Artigo: Usucapião Extrajudicial versus Módulo Rural I - II - Marla Camilo

Artigo: Usucapião Extrajudicial versus Módulo Rural I - Marla Camilo

Publicado em 07/06/2016
Por Marla Camilo

A usucapião extrajudicial foi instituída no Brasil por meio da Lei nº 11.977/2009, mas esta é aplicável somente no contexto de projetos de regularização fundiária de interesse social. Segundo o ilustre professor João Pedro Lamana Paiva a simplicidade do procedimento facilitará ao possuidor a aquisição da propriedade imobiliária.

O processo será fundamentado, por advogado, na posse prolongada, e mediante requerimento instruído com uma ata notarial, planta e memorial descritivo do imóvel, certidões negativas e outros documentos, e o pedido deverá ser ingressado no registro de imóveis onde deverá ser protocolado, autuado, tomando-se todas as providências necessárias ao reconhecimento da posse e de seu registro em nome do possuidor. Contudo, surge uma problemática: seria possível usucapião extrajudicial de imóvel rural inferior ao módulo rural da região?

De acordo com o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), no art. 4º, incisos III e II, entende-se por Módulo Rural como a área rural fixada a fim de ser diretamente explorada por uma família para lhes garantir a subsistência e viabilizar sua progressão socioeconômica. O módulo rural significa então a dimensão mínima de um imóvel rural caracterizado como propriedade familiar. Vê-se que o objetivo da lei é que a terra cumpra sua função social, evitando-se o minifúndio (inciso IV do artigo 4º da Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964), ou seja, imóvel rural com área e possibilidades inferiores ao necessário para a sobrevivência de uma família e de seu progresso.

Ocorre que, o Estatuto da Terra, em seu artigo 65 apregoa o seguinte: “o imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”. Neste sentido também está a Lei nº 5.868/72 que cria o Sistema Nacional de Cadastro Rural, pois determina a impossibilidade da divisibilidade do módulo rural, em seu artigo 8º: 

Art. 8º. Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do artigo 65, da Lei n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixada no parágrafo 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área".

O Módulo Rural é fixado com base nos critérios determinados pelo artigo 11 do Decreto nº 55.891/65, que regulamenta o Estatuto da Terra, e deve considerar a localização e os meios de acesso do imóvel em relação aos grandes mercados, as características ecológicas das áreas em que se situam e os tipos de exploração predominantes na respectiva zona (hortigranjeira, cultura permanente, cultura temporária, exploração pecuária, exploração florestal ou exploração indefinida).

Art. 11. O módulo rural, definido no inciso III do art. 4º do Estatuto da Terra, tem como finalidade primordial estabelecer uma unidade de medida que exprima a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico.

Parágrafo único. A fixação do dimensionamento econômico do imóvel que, para cada zona de características ecológicas e econômicas homogêneas e para os diversos tipos de exploração, representará o módulo, será feita em função:

a) da localização e dos meios de acesso do imóvel em relação aos grandes mercados;

b) das características ecológicas das áreas em que se situam;

c) dos tipos de exploração predominante na respectiva zona.

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, já decidiu permitindo a usucapião especial rural de área inferior ao módulo rural estabelecido para a região – REsp 1.040.296, em recurso contra decisão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo que não reconheceu o direito à usucapião porque o artigo 65 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) proíbe o parcelamento rural em áreas inferiores ao módulo da região.

Um casal de agricultores desde janeiro de 1996 tinha a posse ininterrupta e não contestada de uma área de 2.435 metros quadrados, na qual residem e trabalham. Na região, o módulo rural — área tida como necessária para a subsistência do pequeno agricultor e de sua família — é estabelecido em 30 mil metros quadrados.

A turma, que seguiu o voto do ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que “não há impedimento para que imóvel de área inferior ao módulo rural possa ser objeto da modalidade de usucapião prevista no artigo 191 da Constituição Federal e no artigo 1.239 do Código Civil.” O ministro defendeu em sua decisão que a usucapião especial rural é instrumento de aperfeiçoamento da política agrícola do país tendo como objetivo a função social e o incentivo à produtividade da terra. Além disso, é uma forma de proteção aos agricultores.

