Artigo: Possibilidade de inventário e partilha extrajudicial havendo herdeiro incapaz - José Roberto Teixeira de Oliveira
Artigo: Possibilidade de inventário e partilha extrajudicial havendo herdeiro incapaz - José Roberto Teixeira de Oliveira
Publicado em 11/08/2016
Por José Roberto Teixeira de Oliveira*
É inegável o avanço legislativo para a sociedade com o advento da lei 11.441/2007 que permitiu a efetivação de inventário e partilha, ou inventário e adjudicação, de bens originários de direito sucessório pela forma extrajudicial, por meio dos Tabelionatos de Notas do País. Referida lei contribuiu imensamente para desafogar a sobrecarga do Poder Judiciário, que notoriamente sofre com o aumento gradativo e assustador de ações, causando um caos social e jurídico, uma vez que não há estrutura humana e material para atender a demanda, causando lentidão na solução das lides e prejuízo aos cidadãos que muitas vezes aguardam decisões singelas, em processos sem litígio, mas que pela grande quantidade represada acabam por demorar anos até que seja deferido o bem da vida ao autor. Estatísticas apontam um número muito grande de procedimentos dessa natureza que foram efetivados por meio dos Tabelionatos, deixando de ingressar no Poder Judiciário.
Não obstante esse avanço, por razões lógicas da obrigatoriedade de proteção aos incapazes através de mecanismos estatais, o procedimento extrajudicial não foi permitido quando então envolver interesse de incapazes. Da mesma forma, em razão da peculiaridade dos testamentos que necessitam registro prévio no foro judicial, também não é permitido quando houver disposição de última vontade. A lei determina a intervenção direta do Estado Juiz nesses casos, e, como regra geral, exige a participação do Ministério Público.
O artigo 610 do atual CPC, que repete o que estava previsto no artigo 982 do antigo CPC, prevê expressamente no Capítulo do Inventário e da Partilha, que, “havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial”. Aqui apenas refiro que o legislador poderia ter avançado ainda mais na desjudicialização dos procedimentos de inventário e partilha no que tange à existência de testamento. Poderia o legislador ter autorizado a feitura do inventário e partilha extrajudiciais mesmo havendo testamento, e obviamente, desde que todos os interessados sejam capazes e concordes. A judicialização nesses casos deveria ser apenas do registro judicial prévio do testamento, que é um processo, em regra, anterior ao processo de inventário e partilha, regrado pelo artigo 735 e seguintes do CPC, onde o Estado Juiz analisa a validade do testamento em seus requisitos legais, oportunizando a contestação do mesmo; superada essa fase parte-se então ao processo de inventário e partilha; como regra geral são processos distintos. Ora, efetivado o registro, e não tendo havido impugnações, e, sendo os interessados capazes e concordes, inclusive com os termos do testamento logicamente, não haveria mais necessidade de movimentação da máquina Judiciária, restando apenas interesses privados. Quiçá, bons ventos aliados ao sucesso do procedimento extrajudicial façam com que a lei seja alterada in bonam societat.
Assim, feitas as considerações acima parte-se para a análise da situação proposta no título deste breve artigo. É necessária uma leitura interpretativa do que determina o enunciado da Lei. Tenho ouvido taxativamente, de plano, a resposta negativa no sentido de que havendo herdeiro incapaz o inventário sempre e somente poderá ser feito pela via judicial. Não me parece que essa interpretação seja absoluta, sem possibilidade de enfrentamento para entendimento diverso, pois é cediço que podem haver situações em que, mesmo existindo herdeiro incapaz, o inventário e a partilha podem ser feitos pela via extrajudicial e justifico apresentando o exemplo adequado: os casos em que tenha sido autorizado judicialmente, por meio de alvará, a cessão prévia de todos os direitos hereditários do herdeiro incapaz. Havendo, portanto, a autorização pelo Estado Juiz para a cessão dos direitos hereditários, efetivado esse ato o cessionário subroga-se nos direitos e obrigações desse herdeiro incapaz, deixando ele herdeiro de ser interessado no processo de inventário.
Efetivada essa cessão dos direitos hereditários com base na autorização judicial, e, sendo o cessionário maior e capaz, restariam apenas interessados capazes para o inventário e a partilha, e, indiscutivelmente, esse procedimento pode ser feito extrajudicialmente, considerando que deixa de existir interessado incapaz, como já referido, sem que isso acarrete a nulidade do ato, pois não há mais direito vulnerável a ser protegido pelo Estado Juiz.
Analiso, a contrario sensu e para corroborar minha tese, que um terceiro incapaz adquirisse direitos hereditários por meio de ato próprio, por exemplo em uma cessão gratuita, e, onde haviam somente herdeiros capazes, passaria a integrar o polo de interessados um cessionário incapaz. A partir do ingresso no polo sucessório desse cessionário incapaz, que não é herdeiro, mas adquire a condição de interessado, o inventário e partilha somente pode ser feitos pela via judicial, mesmo havendo apenas herdeiros capazes.
A chave da questão está em interpretar o termo “interessado” previsto na lei, dissociando ele do vínculo exclusivo de herdeiro, que entendo equivocado, concluindo-se, portanto, que é vedado o procedimento extrajudicial quando houver interessado incapaz participando do ato, mas quando afastado esse incapaz, como é o caso da cessão total, a proibição não mais subsiste, por não ser mais necessária a intervenção do Poder Judiciário.
Pelos fatos aqui argumentados, tendo sido cedidos todos os direitos hereditários do herdeiro incapaz ou dos herdeiros incapazes, e não se apresentando nenhuma situação de direito de acrescer não abrangida pelo ato de cessão, afirmo que o inventário e partilha, mesmo havendo herdeiros incapazes, mas participando apenas interessados capazes, pode ser feito pela via extrajudicial, interpretação essa que coaduna-se com o espírito da lei e com a função social da desjudicialização, que deve ser buscada incansavelmente, face ao acumulo intransponível de demandas que enfrenta o Poder Judiciário brasileiro, e também ao inquestionável benefício de ordem econômica e temporal que o extrajudicial traz ao cidadão e a sociedade em geral.
* José Roberto Teixeira de Oliveira é Tabelião do Cartório de Serviços Notariais e de Registros de David Canabarros (RS)
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O presente artigo é uma reflexão pessoal do colunista e não a opinião institucional do CNB-CF.
Extraído de Colégio Notarial do Brasil