Artigo : Notificação por cartório de Títulos e Documentos como causa interruptiva da prescrição. Por Felipe B. Ayres

Artigo : Notificação por cartório de Títulos e Documentos como causa interruptiva da prescrição. Por Felipe B. Ayres

Origem da Imagem/Fonte: Extraida de IRTDPJMinas

Texto de autoria do advogado Felipe Banwell Ayres foi publicado na coluna Migalhas Notariais e Registrais, do site Migalhas, em 22/01/20024.

Impossibilidade por ausência de previsão legislativa

Como afirma o art. 189 do Código Civil, violado o direito, nasce a pretensão, o qual se extingue pelo decurso dos prazos prescricionais previstos em lei1. Contudo, como a lei existe para garantir os direitos subjetivos de quem não está inerte, no caso de tomada de providências pelo credor, o art. 202 do Código Civil permite – uma única vez – a interrupção do prazo prescricional nas taxativas hipóteses elencadas nos incisos do art. 202 do Código Civil2. 

São estas: (i) por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; (ii) por protesto, nas condições do inciso antecedente; (iii) por protesto cambial; (iv) pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores; (v) por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor e (vi) por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor3. 

Portanto – em marcável omissão – o rol do art. 202 do Código Civil não prevê a possibilidade de interrupção de prazo prescricional por meio de notificação enviada por Cartório de Títulos e Documentos, que é o fundamento utilizado pela jurisprudência do STJ4 e a doutrina majoritária5 para refutarem essa modalidade como causa interruptiva do prazo prescricional.

Esse posicionamento formalista, a despeito de frustrante para o credor que pretendeu conferir efeitos interruptivos à notificação extrajudicial, é acertado, pois, se a segurança jurídica é um dos pilares do ordenamento jurídico, os esforços para que sejam observadas as regras legais devem ser prestigiados6.

Na verdade, a (única) crítica cabível é reservada à mora legislativa do Congresso Nacional em aprovar um projeto de lei que inclua essa possiblidade. Afinal, conquanto existam projetos de lei com iniciativas de desjudicialização que guardam relevante carga de controvérsia7, a inclusão legislativa defendida é lege ferenda com motivos de sobra para se tornar texto legal8.

Motivos de sobra para a inclusão legislativa

Segundo a doutrina do Professor Caio Mário “como corolário de fundar-se a prescrição na inércia do credor por tempo predeterminado, considera-se toda manifestação dele, defensiva de seu direito, como razão determinante de se inutilizar a prescrição, ou seja, de interromper a sua contagem”9-10.

Nessa linha ideias, o primeiro argumento em prol da inclusão legislativa para permitir a interrupção do prazo prescricional por meio de notificação extrajudicial é de natureza teleológica: uma comunicação formal que busque interromper a contagem do prazo prescricional é incontroversamente ato jurídico comprobatório de que o titular do direito violado não está inerte, encaixando-se na mens legis do art. 202, caput, do Código Civil11.

Com efeito, o fato de o credor não ter ingressado com uma ação judicial de imediato é irrelevante para essa conclusão. A uma, o ingresso em juízo, muita das vezes, depende do pagamento de custas e da contratação de advogado, providências que podem atrasar o ajuizamento do feito, mas que não comprovam a inércia do credor.  A duas, a notificação extrajudicial configura ato de boa-fé na medida em que, ao cientificar o devedor de que medidas judiciais serão tomadas, permite com que as partes busquem uma solução extrajudicial (pré-processual) para o conflito.

O segundo argumento é de natureza prática: a interrupção da prescrição por meio de notificação extrajudicial será procedimento seguro em razão da qualificação dos titulares das serventias extrajudiciais, que são submetidos a rigoroso concurso público para ingresso na carreira. Ademais, há fiscalização por parte do Poder Judiciário com relação aos atos praticados pelos tabeliães e seus prepostos, que serão pessoalmente responsabilizados em caso de defeito na prestação do serviço12.