Segundo o ministro, o artigo 191 da Constituição, reproduzido no artigo 1.239 do Código Civil, ao permitir a usucapião de área não superior a 50 hectares, estabelece apenas o limite máximo possível, não a área mínima. “Mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a esse, ou seja, o trabalho pelo possuidor e sua família, que torne a terra produtiva, dando à mesma função social”, afirmou.

Ele disse ainda que, como não há na Constituição nem na legislação ordinária regra que determine área mínima sobre a qual o possuidor deve exercer a posse para que seja possível a usucapião especial rural, “a conclusão natural será pela impossibilidade de o intérprete discriminar onde o legislador não discriminou”.

O ministro lembrou também que esse tipo de usucapião só é cabível na posse marcada pelo trabalho. Por isso, “se o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possui área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e de sua família, mediante exploração direta e pessoal, parece menos relevante o fato de aquela área não coincidir com o módulo rural da região ou ser até mesmo inferior”. Ainda em seu voto, destacou “permitir a usucapião de imóvel cuja área seja inferior ao módulo rural da região é otimizar a distribuição de terras destinadas aos programas governamentais para o apoio à atividade agrícola familiar”.

Portanto, também não vislumbro motivo para o impedimento da usucapião extrajudicial em caso análogo ao apresentado porquanto a família pretende usucapir um imóvel rural inferior ao módulo rural, pois nele desenvolve seu sustento através do trabalho com a terra e garante a função social desta. Além disso, o objetivo do Estatuto da Terra definido em seu artigo 1º é regular os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola.

Outra possibilidade que julgo também ser viável, porém, trabalhosa, seria fundamentar a possibilidade da usucapião extrajudicial de área menor que o módulo rural com o próprio artigo 65 do Estatuto da Terra em seu parágrafo 5º que apregoa o seguinte: “não se aplica o disposto no caput deste artigo aos parcelamentos de imóveis rurais em dimensão inferior à do módulo, fixada pelo órgão fundiário federal, quando promovidos pelo Poder Público, em programas oficiais de apoio à atividade agrícola familiar, cujos beneficiários sejam agricultores que não possuam outro imóvel rural ou urbano”.

Dispõe ainda o artigo 6º, do Estatuto da Terra e seu parágrafo 1º:

6º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão unir seus esforços e recursos, mediante acordos, convênios ou contratos para a solução de problemas de interesse rural, principalmente os relacionados com a aplicação da presente Lei, visando a implantação da Reforma Agrária e à unidade de critérios na execução desta.

§ 1o Para os efeitos da Reforma Agrária, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA representará a União nos acordos, convênios ou contratos multilaterais referidos neste artigo.

Assim, Sindicatos de Agricultores e o Poder Público também poderiam se unir para facilitar o acesso documental que permita o ingresso com a usucapião extrajudicial de imóveis rurais com área inferior ao módulo rural da região àqueles agricultores que não possuam outro imóvel rural ou urbano e realmente têm cumprido a função social da terra por intermédio da atividade agrícola familiar.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 06 maio 2016.

_______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 06 maio 2016.

_______. ECO. O que são módulos rurais? Disponível em: https://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/27444-o-que-sao-modulos-rurais/. Acesso em: 06 maio 2016.

________. STJ. É possível usucapião especial em propriedade menor que o módulo rural da região. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-jun-23/possivel-usucapiao-especial-propriedade-menor-modulo-rural. Acesso em 05 de junho de 2016.

PAIVA. João Pedro Lamana. Novo CPC introduz a usucapião extrajudicial no país. Disponível em: https://www.irib.org.br/files/obra/Versa771o_correta_Artigo_Lamana_Paiva_Usucapiao.pdf. Acesso em 05 de junho de 2016.
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O presente artigo é uma reflexão pessoal do colunista e não a opinião institucional do CNB-CF.

