Casal não consegue registrar a filha gerada em barriga de aluguel
06/09/2012 09:14
Burocracia
A doação
Casal não consegue registrar a filha gerada em barriga de aluguel, em GO
Menina tem 1 ano e 6 meses e ainda não possui certidão de nascimento. Não existe no Brasil legislação que abranja o caso, explica especialista.
Há um ano e seis meses, o técnico em informática Ériko Gomes, de 35 anos, e sua mulher, a comerciante Jordana Maria de Oliveira, de 30 anos, tentam registrar a filha deles, Soraya, de 1 ano e 6 meses. A criança foi concebida em Goiânia em um útero em substituição, mais conhecido como barriga de aluguel. Segundo os especialistas ouvidos pelo G1, a demora se dá porque não existe no Brasil uma legislação específica sobre o caso.
O único documento que Soraya possui é a Certidão de Nascido Vivo, emitida no dia de seu nascimento, 23 de fevereiro de 2011. No documento está registrado o nome da comerciante Dulcenilda Gomes Sobrinho, de 40 anos, irmã de Ériko. Foi ela quem cedeu o útero para a gestação da criança.
“Não sabemos o porquê de não conseguirmos fazer o registro. Talvez falte interesse, porque já tem 1 ano e 6 meses, muito tempo. Tem alguma coisa errada”, declara, indignado, o técnico em informática. Assim que Soraya nasceu, ele foi ao Juizado da Infância e Juventude e lá o orientaram a procurar um advogado. “Abri um processo no Fórum de Goiânia, mas ele [o processo] fica de um juiz para o outro e não resolve nada”, reclama Ériko.
O defensor público que atende o caso, Diógenes Magalhães, explica que o processo já foi transferido de vara três vezes. “Um dos motivos da demora no julgamento do caso foi a redistribuição necessária, em razão da Lei Estadual nº 17.542, de 10/01/2012, cujo objetivo foi criar novas varas cíveis. Com isto, a redistribuição de milhares de processos acarretou na paralisação em seus andamentos”, explica o advogado.
Agora, segundo o defensor, os autos aguardam a citação da doadora do útero e do marido dela. “Em razão do processo correr em segredo de Justiça, há uma maior dificuldade em seu acompanhamento e uma maior demora no conhecimento da medida solicitada pelos juízes", esclarece. Ele informou que o caso está parado na 6ª Vara de Família e Sucessões.
Através de nota enviada por sua assessoria de imprensa ao G1, às 10h20 desta terça-feira (4), o Tribunal de Justiça de Goiás esclarece que não pode interferir no trâmite natural do processo, já que “para cada feito, existe um magistrado designado para conduzir caso a caso”. Informa ainda que existem ferramentas disponíveis no Judiciário de Goiás para esse tipo de reclamação, entre eles, cita a nota, a Ouvidoria-Geral da Justiça e o Serviço de Atendimento ao Usuário.
Burocracia
Para ele, ainda não há como precisar por quanto tempo mais o processo irá demorar para ser concluído “O excesso de cautela da Promotoria Pública também causa demora na conclusão do processo. Já tínhamos entregue o documento autenticado com o atestado em que a Dulcenilda Gomes e marido dela autorizavam a barriga de aluguel, mas a promotora pediu uma nova autenticação. Já houve três diligências nesse caso”, detalha o advogado.
Ériko conta que, antes de iniciar o procedimento para que irmã ficasse grávida, ele consultou um advogado, mas que este não o orientou da maneira correta. “Ele aconselhou que procurássemos a Justiça depois que o bebê nascesse para ver o que podia ser feito. Aí começaram os problemas”, lembra o técnico.
Para a presidente do Instituto Brasileiro de Família Goiás (IBDFAM), Maria Luiza Póvoa Cruz, se a doadora do útero fosse a irmã de Jordana ou a mãe dela, o processo para conseguir o registro seria menos burocrático. Isso porque a Resolução 1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina (CFM) estipula que as doadoras do útero devem pertencer à família da doadora do material genético, em parentesco de até 2º grau. Para os demais casos, não há uma legislação específica e eles ficam sujeitos à autorização do CFM.
Maria Luiza, que advoga na área da família, é ex-juíza e uma das pioneiras no caso de útero em substituição no estado. Em 2003, autorizou que uma amiga cedesse o útero a outra e que a criança, quando nascesse, fosse registrada no nome da doadora do material genético. A decisão proferida por ela foi confirmada no Tribunal de Justiça.
“Hoje, existe maternidade socioafetiva. A questão afetiva está acima da biológica. O que comanda o direito da família é o afeto. Este é o princípio constitucional que permeia todo o direito de família”, alega Maria Luiza.
A doação
A cunhada de Jordana, que foi quem cedeu o útero para a barriga de aluguel, lamenta tamanha burocracia. Ela conta que se ofereceu para gerar a sobrinha quando ainda estava grávida do seu terceiro filho. “Eu e ele [Ériko] somos irmão únicos, não temos pai nem mãe mais. Nossa família já é reduzida. Então, quando soube da situação da Jordana, me comovi”, afirma Dulcenilda. Ela conta que recebeu todo o apoio do marido: “Ele foi um guerreiro”.
Casado há sete anos com Jordana, Ériko conta que a mulher sempre soube que tinha problemas no útero, mas que, após o casamento, quando veio a dificuldade para engravidar, ela fez exames mais completos que comprovaram a ausência do útero. “Antes disso, os médicos diziam que ela tinha útero infantil, que o órgão não tinha crescido. Com esses diagnósticos errados, sempre ficamos na esperança de que o quadro se revertesse”, lembra Ériko.
Agora, a esperança é que a Justiça seja favorável ao pedido da confecção do registro. “Nossa maior vontade é poder levá-la para viajar, colocar o nome dela no plano de saúde e ter uma vida normal. Ter documento é um direito de qualquer pessoa. Às vezes, passo por blitz com ela e fico com medo porque tenho que chamar minha cunhada e isso é constrangedor”, afirma a comerciante Jordana.
Ériko, que trabalha em uma empresa na África e vem para Goiás a cada três meses, sonha em poder levar a mulher e a filha com ele. “A empresa já me ofereceu condições para levá-las para morar comigo”, declara o técnico.
Para ele e a mulher, a vida de Soraya é um milagre, o que faz com que eles tenham ainda mais esperança de poder registrar a filha em breve. “Acreditamos intensamente que foi um milagre de Deus, pois há muito tempo pedíamos por essa criança todos os dias e, pelo modo que aconteceu, foi realmente um milagre. Deu tudo certo, todos os procedimentos. A concepção aconteceu na primeira tentativa. Não temos dúvida alguma que, sem Deus ter intercedido por nós, isso tudo não seria possível”, acredita o pai.
Fonte: G1
Publicado em 04/09/2012
Extraído de Recivil