Ciente da eficácia desses mecanismos, a legislação confere aos titulares de serventias extrajudiciais o múnus de velarem pela autenticidade e veracidade dos atos jurídicos (arts. 1º e 3º da Lei Federal 8.935/94) e vem aumentando o leque de poderes destes13. Não é de se estranhar, portanto, que os titulares dos Cartórios de Protesto já possuem poderes para praticar atos que interrompem a prescrição, conforme as disposições dos incisos II e III do art. 202 do Código Civil. 

Se essa faculdade legal é conferida aos Cartórios de Protesto, que possuem enxuta estrutura em razão de suas restritas atribuições, por qual motivo não a estender aos Cartórios de Títulos e Documentos, que já praticam atos jurídicos de relevância similar (ou superior) à interrupção da contagem de prazo prescricional? 

Com efeito, dentre alguns exemplos, as notificações extrajudiciais enviadas por estes servem para (i) implementar condição resolutiva expressa (art. 474 do Código Civil); (ii) formalizar renúncia da prescrição (art. 191 do Código Civil) e (iii) constituir em mora o devedor fiduciante para pagamento da dívida e demais encargos, sob pena de consolidação da propriedade fiduciária em nome do credor fiduciário (art. 26 da lei 9.514/97)14.

Quanto a este último ponto, haja vista que 97% dos financiamentos imobiliários no país são realizados pelo procedimento extrajudicial da Lei Federal nº 9.514/97, o que representa o envio anual de milhares de notificações extrajudiciais a devedores fiduciantes, conclui-se que os Cartórios de Títulos e Documentos desempenharão, com eficiência e segurança, o serviço consistente na interrupção de prescrição por meio de notificação extrajudicial15.

Por fim, um argumento utilitarista: a inclusão legislativa, ajudará a desafogar o Poder Judiciário, eis que a parte interessada terá mais um meio (extrajudicial) para interromper o prazo prescricional, evitando o ajuizamento do protesto interruptivo judicial, previsto ao art. 202, V, do Código Civil.

O momento oportuno para mudança é agora

Pelos motivos apresentados, foi com surpresa que este colunista recebeu a notícia de que a Comissão de Atualização do Código Civil não acresceu essa possibilidade no Relatório Setorial enviado ao Congresso Nacional no início de dezembro de 202316.

Com efeito, conquanto a Comissão de Atualização – composta por juristas que há muito defendem essa inclusão legislativa – tenha sugerido importantes alterações ao texto do art. 202 do Código Civil17, a ausência desse tema na minuta final dos trabalhos configura surpreendente desdobramento para os que acompanhavam os debates. 

De todo modo, não se trata de desfecho preclusivo: o texto ainda será debatido e votado no Congresso Nacional, que terá a oportunidade de incluir ao art. 202 do Código Civil a possibilidade de interrupção do prazo prescricional por notificação extrajudicial enviada por Cartório de Títulos e Documentos.

__________

1 Nas palavras da Ministra Nancy Andrighi, “a prescrição tem por finalidade conferir certeza às relações jurídicas, na busca de estabilidade, porquanto não seria possível suportar uma perpétua situação de insegurança” (REsp 1.677.895/SP, Ministra Rel. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 6.2.2018).

2 A ratio da interrupção da prescrição é explicada pela doutrina do Prof. Carlos Eduardo Elias: “A prescrição destina-se a punir quem é negligente no exercício do seu direito, pois, conforme os romanos, o direito não socorre os que dormem (dormientibus non sucrrit jus). Por isso, caso o titular de um direito pratique um ato que demonstra não estar inerte no exercício no seu direito, é aplicável a interrupção do prazo prescricional” (OLIVEIRA, Carlos Elias e COSTA-NETO, João. Direito Civil, Volume Único. Editora Método. Brasília, 2022. p. 317).

