Decisões determinam que realidade social conste no registro civil

Decisões determinam que realidade social conste no registro civil

Publicado em: 13/03/2017

Em decisão publicada no último dia 22 de fevereiro, o juiz da 2ª Vara de Família, José Eustáquio Lucas Pereira, determinou a alteração do nome e do gênero de M.G.S. nas certidões de registro público, substituindo-os para ficarem de acordo com sua condição feminina, após cirurgia de redesignação de sexo.

Em outra decisão, em dezembro de 2016, o magistrado concedeu a uma mulher o direito de acrescentar o nome dos pais afetivos ao seu registro original, mantendo o nome da mãe biológica, falecida durante o parto dela, e excluindo o nome do pai biológico, que comprovadamente não esteve presente na criação da jovem.

Gênero e nome social

Na ação de alteração de registro civil para a substituição de prenome e mudança de gênero, M.G.S. argumentou que seu registro era incompatível com sua realidade física e psíquica, porque, tendo nascido sob o sexo masculino, aos 7 anos de idade percebeu que psicologicamente pertencia ao sexo feminino. Ela informou que passou a usar roupas femininas e sentir atração por homens. Também disse que passou a ingerir hormônios para se assemelhar às mulheres.

M.G.S. declarou que passou a sofrer diversos problemas psicológicos em razão do elevado grau de preconceito frente a sua condição e que já realizou a cirurgia de re-especificação de sexo. Enfatizou que se sente mulher e assim se apresenta perante a sociedade, mas que todas as vezes que precisa apresentar seus documentos, onde constam o nome e o sexo masculinos, acaba sofrendo constrangimentos degradantes, uma vez que sua aparência é tipicamente feminina.

Ao analisar o pedido, o juiz José Eustáquio Lucas Pereira destacou que a requerente se submeteu à cirurgia de redesignação sexual em agosto de 2003 no Hospital das Clínicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Também observou que, na época da cirurgia, estava vigente a Resolução 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina, que exigia criteriosa avaliação de uma equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social para a seleção dos pacientes para a cirurgia de transgenitalismo.

Por essas razões, o magistrado entendeu que não há dúvidas quanto ao diagnóstico e à condição de transexualidade, reconhecendo ainda os constrangimentos pelos quais passa a requerente ao ter de exibir documentos que não condizem com sua realidade física e psíquica.

“Afinal, de que adianta realizar uma cirurgia de mudança de sexo, tida pelo Conselho Federal de Medicina como uma solução terapêutica para um transtorno de identidade sexual, se o paciente tem de lidar com os olhares de repúdio das pessoas ao se depararem com documentos que desmentem sua realidade existencial feminina?”, questionou.

O juiz determinou a retificação do prenome da solicitante para o que ela já usa socialmente há anos, mantendo sem alteração seus sobrenomes, bem como a alteração da anotação quanto ao sexo. Na decisão, determinou a expedição de mandado de averbação para o cartório, advertindo que o histórico das mudanças deve constar apenas nos livros cartorários, ressaltando que é vedada qualquer menção nas certidões de registro público. Estas devem conter somente a nova identidade.

Reconhecimento de multiparentalidade

Ao analisar o pedido de alteração da certidão de nascimento, para incluir os nomes dos pais que criaram a jovem J.S.C. e excluir o nome do pai biológico, sem que fosse retirado o nome da mãe, o magistrado fundamentou-se no reconhecimento judicial de multiparentalidade.

Entre várias jurisprudências e dispositivos legais, o magistrado destacou “a superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos”, princípio consequente da proteção da dignidade humana.

Também motivaram a decisão os estudos sociais forenses juntados pelos autores, um datado de 1992 e o outro de 2015, que ratificaram existência daqueles laços familiares.

Destacando não ser o caráter biológico o critério exclusivo na formação de vínculo familiar, o magistrado concluiu pelo reconhecimento judicial da "multiparentalidade", com a publicidade decorrente do registro público de nascimento.

