Especialista avalia decisão do STJ que admitiu união estável e posterior concubinato com partilha de bens

Especialista avalia decisão do STJ que admitiu união estável e posterior concubinato com partilha de bens

Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ reconheceu a existência de união estável e posterior concubinato com partilha de bens. No caso dos autos, o homem vivia em união estável, mas se casou com outra mulher – com quem está casado até os dias atuais. A antiga companheira, então, passou a ser concubina por anos. O entendimento da Corte foi de que deve haver partilha de bens, tanto do período de união estável como do concubinato.

Um homem manteve relação com uma mulher por 28 anos, de 1986 a 2014. Nesse período, em maio de 1989, casou-se com outra mulher, com quem mantém relação até os dias atuais. A mulher com quem teve a primeira relação tem direito à partilha de bens e reconhecimento de união estável antes do casamento.

Ao analisar o caso, o STJ entendeu que existiu a união estável de 1986 a 26 de maio de 1989 e uma relação concubinária impura e sociedade de fato no período de 26 de maio de 1989 a 2014. O colegiado fixou que a partilha de bens em ambos os períodos, a ser realizada em liquidação de sentença, deve observar a necessidade de prova ou esforço comum para a aquisição do patrimônio, e respeitar a meação da mulher atual.

Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, houve a união estável de 1986 a 1989 e concubinato de 1989 a 2014, sendo que o homem se casou em 26 de maio de 1989, e ainda mantém o casamento.

Existência de provas

Segundo a ministra, é inadmissível o reconhecimento de união estável concomitante ao casamento, e é por isso a separação do período entre 1989 e 2014 de concubinato. “Na hipótese em exame há a particularidade de que a relação em que se pretende que seja reconhecida como união estável teve início anteriormente ao casamento do pretenso convivente com terceira pessoa e prosseguiu por 25 anos já na constância desse matrimônio. A diferença deste processo com a nossa jurisprudência é de que a união estável começou antes do casamento.”

A relatora ressaltou que, no período compreendido entre o início da relação e a celebração do matrimônio entre convivente e terceira pessoa, não há óbice que seja reconhecida a existência de união estável, cuja partilha, “por se tratar de união iniciada e dissolvida antes da Lei 9.278, deverá observar a existência de prova de esforço direto e indireto na aquisição do patrimônio amealhado nos termos da Súmula 380 do STF e dos precedentes do STJ”.

“No que se refere ao período posterior à celebração do matrimônio, a união estável se transmudou juridicamente em concubinato impuro, mantido entre as partes por 25 anos, na constância da qual adveio prole e que era de ciência inequívoca de todos os envolvidos, de modo que há a equiparação à sociedade de fato, e a repercussão patrimonial dessa sociedade deve ser solvida pelo direito obrigacional, de modo que também nesse período haverá a possibilidade de partilha desde que haja prova de esforço comum na construção patrimonial, nos termos da Súmula 380”, pontuou a magistrada.

A relatora ponderou que, ausente a menção pelas instâncias ordinárias acerca da existência de provas da participação direta ou indireta da recorrente na construção do patrimônio, sobre quais bens existiriam provas da participação e sobre quais bens comporão a meação da recorrida, impõe-se a remessa das partes à fase de liquidação, ocasião em que essas questões de fatos poderão ser adequadamente apuradas.

Assim, julgou parcialmente o pedido para reconhecer a existência de união estável de 1986 a 26 de maio de 1989 e reconhecer a existência de relação concubinária impura e sociedade de fato de 26 de maio 1989 a 2014, devendo a partilha, em ambos os períodos, ser realizada em liquidação de sentença, observar a necessidade de prova ou esforço comum para a aquisição do patrimônio, e respeitar a meação da recorrida.

REsp 1.916.031

“Concubinato traz marca da discriminação”, diz especialista

O advogado Marcos Alves da Silva, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, discorda do entendimento do STJ.

Ele lembra que no caso há a existência de uma união estável, porque aqueles que assim viviam, com durabilidade, continuidade e ostensibilidade, com o objetivo de construir família seguiram com esta família que seria reconhecida em um determinado momento. “Mas, posteriormente, um destes companheiros contrai casamento com uma terceira pessoa. Em razão deste casamento, aquilo que era família, reconhecida como tal e tendo amparo pelo ordenamento jurídico, decai dessa condição e passa a ser uma ‘subfamília’, um concubinato que traz a marca da discriminação”.

“Portanto, aqui há um problema seriíssimo: como uma família, que é família em um dado momento captado pela realidade jurídica, e nada no ser daquela família se altera, ela continua existindo como tal, mas em face de um fato jurídico alheio se desnatura e passa a ser desclassificada para uma condição de concubinato”, questiona o especialista.

Hierarquização das famílias

Segundo o advogado, a decisão do STJ aponta para uma hierarquização das famílias.  “O casamento é considerado, neste caso, um tipo de família superior à família constituída pela união estável.”

Ele observa: “A família constituída pela união estável era anterior ao surgimento do casamento. Com o surgimento daquele casamento esta família perde a sua condição de família por um fato estranho ao seu próprio ser enquanto entidade familiar”.

Marcos Alves da Silva frisa que o entendimento do STJ, que considerou o casamento superior à união estável, ofende o artigo 226 da Constituição, que foi considerado como cláusula de inclusão, porque é a família que merece especial proteção do Estado. Ao classificar as famílias, nas palavras do especialista, o STJ está fazendo uma agressão à norma constitucional de que o Estado deve especial proteção  às famílias.

“Ao fazer este cotejo para desclassificar a família formada pela união estável, é óbvio que está ofendendo gravemente a norma constitucional de que o Estado deve proteger a família. O STJ inviabilizou aquela família por esse entendimento desclassificatório em razão de um casamento superveniente por um dos integrantes daquele núcleo”, reflete.

Marcos ressalta que o primeiro núcleo familiar continuou existindo. “Nada foi modificado, apenas passou da condição de família de uma união estável reconhecida para uma condição de concubinato. Inferiorizado e viabilizado enquanto família.”

Pluralidade das entidades familiares

Para o advogado, a decisão do STJ é um exemplo  de que o tratamento que se dá às diversas formas de família não vai bem na jurisprudência dos Tribunais Superiores brasileiros. “Enquanto a Constituição de 1998 apontou para um caminho de abertura de reconhecimento da pluralidade das entidades familiares, nós, hoje, assistimos, lamentavelmente, ao surgimento de uma visão cada vez mais fechada em relação à conjugalidade.”

O advogado defende haver um equívoco no entendimento do STJ.  “Essa decisão do STJ vai na mesma direção equivocada àquelas que foram tomadas pelo Supremo Tribunal Federal – STF em relação à possibilidade do reconhecimento de uma união estável de longa duração paralelamente a um casamento. Foi lamentável que o STF também tenha seguido naquela direção”.

Marcos entende que a família foi reclassificada como concubinato e colocada à margem da proteção integral, que deveria merecer nos termos da Constituição de 1998. “É lamentável que estejamos seguindo nessa direção tão oblíqua e desvirtuada daquilo que é de garantia e do direito de todas as pessoas.”

Ele conclui que a decisão ocasiona desumanização de uma família em homenagem a um princípio tosco, que se tomou o princípio da monogamia como referência, para produzir uma discriminação indesejável.

Fonte: IBDFAM
Extraído de Anoreg/BR

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