3 O artigo 19 da lei 9.307/96 (“Lei de Arbitragem”) aponta uma hipótese de interrupção da prescrição não prevista no rol do art. 202 do CC: “A instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição”.                        

4 “O entendimento deste Tribunal Superior é de que a notificação extrajudicial não é hábil a interromper o prazo prescricional”. (AgInt no AResp nº 1.656.629/MT, Min. Rel. Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, j. 22.11.2021).

5 Nas palavras do Prof. Flávio Tartuce “Deve ficar claro que a notificação extrajudicial, via cartório de títulos e documentos, não gera a interrupção da prescrição, pela ausência de previsão legal específica”. (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – Volume Único. 7ª edição, São Paulo, 2017, p. 342).

6 Deve-se esclarecer que não se está a falar aqui de direito potestativo (não qual não haveria prescrição, mas decadência) ou de processos de jurisdição voluntária. Portanto, não se pode invocar a teoria das instrumentalidades das formas ou o art. 723, parágrafo único, do CPC, eis que se tratando da contagem de prazo prescricional, que é uma garantia do Estado Democrático de Direito conferida ao cidadão, é presumível que haveria prejuízo a este caso as regras legais não sejam fielmente observadas.

7 Em síntese, a projeto de alteração legislativa propõe a desjudicialização da execução civil, e concede aos tabeliães as funções de agente de execução, a quem caberia realizar os atos de citação, penhora e expropriação, entre outras atribuições descritas ao artigo 4º do PL nº 6.204/19

8 Nesse sentido, é a posição do Prof. Carlos Elias que afirma que “Recomendamos a edição de lei que passe a admitir a notificação extrajudicial como causa interruptiva, tudo em sintonia com o movimento de desjudicialização. Sem nova lei, porém, temos por usurpação do Legislativo forçar essa hipótese interruptiva” (OLIVEIRA, Carlos Elias e COSTA-NETO, João. Direito Civil, Volume Único. Editora Método. Brasília, 2022. p. 319).

9 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 1. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 598.

10 No mesmo sentido, “a interrupção da prescrição visa a amparar aquele que revela inequívoca intenção de perseguir o seu direito” (REsp 1.636.677/RJ, Min. Rel. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 15.2.2018).

11 Os efeitos interruptivos da notificação devem retroagir à data do envio da notificação, não podendo se aceitar que o credor seja prejudicado pela demora dos serviços extrajudiciais em efetivarem a entrega ao devedor da notificação interruptiva de prazo prescricional.  Desse modo, deve-se invocar a mesma regra presente para a interrupção da prescrição por citação judicial (art. 202, I do CC, combinado com o art. 214, parágrafo único, do CPC).

12 Não por outro motivo, os serviços cartorários extrajudiciais são apontados como as instituições mais confiáveis do  Brasi Disponível em: Cartórios são a instituição mais confiável do Brasil, aponta pesquisa | Notícias – ANOREG/RN (anoregrn.org.br). Acesso em 19.12.2023.

13 Como se constata das alterações legislativas promovidas pelas Leis n.º 11.401/07, 14.382/22 e 14.711/23.

14 Para maiores considerações, recomenda a leitura do acórdão no REsp 1.906.475/AM, Min. Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 18.05.2021.

15 Dados extraídos da Exposição de Motivos do Anteprojeto do PL 4.188/2021.

16 Disponível na página 135 do Relatório Setorial da Seção de Parte Geral da Comissão apresentado ao Congresso Nacional.

17 Um exemplo é a inclusão, no rol do art. 202 do CC, da causa interruptiva da prescrição já prevista pelo art. 19 da lei 9.307/96 (“Lei de Arbitragem”). A sistematização do texto legal é medida importante para o aumento da segurança jurídica.

Leia no Migalhas: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/400677/notificacao-por-cartorio-de-titulos-como-causa-da-prescricao

Por: Felipe Banwell Ayres

Fonte: IRTDPJBrasil – 22/01/2024
Extraído de IRTDPJMinas

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