Artigo - Motivos na legislação para a perda da herança - Por Ivone Zeger

Artigo - Motivos na legislação para a perda da herança - Por Ivone Zeger

Publicado em: 22/04/2015

Pode parecer enredo de novela ou um drama do cinema italiano, mas quantas vezes já não ouvimos a clássica frase do pai discutindo com o filho e, de repente, a ameaça: “Vou te deserdar”. Os filhos podem respirar aliviados se souberem que, na maioria dos casos, a ameaça paterna não passa de uma manifestação de sua ira, sem maiores consequências legais.

Agora relaxe e entenda: a lei brasileira exige que metade dos bens compreendidos pela herança sejam reservados aos herdeiros necessários do falecido, ou seja, os descendentes (filhos, netos e bisnetos), na falta desses, os ascendentes (pais, avós e bisavós) e o cônjuge. Para que haja a deserdação – isto é, a exclusão de um ou mais herdeiros necessários por meio de testamento – é preciso que existam motivos extremamente graves.

Um mero desentendimento entre pai e filho não se inclui entre esses motivos. Da mesma forma, a oposição paterna às escolhas do filho, no que diz respeito aos seus relacionamentos ou carreira, por exemplo, também não justifica a deserdação.

Por motivos graves entende-se, entre outros, o homicídio intencional ou a tentativa de homicídio (cometidos pelo herdeiro contra o autor da herança, seu cônjuge, pais ou filhos);  o ataque ofensivo à honra, à dignidade, à fama, à reputação da pessoa, deve ser de tal gravidade que torne intolerável o convívio entre o lesado e o injuriado; agressões e abandono – o filho que deixar o pai desamparado durante enfermidade ou doença mental, poderá perder o direito à sua herança, e vice-versa. Quer dizer, o pai que desamparar o filho também poderá vir a perder o direito sobre uma eventual herança que esse filho venha a deixar.

O que talvez você desconheça é que a deserdação não é automática. Ela deve ser anunciada em testamento, com a obrigatória apresentação dos motivos. Após a abertura do testamento, os demais herdeiros têm um prazo de quatro anos para ingressar com uma ação judicial pedindo que a pessoa cuja deserdação é solicitada seja excluída da herança. Caberá a eles apresentar as provas necessárias para justificar a medida. Naturalmente, o acusado terá sua chance de defender-se das alegações. Somente após a expedição da sentença judicial é que a deserdação será consumada. Ou não. Afinal, o juiz pode entender que as razões apresentadas não são válidas.

Para excluir alguém que não seja herdeiro necessário, como um irmão, um tio ou outro parente, não é necessário entrar na justiça nem apresentar motivos. Basta não incluí-lo no testamento. Assim, se não ficar comprovada a causa alegada para a deserdação, o herdeiro em questão assume, e em definitivo, a posse e o domínio dos bens da herança que normalmente lhe estavam destinados, naquilo que juridicamente denominamos de vocação legítima.

Outra forma de privar um herdeiro de seu direito à herança – seja ele herdeiro necessário ou não – é a indignidade. Os motivos são praticamente os mesmos. A diferença é que esse tipo de exclusão não é feito por meio de testamento, mas apenas por ação judicial movida pelos demais herdeiros (ou, em alguns casos, pelo Ministério Público) após o falecimento do autor da herança.

Exemplo de exclusão por indignidade é o caso de Suzane Von Richtofen, acusada de matar barbaramente os pais com a ajuda do namorado e de outro cúmplice. Suzane, por sinal, teve sua exclusão confirmada em julgamento no processo sucessório que seu irmão, o outro único herdeiro, ajuizou, resultando no reconhecimento da exclusão da irmã, por indignidade, como era esperado. Se ela não tivesse irmão, a ação poderia ser proposta por pais, avós ou, na inexistência destes, por outros parentes e herdeiros das vítimas. Se não houver outros parentes, o Ministério Público pode propor a ação.

Outro aspecto que pode causar estranheza é que a reconciliação do testador com o herdeiro não significa perdão. Ocorre que a última vontade do testador é aquela constante do testamento e assim, ela deve ser cumprida. Dessa forma, caso o próprio testador não revogue a cláusula do testamento que afasta o ofensor, agora perdoado, o simples reatar da amizade, das relações sociais ou familiares não tem o poder de deduzir que se deu a revogação do ato expresso no testamento. Assim, revogar expressamente a clausula de deserdação, nesse caso, é ato obrigatório.

É preciso ainda lembrar que, se a exclusão for legalmente efetivada, seja por indignidade, seja por deserdação, a parte da herança que caberia ao excluído irá para os descendentes dele (filhos, netos ou bisnetos). O principal efeito da deserdação é a privação de toda a parte da herança que caberia aquele que foi deserdado. Como é uma sanção, um castigo de caráter absolutamente pessoal, não teria cabimento que os descendentes daquele que foi punido sejam afetados. Somente se o excluído não tiver descendente é que sua parte poderá ser dividida entre os demais herdeiros.

Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-SP e autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas e Família: Perguntas e Respostas.

Fonte: Conjur
Extraído de Recivil

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