas e, talvez, quem sabe, superadas. Vivemos tempos novos que poderão, essa é a ironia, superar crises velhas.

*Luiz Kignel, sócio do PLKC Advogados, especialista em Planejamento Sucessório e Direito de Família

Fonte: Estadão
Extraído de Anoreg/BR

Notícias

STJ julga usucapião de imóvel com registro em nome de terceiro

Adequação da via STJ julga usucapião de imóvel com registro em nome de terceiro Recurso visa reformar decisão de tribunal que extinguiu o processo por ausência de interesse de agir. Da Redação sexta-feira, 17 de janeiro de 2025 Atualizado às 17:23 A 4ª turma do STJ iniciou julgamento de ação de...

Divórcio é decretado antes da citação do cônjuge, que reside nos EUA

Divórcio é decretado antes da citação do cônjuge, que reside nos EUA 16/01/2025 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM A Justiça do Rio de Janeiro decretou o divórcio antes da citação do cônjuge, um americano que reside nos Estados Unidos. A decisão da 2ª Vara de Família da Regional da Barra da...

Holding deixada de herança: entenda o que a Justiça diz

Opinião Holding deixada de herança: entenda o que a Justiça diz Fábio Jogo 14 de janeiro de 2025, 9h14 Sem uma gestão transparente, o que deveria ser uma solução para proteger o patrimônio pode acabar se transformando em uma verdadeira dor de cabeça. Leia em Consultor Jurídico      ...

STJ admite penhora de direito aquisitivo de imóvel do Minha Casa, Minha Vida

DEVE, TEM QUE PAGAR STJ admite penhora de direito aquisitivo de imóvel do Minha Casa, Minha Vida Tiago Angelo 12 de janeiro de 2025, 9h45 “Nesse contexto, como ainda não se adquiriu a propriedade plena do imóvel, eventual penhora não poderá recair sobre o direito de propriedade – que pertence ao...

Artigo 5º - Contratos de namoro: precaução ou burocracia?

Artigo 5º - Contratos de namoro: precaução ou burocracia? O Artigo 5º aborda o crescimento do uso dos contratos de namoro no Brasil, que registrou um aumento significativo em 2023. O programa traz a advogada Marcela Furst e a psicóloga Andrea Chaves para discutir os motivos que levam os casais a...

Imóvel como garantia: O que muda com a nova regulamentação do CMN?

Imóvel como garantia: O que muda com a nova regulamentação do CMN? Werner Damásio Agora é possível usar o mesmo imóvel como garantia em várias operações de crédito. A resolução CMN 5.197/24 amplia o acesso ao crédito imobiliário para pessoas físicas e jurídicas. domingo, 5 de janeiro de...