Brasileiro nato que adquire nacionalidade norte-americana perde a brasileira, diz STF

Brasileiro nato que adquire nacionalidade norte-americana perde a brasileira, diz STF

quinta-feira, 31 de agosto de 2017 12:56

Pela primeira vez, uma brasileira nata perdeu a sua nacionalidade e sujeitou-se à prisão para fins de extradição[i], com o aval da suprema corte brasileira.

De acordo com a tese fixada pela 1a Turma do Supremo Tribunal Federal[ii], brasileiro nato que por livre e espontânea vontade adquire a nacionalidade estadunidense renuncia automaticamente à nacionalidade originária, cuja perda deve ser declarada, de ofício, pelo Ministro da Justiça.

O entendimento sobre o tema era pacífico no sentido diametralmente oposto: a aquisição voluntária da nacionalidade norte-americana não causava prejuízos à brasileira, pois era considerada condição indispensável para residência legal irrestrita, bem como para o pleno exercício de direitos civis nos Estados Unidos. Consequentemente, brasileiro nato estava absolutamente imune à extradição, quaisquer que fossem as circunstancias e a natureza do delito cometido nos EUA[iii].

A 1ª Turma do STF, por maioria, com voto condutor do ministro Luís Roberto Barroso, decidiu que brasileiro perde automaticamente a nacionalidade originária ao naturalizar-se norte-americano, com base em duas suposições: 1ª) a desnecessidade de portador de visto de permanência (Green Card) naturalizar-se americano para residir e exercer direitos civis nos EUA; 2ª) o juramento de fidelidade, efetuado durante a solenidade de naturalização nos EUA, constitui “ato de renúncia à nacionalidade brasileira”.

A Constituição da República estabelece que a nacionalidade brasileira não será perdida pela aquisição de outra, na hipótese da naturalização ser imposta pelo estado estrangeiro “como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis[iv]”.

Brasileiros portadores de Green Card frequentemente recorrem à naturalização para viabilizar a fruição de direitos civis somente disponíveis à cidadãos estadunidenses, tais como votar em eleições federais e locais; concorrer a cargos públicos; peticionar para vistos de permanência em benefício de familiares próximos; servir como jurado em júri popular; trabalhar em agências governamentais federais; entrar e sair dos EUA sem restrições, mesmo após longos períodos de ausência; usufruir benefícios de assistência e previdência social sem restrições; não ser deportado, salvo na hipótese de fraude na obtenção da nacionalidade; e usufruir de benefícios tributários na sucessão hereditária, dentre outros.

O juramento de fidelidade feito durante a cerimônia de naturalização no exterior, no sentido de “renunciar e abjurar fidelidade a qualquer Estado ou soberania”, constitui formalidade desprovida de eficácia jurídica para destituir cidadão brasileiro de sua condição de nacional do Brasil. Por questão de soberania nacional, a Constituição da República constitui a única fonte normativa das hipóteses taxativamente previstas para aquisição e perda da nacionalidade brasileira.

O procedimento constante no site Portal Consular do Ministério de Relações Exteriores[v] (Itamaraty) descarta, categoricamente, qualquer espécie de perda automática de nacionalidade, ao dispor que, “ao tornar-se cidadão estrangeiro, por processo de naturalização, o cidadão brasileiro não perde automaticamente a cidadania brasileira, mas sim, passa a ter dupla cidadania: brasileira, por nascimento, e a estrangeira, por naturalização. (…) somente será instaurado processo de perda de nacionalidade quando o cidadão manifestar expressamente, por escrito, sua vontade de perder a nacionalidade brasileira. Caso contrário não ocorrerá processo de perda de nacionalidade”.

De acordo com estatísticas do Departamento de Imigração dos EUA, anualmente, aproximadamente 10 mil brasileiros[vi] adquirem voluntariamente a nacionalidade norte-americana. Esse enorme contingente de expatriados optou pela naturalização seguindo a supracitada orientação do Itamaraty e sem a intenção de abrir mão de sua condição jurídica de nacional do Brasil.

