Artigo – Inventário extrajudicial: avanços após a Resolução 571/2024 do CNJ
sexta-feira, 1 de novembro de 2024
Artigo – Inventário extrajudicial: avanços após a Resolução 571/2024 do CNJ
A Resolução nº 571, publicada em agosto de 2024, que alterou a de nº 35/2007, ambas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), trouxe mudanças importantes sobre a realização de inventários e partilhas de bens pela via extrajudicial. Até a entrada em vigor da referida resolução, nos casos em que o falecido tenha deixado testamento e/ou nos casos envolvendo herdeiros menores e incapazes, os inventários deveriam ser realizados pela via judicial.
Também antes da vigência da referida resolução, a possibilidade de alienação de ativos do espólio antes da realização da partilha dependia de prévia autorização judicial, mesmo diante da concordância de todos os herdeiros.
A Resolução 571 viabilizou a realização de inventários pela via extrajudicial mesmo diante da existência de herdeiro menor e incapaz e/ou tendo o autor da herança deixado testamento. A medida também dispensou a prévia autorização judicial para a alienação de bens do espólio antes da realização da partilha, além de ter especificado responsabilidades ao inventariante e definido a possibilidade de partilha da meação do convivente em união estável, conforme a seguir detalhado:
Inventário extrajudicial envolvendo menores e incapazes
Uma das inovações mais relevantes da nova resolução é a possibilidade de realizar inventários extrajudiciais mesmo quando há herdeiros menores e incapazes, o que antes demandava a sua realização, como regra, pela via judicial.
As condições essenciais para que o inventário seja realizado pela via extrajudicial são: (1) a manifestação favorável do Ministério Público, mediante o encaminhamento pelo tabelionato de notas do expediente ao representante competente; e (2) o pagamento da meação ou do quinhão hereditário dos herdeiros menor e incapaz seja realizado em partes ideais sobre todos os bens deixados pelo falecido.
Tal condição essencial inviabiliza, por exemplo, a partilha cômoda. A partilha cômoda é prevista no Código de Processo Civil e ocorre quando a divisão dos bens não é exatamente igual em valor, mas sim de maneira conveniente para os herdeiros, como, por exemplo, no caso de um herdeiro receber um imóvel e o outro, em compensação, valores mantidos em aplicações financeiras. Esta forma de divisão, porém, não é permitida quando existente herdeiro menor e incapaz, sendo necessário que todos recebam uma fração ideal equivalente sobre cada bem deixado pelo falecido.
O objetivo desta restrição é proteger os interesses dos menores e incapazes, garantindo que eles não sejam prejudicados em eventuais negociações realizadas entre os demais herdeiros ou pela (des)valorização dos bens com o passar do tempo, reforçando a necessidade de manifestação do Ministério Público para validar a proteção dos interesses dos vulneráveis.
A impossibilidade de realização da partilha cômoda reforça a importância de um planejamento patrimonial e sucessório eficaz, o qual permite que o titular do patrimônio organize em vida os seus bens de maneira a facilitar sua sucessão, respeitando os direitos dos herdeiros necessários e evitando problemas que possam surgir em um eventual inventário.
Inventário extrajudicial com testamento
Antes da Resolução nº 571, algumas corregedorias já permitiam a realização de inventário extrajudicial mesmo diante da existência de testamento, mas esta não era uma prática uniforme em todo o Brasil.
A nova resolução em comento padronizou esse entendimento, permitindo que inventários sejam realizados pela via extrajudicial mesmo diante da existência de testamento, desde que sejam respeitadas algumas condições essenciais, a saber:
(a) é necessário que o testamento seja válido, tenha sido aberto e registrado judicialmente, com autorização expressa do judiciário para que a partilha seja realizada pela via extrajudicial;
(b) para que a partilha seja feita na forma cômoda, conforme antes explicado, todos os herdeiros precisam ser maiores, capazes e estarem concordes com a sua realização;
(c) todos os herdeiros deverão ser representados por advogado devidamente habilitado;
(d) caso haja herdeiro menor e incapaz será necessária manifestação favorável no Ministério Público e a partilha deverá ser feita na forma da lei, ou seja, dividido em partes iguais entre todos os herdeiros; e
(e) se o testamento contiver disposições irreversíveis, como, por exemplo, o reconhecimento de um filho, o inventário deverá ser realizado obrigatoriamente pela via judicial.
