Escolha do nome dos filhos: a responsabilidade do oficial de registro civil na preservação da dignidade da pessoa humana

Escolha do nome dos filhos: a responsabilidade do oficial de registro civil na preservação da dignidade da pessoa humana

30 de janeiro de 2023 - 09:58
Silmar Lopes*

Recentemente vimos uma grande polêmica que se instaurou em razão da escolha do nome de um recém-nascido: Samba.

A polêmica ganhou repercussão nacional, pois o recém-nascido é, nada mais nada menos, que o filho do consagrado artista brasileiro, Seu Jorge.

Seu Jorge escolheu como nome do seu quarto filho “Samba”.  Porém, o oficial de Registro Civil, no primeiro momento, negou o registro e pediu justificativas para a escolha do nome, uma vez que Samba denomina um ritmo musical e que é bastante incomum que pessoas se chamem assim.

A Lei 6015/73 permite que o oficial de registro civil faça uma análise prévia a respeito do nome que os pais escolheram para o registrando. Esta análise se dá para evitar que uma pessoa tenha um nome que possa lhe causar constrangimentos ou exposição ao ridículo. Tudo isso em razão da grande dificuldade que tínhamos, até o advento da lei 14.382/2022, para que uma pessoa pudesse alterar o nome.

Com o advento da citada lei, em seu artigo 56, a alteração do prenome se tornou algo bastante simples, que dispensa apreciação judicial, podendo ser feita diretamente no cartório perante um oficial do registro civil.

O que podemos concluir é que a interpretação do dispositivo que impõe o poder/dever ao Oficial de Registros de fazer a análise prévia a respeito do nome escolhido ao registrando (artigo 55, § 1° da lei 6.015/73) deve considerar que, atualmente, qualquer pessoa maior de 18 anos pode, sem precisar apresentar qualquer motivo, solicitar a alteração do seu prenome (o famoso primeiro nome) diretamente no cartório sem ter que passar pela análise do juiz (artigo 56 da lei 6.015/73).

A interpretação sistemática do poder de intervenção do Oficial do Registro e a liberalidade na alteração do prenome, acaba por trazer maior tranquilidade para que se decida em casos onde há certa dificuldade em saber se se trata ou não de um nome que irá afetar a dignidade da pessoa registrada.

Seu Jorge, ao escolher “Samba” como nome para seu filho, não só causou a dúvida no Oficial de Registros, bem como abriu uma grande discussão no “mundo” do Direito Registral.

A grande pergunta que tomou as redes sociais foi: Samba seria um nome que exporia o registrando ao ridículo ou a uma situação vexatória? E, como corolário natural desta pergunta, surge também a seguinte questão: poderia o oficial negar o registro?

Por óbvio que a segunda pergunta é muito mais fácil de responder, pois a lei não só permite como também impõe ao Registrador tal responsabilidade.

Porém, difícil mesmo é saber se, objetivamente, o nome Samba poderia trazer algum prejuízo à dignidade do registrando. Exatamente por ser difícil regulamentar de forma genérica tal situação é que o legislador entendeu por bem atribuir essa difícil missão ao Registrador.

A conclusão de que o nome SAMBA irá ou não trazer prejuízos à dignidade do registrando deve ser objeto de uma análise técnica, responsável e, principalmente, prudente, do oficial que, para tanto, pode se valer do pedido de justificativas para a escolha do nome antes de submeter o pedido ao Poder Judiciário.

Aqui, como principal inspiração para que pudesse lavrar este artigo, percebemos com plena nitidez a nobreza e a magnitude da profissão “Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais” que, merecidamente é também chamada de “Oficial da Cidadania”.

No caso do registro do “Samba”, sem medo do que pudesse resultar a sua negativa inicial e, prudentemente, apreciando as justificativas, o oficial responsável pelo registro do filho do Seu Jorge demonstrou com a cristalinidade de um diamante, a gigantesca relevância da sua função e, principalmente, demonstrou que, equivalente à nobreza da função, a coragem e a prudência são elementos essenciais para o exercício da função de registrador.

Não à toa, coragem e prudência, como bem definido por Aristóteles, são virtudes cardeais do ser humano que traduz axiomas essenciais.

Ao meu ver, bem agiu o Registrador se valendo das virtudes cardeais da coragem e da prudência.

Por fim, ressalto meu respeito e admiração por todos os ofoiciais e oficialas de registro civil das pessoas naturais do Brasil.  Vocês garantem a nós, dignidade no início, no meio e no fim das nossas vidas. Muito obrigado.

*Silmar Lopes é advogado e professor Fundador da Academia Notare.

Fonte: Rota Jurídica

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