Se prevalecer a tese chancelada pelo ministro Barroso no julgamento do MS 33.864/DF, o Ministério da Justiça terá competência para instaurar, de ofício e a qualquer tempo, procedimento administrativo com a finalidade de declarar a perda de nacionalidade de dezenas de milhares de brasileiros naturalizados americanos.

A destituição forçada de seu direito fundamental à nacionalidade acarretará o cancelamento de passaporte brasileiro, título eleitoral e obrigações fiscais com o Brasil, bem como a necessidade de visto para entrar e permanecer legalmente em nosso país. Quem tem vínculo empregatício com o Brasil precisará de visto de trabalho para continuar no emprego. O limbo jurídico será ainda mais grave para aqueles que optaram pela naturalização com a convicção de que seriam detentores de dupla nacionalidade e hoje ocupam, de boa-fé, cargos públicos privativos de brasileiros.

O supracitado precedente da 1ª Turma do STF não tem caráter vinculante. Sobreveio acordão da 1ª Seção do STJ, em caso relativamente semelhante, no qual ficou decidido, por unanimidade, a existência de direito líquido e certo à manutenção da dupla nacionalidade, em razão da aquisição da nacionalidade estadunidense dar-se como imposição para o exercício de direitos civis, sejam quais forem estes direitos[vii].

O relator do mandado de segurança, ministro Benedito Gonçalves, destacou que “… Não é lícito ao Brasil, a partir da redação dada ao art. 12 da Constituição pela EC n. 3/94, exigir de seus nacionais que abram mão de uma segunda cidadania quando o planejamento de vida deste brasileiro abrace outra nacionalidade, a par da brasileira. Não é a pessoa humana que deve servir aos interesses do Estado, mas sim o Estado que é criação humana destinada a colaborar para a felicidade e não para a infelicidade das pessoas”. Há recurso extraordinário pendente de julgamento no STF, de relatoria do ministro Edson Fachin[viii].

_____________________________________

[i] PPE 694.
[ii] MS 33.864/DF.
[iii] QO no HC 83.113-3, relator ministro Celso de Mello.
[iv] Art. 12, § 4º, II, b, da CF/88, incluído pela Emenda Constitucional de Revisão 3/1994.
[v] https://www.portalconsular.itamaraty.gov.br/outros-servicos/nacionalidade-brasileira.
[vi] United States Homeland Security: https://www.dhs.gov/sites/default/files/publications/Naturalizations_2015.pdf e ss.
[vii] MS 20.200/DF.
[viii] RE 1.020.261.

Por Adriana Rizzotto

Fonte: Conjur
Extraído de Anoreg/BR

 

Notícias

STJ reconhece filiação socioafetiva entre homem e pai falecido

STJ reconhece filiação socioafetiva entre homem e pai falecido 12/02/2025 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do Migalhas) Atualizado em 13/02/2025 Um homem conseguiu no Superior Tribunal de Justiça – STJ o reconhecimento da filiação socioafetiva entre ele e seu pai já...

STJ valida uso de assinatura eletrônica não certificada pela ICP-Brasil

Avançada X Qualificada STJ valida uso de assinatura eletrônica não certificada pela ICP-Brasil José Higídio 12 de fevereiro de 2025, 12h48 Para a relatora, a assinatura avançada é equivalente à firma reconhecida por semelhança, enquanto a qualificada seria a firma reconhecida por autenticidade. É...

Tios devem justificar uso e administração de pensões e herança de sobrinha

Tios devem justificar uso e administração de pensões e herança de sobrinha 10/02/2025 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do TJSC) Em Santa Catarina, um casal deverá prestar contas sobre os bens administrados de pensão e herança da sobrinha, referentes ao período pelo qual...

Erro essencial? Juíza nega anular casamento por doença mental da esposa

Caso de divórcio Erro essencial? Juíza nega anular casamento por doença mental da esposa Homem alegou que se casou sem saber de problema psiquiátrico, mas juíza não viu requisitos do CC para anulação. Em vez disso, concedeu o divórcio. Da Redação segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025 Atualizado às...