Alienação de ativos do espólio
Após a entrada em vigor da Resolução nº 571, o inventariante nomeado poderá realizar a alienação de bens do espólio, independentemente de autorização judicial.
Para tanto, o inventariante deverá cumprir alguns requisitos, os quais, em síntese, são os seguintes:
(a) pagamentos dos impostos de transmissão da herança, honorários advocatícios, emolumentos notariais e registrais e outros tributos e despesas decorrentes da realização do inventário extrajudicial, no prazo máximo de um ano contado da alienação do bem, com a vinculação do pagamento do preço de venda do bem ao adimplemento de tais despesas;
(b) o inventariante deverá prestar garantia real ou fidejussória quanto à destinação do produto da venda do bem para pagamento das despesas referidas na alínea ‘(a)’ acima; e
(c) não poderão constar indisponibilidade de bens de quaisquer herdeiros ou do cônjuge/convivente sobrevivente.
Responsabilidade do inventariante
Com a simplificação dos procedimentos extrajudiciais, a responsabilidade do inventariante foi reforçada. A Resolução nº 571 estabelece que cabe ao inventariante a tarefa de declarar o valor dos bens do espólio na escritura pública de inventário e partilha.
Este ponto é de suma importância, pois o valor atribuído aos bens será utilizado para o cálculo do imposto de transmissão de herança e emolumentos, além de definir o quinhão de cada herdeiro.
Caso a Fazenda Pública discorde do valor declarado, o tabelião está autorizado a cobrar a diferença, evitando que o Fisco seja prejudicado. O inventariante, portanto, deve agir com cautela e responsabilidade, uma vez que omissões ou erros podem gerar questionamentos futuros ou até mesmo a sua responsabilização pessoal.
Meação do convivente decorrente da união estável com o falecido
Outra alteração significativa é o reconhecimento da meação do convivente sobrevivente diretamente na escritura pública de inventário, quando todos os herdeiros e interessados forem capazes e concordes, ou, quando o convivente sobrevivente for o único sucessor, com a união estável reconhecida por via judicial ou escritura devidamente registrada.
Esta mudança torna-se relevante nas situações em que o convivente em união estável tem direito à metade dos bens adquiridos durante a constância da referida relação diante do regime aplicável à entidade familiar.
Contudo, tal simplificação pode gerar situações em que os interesses sejam conflitantes, principalmente quando o convivente também figura como herdeiro. O cuidado deve ser redobrado, especialmente quando houver herdeiro menor e incapaz, uma vez que a meação do companheiro deve ser destacada da herança, de modo a evitar prejuízos aos demais interessados, justificando, mais uma vez, a importância da manifestação favorável do Ministério Público quanto a partilha de bens.
Conclusões
A Resolução nº 571/2024 do CNJ representa um avanço importante no processo de desjudicialização dos inventários e partilhas de bens no Brasil.
As novas regras trazem agilidade, simplificam procedimentos e reduzem os custos, mas também exigem atenção e responsabilidade das partes envolvidas, especialmente quando há herdeiro menor e incapaz, testamento ou convivente em união estável sobrevivente.
A norma oferece soluções eficientes, mas o acompanhamento por profissionais capacitados, como advogados e tabeliães, continua sendo fundamental para garantir a correta aplicação da lei e a proteção dos direitos de todos os herdeiros.
Ainda, mesmo diante das facilitações trazidas pela resolução em análise, a realização de planejamentos patrimoniais e sucessórios podem ser mais eficientes na facilitação do processo sucessório e na gestão e administração do patrimônio herdado, considerando que o titular do patrimônio poderá organizar em vida a forma como deseja que o seu patrimônio seja dividido entre os seus herdeiros, sempre respeitado os limites legais.
Fonte: Conjur
Extraído de Anoreg/BR