Citação por WhatsApp no processo civil: Validade e efetividade

Citação por WhatsApp no processo civil: Validade e efetividade

João Vitor dos Santos

O CPC de 2015 permite citação eletrônica, e o CNJ aprovou o uso do WhatsApp para intimações, desde que haja confirmação de recebimento.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025
Atualizado em 31 de janeiro de 2025 15:14

No contexto do processo civil brasileiro, o CPC/15 (lei 13.105/15) elenca os meios pelos quais a citação pode ser realizada. Tradicionalmente, esse ato processual sempre ocorreu por meios físicos, como por oficial de justiça ou por Correios.

No entanto, o CPC abriu espaço para o uso de meios eletrônicos, especialmente por meio dos sistemas dos tribunais, como o PJE. Até o final de 2024, de acordo com o relatório do CNJ, quase todos os Estados e sistemas já aderiram à citação eletrônica, evidenciando o compromisso do judiciário com as adequações tecnológicas.

Assim, questiona-se em que medida aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, podem se enquadrar nessa previsão, mormente em razão de sua ampla difusão na sociedade brasileira.

Historicamente, em 2017, o CNJ aprovou por unanimidade, durante o julgamento do PCA - Procedimento de Controle Administrativo 0003251-94.2016.2.00.0000, o uso do aplicativo WhatsApp como ferramenta de intimação em todo o Judiciário. A decisão foi fundamentada através da portaria 01/15, elaborada pelo Juizado Especial Cível e Criminal de Piracanjuba, em conjunto com a OAB local.

O uso do aplicativo foi totalmente facultativo, aplicando-se apenas às partes que voluntariamente aderissem aos seus termos, e sua utilização seria restrita à realização de intimações.

A norma ainda estabeleceu que o recebimento da mensagem deve ser confirmado no mesmo dia do envio. Caso contrário, a intimação deverá ser feita pelos meios tradicionais.

O uso do aplicativo ganhou ainda mais força durante a pandemia da Covid-19, quando o CNJ editou a resolução 354/20, confirmando, por meio do art. 8º, que as citações podem ser feitas de forma eletrônica, desde que seja garantido que o destinatário tomou conhecimento do teor da comunicação, abrindo margem, portanto, para o uso de aplicativos como o WhatsApp.

Nesse sentido, para a efetiva citação eletrônica, o art. 10º determinou que seja comprovado:

a) o envio e o recebimento da mensagem, incluindo a data e hora do recebimento; ou

b) certidão detalhada, atestando como o destinatário foi identificado e tomou ciência do conteúdo da citação.

Por fim, o CNJ delegou aos tribunais regulamentar a aplicação desta resolução no âmbito de suas jurisdições, permitindo que cada tribunal defina procedimentos específicos para o uso do WhatsApp e outros meios eletrônicos.

Na mesma seara, no julgamento do REsp 2.045.633, o colegiado, sob a relatoria da excelentíssima ministra Nancy Andrighi, anulou uma citação realizada por meio do WhatsApp. A decisão considerou que a ré sofreu prejuízo ao ser declarada revel em uma ação de destituição do poder familiar. No caso específico, o oficial de justiça enviou a mensagem contendo a citação e a contrafé para a filha da ré pelo WhatsApp, sem que houvesse a devida certificação prévia da identidade da destinatária.

Além disso, o citando era analfabeto, equiparando-se ao incapaz, aplicando-se, portanto, a norma do art. 247, II, do CPC, que veda a citação por meio eletrônico nessa hipótese.

Apesar de reconhecer a nulidade da citação no caso concreto, a ministra Nancy Andrighi ressaltou que, em qualquer situação que envolva a formalidade dos atos processuais, é fundamental avaliar se o desrespeito à forma prevista em lei implica necessariamente sua nulidade ou se o ato, mesmo realizado de forma irregular, atingiu sua finalidade essencial de dar ciência inequívoca ao destinatário, in verbis:

"É previsto investigar, em qualquer situação que envolva a formalidade dos atos processuais, se o desrespeito à forma prevista em lei sempre implica, necessariamente, nulidade ou se, ao revés, o ato praticado sem as formalidades legais porventura atingiu o seu objetivo (dar ciência inequívoca a respeito do ato que se pretende comunicar), ainda que realizado de maneira viciada, e pode eventualmente ser convalidado." - g.n.