Extraído de Colégio Extraído de Colégio Notarial do Brasil

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Artigo: Usucapião Extrajudicial versus Módulo Rural II - Marla Camilo

Publicado em 07/06/2016
Por Marla Camilo

No artigo anterior abordei sobre a possibilidade de usucapião extrajudicial de área rural inferior ao módulo rural. E, em recente pesquisa no site Kollemata encontrei um acórdão do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo que autoriza a usucapião de um imóvel rural com área inferior ao módulo rural. Acórdão n. 069770-0/8 do Conselho Superior da Magistratura (CSM). Relator: MACEDO, Luís de. Publicado em 12-05-2000. Segue trechos do Acórdão:

"O usucapião é um modo de aquisição originária da propriedade, ocorrendo quando a pessoa tem a capacidade e qualificação de provocar o reconhecimento do seu direito sobre a coisa. Essa aquisição originária não vincula o adquirente a um titular anterior e não depende também da sua existência. Tal ordem jurídica não é a evocação da lei 5.868/72, que não se volta para a aquisição originária. Seu objeto volta-se pelas aquisições efetivadas derivadamente, ou seja, que possuam sucessão na propriedade, onde o direito de quem adquire está relacionado com o direito de quem transmite. Washington de Barros Monteiro ("Curso", Ed. Saraiva, 1985, 3º vol., pág. 124) ao definir a origem do usucapião, conceitua-o "como de modo originário. Porquanto, para o usucapiente, a relação jurídica de que é titular surge como direito novo, independente da existência de qualquer vinculação com seu predecessor, que, se acaso existir, não será o transmitente da coisa". Transmissão é o ato de transmitir, é a transferência de um direito, sendo essencial a figura do transmitente. O direito do adquirente é derivado, ao passo que no usucapião é originário. Eventual proprietário anterior nada transmite e não se relaciona juridicamente com o usucapiente. Tal diferenciação da origem do título é importante. Se a inscrição é postulada com título derivado, deve-se observar o princípio do art. 8º da lei 5.868/72, que impede a divisão ou desmembramento de área em módulo inferior ou calculado nos termos do seu parágrafo primeiro. Tal vedação refere-se "à transmissão". O usucapião não é derivado de transmissão, mas originário de uma situação de fato comprovada jurisdicionalmente. Portanto, não se aplica a ele a área de módulo mínimo previsto no artigo citado. Caio Mário da Silva Pereira ("Instituições", Ed. Forense, 6ª ed., vol. IV, pág. 87), elucida: "diz-se originária, quando o indivíduo, num dado momento, torna-se dono de uma coisa que jamais esteve sob o senhorio de alguém. É uma propriedade que se adquire sem que ocorra a sua transmissão por outrem, seja voluntária ou involuntária, seja direta ou indireta. E resulta numa propriedade sem relação causal com o estado jurídico anterior da própria coisa."

A Lei nº 5.868/72 que cria o Sistema Nacional de Cadastro Rural, em seu artigo 8º afirma o seguinte:

Art. 8º. "Para fins de TRANSMISSÃO, a qualquer título, na forma do artigo 65, da Lei n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixada no parágrafo 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área".

Nessa medida, esse acórdão é um importante precedente que pode ser utilizado como analogia para o caso em comento, pois a usucapião extrajudicial é forma originária de aquisição de propriedade. Assim, nada obstaria desmembrar ou dividir área inferior ao módulo rural para beneficiar famílias com rendas mais baixas ou aquelas que realmente utilizam os sítios com pequenas atividades agrícolas e enfrentam dificuldade de regularização de suas propriedades, principalmente quando há sucessões de propriedade familiares face aquisição de heranças que geralmente envolvem o desmembramento de uma gleba, tudo em observância à função social da propriedade.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Kollemata. Jurisprudência Registral SP. Íntegra do acórdão n. 069770-0/8 do Conselho Superior da Magistratura (CSM). Relator: MACEDO, Luís de. Publicado em 12-05-2000. Disponível em: https://www.quinto.com.br/Integra.asp?id=3516. Acesso em 05 de junho de 2016.

SANTORO, Paula Freire. Entre o rural e o urbano: zonas de chácaras, sítios de recreio ou ranchos e a preservação do meio ambiente. Disponível em: https://anpur.org.br/app-urbana-2014/anais/ARQUIVOS/GT3-180-35-20140518153453.pdf. Acesso em 05 de junho de 2016.
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O presente artigo é uma reflexão pessoal do colunista e não a opinião institucional do CNB-CF

Extraído de Colégio Notarial do Brasil

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