Apelação - Reparação Civil - Cheque especial - Cancelamento - Notificação prévia - Ausência - Ilícito moral - Caracterização

Apelação - Reparação Civil - Cheque especial - Cancelamento - Notificação prévia - Ausência - Ilícito moral - Caracterização 
 

APELAÇÃO - REPARAÇÃO CIVIL - CHEQUE ESPECIAL - CANCELAMENTO - NOTIFICAÇÃO PRÉVIA - AUSÊNCIA - ILÍCITO MORAL - CARACTERIZAÇÃO

- O cancelamento do limite do cheque especial promovido pela instituição financeira sem prévia notificação do correntista é abusivo e caracteriza ilícito ensejador de danos morais que, em situações tais, emergem do fato em si, objetivamente considerado, e não exigem qualquer outra prova.

- O valor da indenização moral deve ser fixado com razoabilidade e proporcionalidade à luz das circunstâncias do caso.

Recurso provido.

Apelação Cível nº 1.0479.11.013683-1/001 - Comarca de Passos - Apelante: Flávio Ferreira - Apelado: Banco Santander Brasil S.A. - Relator: Des. Saldanha da Fonseca

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 16 de julho de 2014. - Saldanha da Fonseca - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. SALDANHA DA FONSECA - Tratam os autos de ação de indenização ajuizada por Flávio Ferreira em face de Banco Santander Brasil S.A., em que o autor, ao argumento de que o réu, sem qualquer notificação prévia, cortou limite de crédito há muito disponibilizado em conta-corrente de sua titularidade, busca ver reparados os danos daí resultantes.

A teor da r. sentença de f. 76/78, o pedido foi julgado improcedente ao entendimento de que o autor, a quem impunha o encargo, não demonstrou os danos causados em seu patrimônio ideal pela má atuação do réu.

Insatisfeito, o demandante recorre. Com arrimo na apelação de f. 83/88, argumenta, em síntese, que, uma vez reconhecido o caráter ilícito da conduta empresária, os danos morais se presumem ocorridos, sendo isso bastante para autorizar a tutela de reparação, tal como postulada.

Em contrarrazões de f. 94/97, o apelado, refutando a insurgência, bate-se pelo seu desprovimento.

Conheço do recurso, porque preenchidos seus pressupostos de admissibilidade.

A teor do que se apura da inicial, o autor mantém com o réu conta-corrente desde sua abertura, contemplada com limite de crédito totalizado em R$800,00 (oitocentos reais). Que, nada obstante, o réu houve por bem cortá-lo, sem qualquer notificação prévia, e, como tal, de maneira a surpreender o autor, que, despido do crédito àquela altura indispensável para sua sobrevivência digna, dada sua condição de trabalhador de baixa renda, teve que valer-se da ajuda de parentes e amigos.

Citado, o demandado não negou o corte noticiado. Argumentou que a concessão de limite de crédito se insere no âmbito de sua liberalidade. Por conseguinte, "[...] a concessão, revisão ou cancelamento de referido limite pode ser realizada por liberalidade do banco, tomando-se por base suas políticas de crédito, ou por solicitação do próprio correntista, sendo o correntista, em todos os casos, informado da alteração do limite" (f. 44).

A concessão do crédito, conquanto facultada à instituição financeira, não pode, depois de realizada, ser abruptamente rompida, vale dizer, extinta sem prévia notificação do usuário. A notificação prévia denota providência exigível do banco, inclusive a título de boa-fé contratual, como instrumento apto a permitir ao correntista, que mantém justa expectativa em torno do crédito com que vinha sendo beneficiado, organizar-se em face da nova realidade financeira estabelecida com a correspondente subtração.

E, embora tenha feito referência à notificação de que se cuida (f. 44), o réu não logrou prová-la nos autos, ônus que lhe impunha à luz do art. 333, II, do CPC. Portanto, conforme bem anotado na origem, "[...] não tendo o requerido comprovado que o cancelamento do limite de crédito estava embasado em cláusula contratual e que notificou previamente o autor quanto ao cancelamento, resta evidente o ato ilícito praticado por ele" (f. 77).

Nesse cenário, e ainda que o autor não tenha demonstrado prejuízos concretos por ele experimentados com o corte do crédito ou restrição a partir daí ultimada em seu desfavor, tenho que o cancelamento não previamente comunicado constitui, por si só, ato ilícito ensejador de reparação moral.

A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, valendo destacar por amostragem:

"Agravo regimental no agravo em recurso especial. Cheque especial. Cancelamento sem prévia comunicação. Dano moral. Requisitos configurados. Pretensão de afastamento. Impossibilidade. Necessidade de reexame de provas. Súmula 7/STJ. Quantum indenizatório. Valor razoável. 1. Consoante jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, é abusivo o cancelamento do limite do cheque especial sem prévia notificação ao correntista, ensejando o dever de reparação do dano moral. 2. O col. Tribunal de origem manteve a condenação do recorrido ao pagamento de indenização por danos morais, concluindo pela presença dos requisitos ensejadores da responsabilidade civil da instituição financeira. Rever tal entendimento, nos moldes em que ora postulado, demandaria a análise do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ, que dispõe: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". 3. O entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça é de que o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que não se evidencia no presente caso. Desse modo, não se mostra desproporcional a fixação em R$15.000,00 (quinze mil reais) a título de reparação moral decorrente da inscrição indevida em cadastro de restrição creditícia, motivo pelo qual não se justifica a excepcional intervenção desta Corte no presente feito, como bem consignado na decisão agravada. 4. Agravo regimental a que se nega provimento" (AgRg no AREsp 331.923/SP - Relator: Ministro Raul Araújo - Quarta Turma - j. em 20.08.2013 - DJe de 20.09.2013).

Quanto aos danos morais, cuja caracterização advém do fato em si (corte de limite de crédito não previamente informado) e não exige mesmo qualquer outra prova, tenho que a indenização a esse título arbitrada deve ser fixada segundo as circunstâncias do caso concreto, sopesados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, grau da ofensa, sua repercussão e as condições das partes.

Dessa feita, tomando as circunstâncias do caso, que, a meu aviso, não espelham mera amolação, sem perder de vista razão e proporção, tampouco a particularidade de que, embora dotadas de caráter punitivo, indenizações tais não podem ancorar enriquecimento ilícito, tenho por aceitável arbitrar em R$4.000,00 (quatro mil reais) o montante a ser pago pelo réu ao autor. Importa anotar que o autor, a quem impunha o ônus probatório, não demonstrou maiores prejuízos sofridos com a suspensão do crédito que, embora constitua, por si só, ilícito indenizável, neste contexto não autoriza compensação segundo monta mais expressiva.

Teses e preceitos em contrário alçados não amparam solução outra, motivo pelo qual ficam afastados.

Ao abrigo de tais fundamentos, dou provimento à apelação e, em reforma, julgo o pedido procedente para impor ao réu que pague ao autor R$4.000,00 (quatro mil reais) a título de indenização moral, valor que deverá ser acrescido de juros moratórios de 1% ao mês desde a citação (Súmula 54 do STJ) e monetariamente atualizado pelos índices da egrégia Corregedoria-Geral de Justiça a contar desta decisão (Súmula 362 do STJ). Em razão disso, determino que apenas o réu responda pelas custas, inclusive recursais, e pelos honorários advocatícios fixados na origem, que, todavia, passarão a incidir sobre o valor da condenação.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Domingos Coelho e José Flávio de Almeida.

Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO
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Data: 05/08/2014 - 11:59:34   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico

Extraído de Sinoreg/MG

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