A ministra ainda conclui que, embora não exista uma norma específica que regulamente a citação via WhatsApp, essa forma de comunicação pode ser considerada válida desde que atenda à finalidade de informar o réu sobre a ação judicial proposta:

"Se a citação for realmente eficaz e cumprir a sua finalidade, que é dar ciência inequívoca acerca da ação judicial proposta, será válida a citação efetivada por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp, ainda que não tenha sido observada forma específica prevista em lei, pois, nessa hipótese, a forma não poderá se sobrepor à efetiva cientificação que indiscutivelmente ocorreu", - g.n.

Além da citação por WhatsApp encontrar guarida tanto legal quanto jurisprudencialmente, por meio do STJ e do CNJ, uma das mais evidentes vantagens é a celeridade processual, reduzindo o tempo e os custos com diversas tentativas de citações que, muitas vezes, são frustradas pela dificuldade em localizar o réu.

Nesse sentido, é importante destacar que a citação, como instrumento essencial para garantir os princípios do contraditório e da ampla defesa, não deve ser frustrada por eventuais comportamentos evasivos do réu que visem impedir o regular desenvolvimento do processo. A utilização de ferramentas como o WhatsApp, quando observadas todas as normas, atua como um meio legítimo para assegurar a efetividade desses princípios.

Não obstante, a adoção de tecnologias já consolidadas no cotidiano da população instiga a modernização e a adaptação do Poder Judiciário à realidade social. Ao legitimar a citação por WhatsApp, o Judiciário aproxima-se dos cidadãos, conferindo efetividade prática ao princípio da celeridade processual (art. 4º do CPC) e à garantia de razoável duração do processo, prevista no art. 5º, LXXVIII, da CF/88.

Embora a implementação de novos instrumentos costume encontrar resistência no meio jurídico, em especial pela tradição formalista e pela preocupação com a segurança jurídica, cabe lembrar que o ordenamento já evoluiu consideravelmente quanto à aceitação de peticionamento eletrônico, audiências virtuais e intimações por e-mail. Assim, a citação por WhatsApp, ou outros meios digitais, é um passo coerente com a evolução processual já em curso.

Portanto, utilização da citação por WhatsApp demonstra a capacidade do Poder Judiciário de equilibrar a tradição e a inovação, utilizando ferramentas tecnológicas para aprimorar a eficiência e a celeridade na comunicação processual. Assim, enquanto a digitalização dos atos processuais avança, o foco deve permanecer no aprimoramento contínuo da comunicação processual, sem prejuízo à integridade do devido processo legal.

Concluindo, a citação por WhatsApp, como prática inovadora no âmbito processual civil, revela-se um passo significativo rumo à modernização e celeridade da justiça. Ou seja, observadas as formalidades legais e os princípios fundamentais, demonstra ser uma ferramenta eficaz para aprimorar a comunicação processual.

Logo, a partir do respaldo legal, jurisprudencial e das experiências práticas já vivenciadas, é possível afirmar que essa modalidade de citação contribui para tornar o Poder Judiciário mais ágil, acessível e alinhado às necessidades da sociedade contemporânea.

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1 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/22082023-Citacao-por-aplicativo-de-mensagem-pode-ser-valida-se-der-ciencia-inequivoca-da-acao-judicial.aspx

2 https://www.cnj.jus.br/whatsapp-pode-ser-usado-para-intimacoes-judiciais/

3 https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3579 

4 https://www.migalhas.com.br/arquivos/2023/8/B6284E484E6C5C_whatsstj2.pdf

João Vitor dos Santos
Advogado - Parada Advogados

Fonte: Migalhas

                                                                                                                            

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