Especialista comenta decisão que excluiu companheira de partilha diante do pacto de separação de bens

Especialista comenta decisão que excluiu companheira de partilha diante do pacto de separação de bens

21/07/2022
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do TJRS)

Na última semana, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS decidiu pela exclusão de uma companheira da partilha diante de pacto de separação de bens. Segundo o advogado Mário Delgado, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, trata-se da primeira decisão que menciona expressamente o fato de os companheiros não serem herdeiros necessários recíprocos.

O colegiado reformou a sentença de primeiro grau e garantiu validade à escritura pública de inventário e partilha de bens formalizada pelas filhas do falecido. Ao ajuizar a ação em busca da anulação da escritura, a autora sustentou ser herdeira dos bens.

A mulher foi companheira do falecido por dois anos. Conforme consta nos autos, ela alegou que o casal havia formalizado a união estável em um pacto antenupcial de separação total de bens.

O argumento tem como base a tese do Supremo Tribunal Federal – STF, firmada no Tema 498, que tornou inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros. Ao avaliar a questão, porém, o juiz Mauro Caum Gonçalves, relator do acórdão, considerou a tese inaplicável ao caso, já que foi publicada em momento posterior à lavratura da escritura.

“Assim, não há falar em condição de herdeira necessária à autora, na medida em que sua eventual meação decorreria da união estável havida com o falecido, devendo, entretanto, no ponto, ser observado o regime de bens escolhido. Como referido, o regime de bens pactuado, da separação total de bens, não confere à autora direito à partilha, nem como meeira, nem como sucessora, tornando-se equivocada a conclusão alcançada no decisum”, pontuou o magistrado.

A perspectiva foi acompanhada pela juíza convocada, Jane Maria Koehler Vidal, em seu voto. Também participou do julgamento e acompanhou o voto do relator o desembargador Rui Portanova, membro do IBDFAM.

Fundamento determinante

Mário Delgado observa que a sentença de primeiro grau havia declarado a nulidade da escritura pública de inventário e partilha extrajudicial que excluía da partilha a companheira sobrevivente. O acórdão, segundo ele, reformou a sentença com base em dois argumentos preponderantes:

“A escritura foi lavrada em 2015, enquanto a tese firmada no Tema 498 do STF só foi publicada em 2017, portanto, em momento posterior à lavratura. Além disso, não sendo os companheiros herdeiros necessários, não padece de nulidade a escritura que omitiu a companheira”, aponta o especialista.

O diretor nacional do IBDFAM acrescenta que a questão do regime de bens (de separação absoluta) pactuado pelo casal também foi mencionada na decisão. Ele não acredita, porém, que este tenha sido fundamento determinante para a reforma da sentença.

Regime de bens

“A decisão está absolutamente correta quanto aos dois primeiros fundamentos. Na modulação da decisão, que declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, o STF foi expresso quando disse que o novo entendimento só seria aplicável às partilhas extrajudiciais em que ainda não houvesse escritura pública”, comenta Mário Delgado.

O advogado destaca que, no caso dos autos, em que há escritura lavrada em data anterior à decisão do STF, não haveria como se invocar a inconstitucionalidade do art. 1.790 como vício do ato notarial. “Por outro lado, não sendo a companheira herdeira necessária, já que o STF não se manifestou, em momento algum, sobre a aplicação do art. 1.845 à sucessão da união estável, não haveria mesmo que se defender a presença obrigatória da companheira na escritura.”

Delgado pontua, entretanto, que o acórdão “andou mal”, quando afirmou que “o regime de bens pactuado, da separação total de bens, não confere à autora direito à partilha, nem como meeira, nem como sucessora”. De acordo com ele, a posição já foi adotada pelo STJ no passado (REsp n. 992.749/MS), mas se encontra completamente superada.

“Não se pode confundir regime de bens com direito sucessório. Com a morte, extinguiu-se o regime e o que está em discussão é o direito do companheiro à herança. Os efeitos do regime de separação de bens não se estendem para além da morte”, frisa.

Presunção de legitimidade

Segundo Mário Delgado, trata-se da primeira decisão que menciona expressamente o fato de os companheiros não serem herdeiros necessários recíprocos. “Esse é o fato relevante a ser destacado, que pode gerar impactos em outros casos.”

“Todavia, a companheira sobrevivente, nesse caso específico, não é herdeira necessária, não em razão do regime de bens de separação absoluta, mas, sim, porque o STF não quis assegurar esse status ao companheiro, como ficou claro no julgamento dos embargos de declaração no RE 878.694”, ressalta.

O advogado conclui: “Como as leis gozam de presunção de legitimidade e de constitucionalidade, não se podendo jamais presumir o contrário, diante da redação atual do art. 1.845 do CC/2002, é possível concluir que os companheiros não são herdeiros necessários, razão pela qual a escritura pública de inventário, sem a participação da companheira, não incorreu em nulidade”.

Fonte: IBDFAM

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