Da fraude ao “vigilantismo”, documento único traz riscos

Da fraude ao “vigilantismo”, documento único traz riscos

A ideia parece boa, mas, segundo especialistas, implantação do novo sistema de identidade deve ser precedida de muita discussão e cuidados

Pedro de Castro  [05/12/2009]  [22h13]

A implantação de um documento único para a identificação dos brasileiros levanta algumas questões relativas à privacidade e à possibilidade de abusos na vigilância do Estado. A adoção do Registro Único de Identidade Civil (RIC) foi autorizada em lei na metade de outubro, mas ainda depende de regulamentação por meio de um decreto do Executivo. De acordo com o Ministério da Justiça, a ideia é que, até 2017, 150 milhões de brasileiros tenham suas digitais e informações pessoais cadastradas no banco de dados.

O texto da lei prevê que o RIC assuma o papel da identificação dos cidadãos em sua relação com os poderes público e privado, hoje desempenhada por vários documentos, como RG, CPF, Carteira de Motorista, de Trabalho e de Previdência Social. Isso significa que boa parte da vida civil do indivíduo – como a abertura de contas e crédito, compras em que se exige cadastro, pagamento de impostos, entre outros – será associada a um número único e à impressão digital.

Para estudiosos da privacidade, isso aumenta o potencial danoso de fraudes caso o sistema seja violado e as informações vazem. O número único também permite o rastreamento dos indivíduos pelo Estado – poder que, se não controlado, facilita o "vigilantismo".

Fraude

Os riscos associados a uma identidade única advêm do fato de que o papel é apenas uma parte do sistema. Por trás do papel há o banco de dados que concentra as informações associadas a ele – no caso do RIC, todos os documentos que ele substitui e impressões digitais, observa o doutor em Direito pela Universidade do Rio de Janeiro Danilo Doneda, reconhecido como um dos maiores especialistas em privacidade no país. "É o acesso a esses dados que confere muito poder ao seu detentor, seja ele um agente público ou privado. O grau de acesso conseguido é muito alto, pois mesmo digitais podem ser fraudadas eletronicamente", alerta.

A preocupação mais imediata ao cidadão é a possibilidade de fraude. Os detalhes do RIC apresentados pelo Ministério da Justiça até agora citam várias técnicas contra fraudes usadas no cartão, como o uso de materiais especiais, chips e a biometria. Mas pouco se sabe ainda sobre o próprio banco de dados. "Nada garante a impossibilidade de fraude nesse sistema, assim como de venda dessas informações e não há leis ou entidades no país voltadas a isso, não há formas de fiscalização", considera a socióloga Marta Kanashiro, que defende doutorado sobre o uso da biometria no Brasil. Ela elenca a possibilidade de crimes bancários – o "roubo de identidade" –, mas também o uso político e a perseguição, como chantagem e confecção de dossiês.

Vigilância injusta

Outro risco que o RIC apresenta é menos palpável ao indivíduo: o do abuso das informações para um vigilância injusta do Estado sobre a sociedade. Essa possibilidade não deve ser subestimada, pensa o presidente da Comissão de Tec­nologia da Informação do Conselho Federal da OAB, Alexandre Atheniense. É fato que todas as informações do RIC já existem hoje nos bancos de dados de várias instituições, da Previdência Social à Receita Federal, como salienta a Polícia Federal. No entanto, é a maior facilidade de acesso e cruzamento dos dados que aumenta o risco do "vigilantismo". "No universo da tecnologia da informação sabemos que a lei é o que o sistema permite, e quem faz as regras é o seu proprietário. Se não houver uma maneira de limitar o uso cotidiano do banco de dados, é natural que ele seja abusivo", considera.

Uma maneira de limitar os riscos apresentados pelo RIC é por meio da elaboração de uma legislação específica sobre privacidade de dados do cidadão em posse do estado e a criação de um órgão público fiscalizador que abrigue representantes da sociedade civil – a exemplo do Comitê Gestor da Internet. "O Brasil é um dos poucos países democráticos que não tem esse tipo de regulamentação. Se o RIC chegar desacompanhado desse arranjo, veremos um forte desequilíbrio na relação de poder entre o Estado e a população, em detrimento do lado mais fraco", prevê o jurista Doneda. "A falta de participação e transparência no processo de implementação do RIC no Brasil é um fato presente, não uma ameaça futura. É a repetição no Brasil de uma aceitação irrefletida, por parte da sociedade, de processos que nos chegam de cima para baixo", acredita a socióloga Marta.

Mesmo o uso de técnicas avançadas de criptografia não garante uma blindagem de um banco de dados da magnitude que deve ter o RIC. Esses procedimentos podem, no máximo, limitar o número de pessoas que têm acesso irrestrito ao sistema, pondera o PhD em Matemática Aplicada pela Universidade da Califórnia Pedro Rezende. "Você tem a possibilidade de encriptar o banco de dados para que ele seja inacessível fora do sistema central. De qualquer forma, alguém vai ter o segredo do código, seja um grupo de pessoas de alta responsabilidade ou os programadores." O risco em um sistema com criptografia interna pode ser até maior, na visão de Rezende. "Todo sistema está sujeito a falha humana.

Fonte: Gazeta do Povo

Notícias

Portal da Transparência

CNJ lança Portal da Transparência do Judiciário na internet Quinta, 20 de Janeiro de 2011     Informações sobre receitas e despesas do Poder Judiciário federal estão disponíveis no Portal da Transparência da Justiça (https://www.portaltransparencia.jus.br/despesas/), criado pelo Conselho...

Dentista reclama direito a aposentadoria especial

Quarta-feira, 19 de janeiro de 2011 Cirurgião dentista que atua no serviço público de MG reclama direito a aposentadoria especial Chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) Reclamação (Rcl 11156) proposta pelo cirurgião dentista Evandro Brasil que solicita o direito de obter sua aposentadoria...

OAB ingressará com Adins no STF contra ex-governadores

OAB irá ao Supremo propor cassação de pensões para os ex-governadores Brasília, 17/01/2011 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, afirmou hoje (17) que a OAB ingressará com ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) no Supremo Tribunal Federal contra todos...

Desmuniciamento de arma não conduz à atipicidade da conduta

Extraído de Direito Vivo Porte de arma de fogo é crime de perigo abstrato 14/1/2011 16:46   O desmuniciamento da arma não conduz à atipicidade da conduta, bastando, para a caracterização do delito, o porte de arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar....

Prática de racismo no ambiente de trabalho

Extraído de JusBrasil Apelidos racistas no ambiente de trabalho geram danos morais Extraído de: Direito Vivo - 38 minutos atrás   Na Justiça do Trabalho de Minas ainda é grande a incidência de processos que denunciam a prática de racismo no ambiente de trabalho. Mas a sociedade moderna e as...