Vínculo afetivo e alteração do registro civil

A jovem J.S.C. e o casal Z.R.F. e P.A.F. requereram o reconhecimento da paternidade socioafetiva deles, que se tornaram responsáveis pela jovem ainda na maternidade, por ocasião do falecimento de sua mãe em 1989.

Narraram que, em razão de algumas complicações do estado saúde da mãe e do nascimento prematuro do bebê, a mãe biológica de J.S.C. faleceu, e esta precisou de cuidados médicos por um período maior de tempo, permanecendo no hospital. Como o pai biológico alegou impossibilidade de cuidar da filha recém-nascida, o casal assumiu a responsabilidade pelos cuidados da criança e, desde então, passou a tratá-la como se fosse sua filha.

Informaram ainda que o pai se interessava pela filha somente esporadicamente e que, apenas em 1991, requereu a guarda judicial da criança, sendo que a decisão judicial naquela época estabeleceu que a guarda permaneceria com o casal, e o pai biológico teria direito a visitas e deveria pagar pensão alimentícia.

Apesar da decisão judicial, os autores alegaram que o pai biológico permaneceu ausente, não prestando qualquer tipo de auxílio. Sugeriram ainda que, em outra época, descobriram que o real motivo do pedido de guarda era a pensão por morte da mãe biológica, que ele estava recebendo indevidamente, já que não a usava em prol dos filhos da falecida.

Ao decidir pelas alterações no registro, o magistrado destacou que J.S.C. reconheceu como pais aqueles que, afetiva e efetivamente, a criaram – P.A.F. e Z.R.F. –, bem como M.P.R.C., a mãe biológica que, em virtude de seu falecimento, não teve a oportunidade de exercer a maternidade. Eles reafimaram não ter havido vínculos entre J. e o pai biológico.

Assim, o magistrado determinou a desconstituição da parentalidade biológica paterna bem como o reconhecimento dos pais afetivos, consentindo ainda no desejo da filha de manter intocável o registro nos assentos civis em relação à mãe biológica.

Fonte: TJMG
Extraído de Recivil

Notícias

Só para maiores

  Juizados não podem julgar dano por cigarro Por Gabriela Rocha   Os Juizados Especiais não são competentes para julgar ações de indenização contra fabricantes de cigarro por danos causados pelo consumo do produto. Esse foi o entendimento adotado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal...

Impedimento ético

Advogado não pode atuar em causa em que atuou a favor da parte contrária como estagiário  (14.04.11) Há impedimento ético de que qualquer advogado trabalhe no patrocínio de causa em que atuou a favor da parte contrária como estagiário. A decisão é do Órgão Especial do Conselho Federal da...

Seguradora deve indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência

13/04/2011 - 19h39 DECISÃO Seguradora deve indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por 6 votos a 3 que em caso de suicídio cometido durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, período de...

Confissão em flagrante com drogas não configura atenuante

Supremo Tribunal Federal Quarta-feira, 13 de abril de 2011 Confissão em flagrante com drogas não configura atenuante Em sessão extraordinária realizada na manhã desta quarta-feira (13), os ministros que compõem a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram Habeas Corpus (HC) 101861...

Trânsito brasileiro mata quase 105 pessoas por dia

  Acidente com motorista bêbado é previsível Por Luiz Flávio Gomes     O trânsito brasileiro, um dos quatro mais violentos do mundo, continua massacrando seres humanos (em 2008, mais de 38 mil mortes). A sensação de impunidade é generalizada. Temos que mudar a legislação brasileira,...

Um sexto regime de bens?

Extraído de Colégio Notarial (Blog) REGIME DE BENS - REGIME MISTO? José Hildor Leal  Postado em 05/04/2011 21:13:16 Muito se tem debatido, ultimamente, sobre a possibilidade dos cônjuges em criar um regime de bens misto, para vigorar no casamento, além das opções postas pelo Código Civil...