Falta de regulamentação adequada dificulta que casais homoafetivos registrem filhos, afirma especialista em biodireito

Falta de regulamentação adequada dificulta que casais homoafetivos registrem filhos, afirma especialista em biodireito

Publicado em 06/10/2016

Ter um filho, criá-lo com muito amor, respeito e dignidade. E, claro, registrá-lo. Esse direito quase foi ameaçado e, por um tempo, a situação trouxe aborrecimentos para duas mães que moram no Rio de Janeiro. A clínica que o casal escolheu para ter o bebê inicialmente se recusou a registrar a criança.

“Ficamos muito aborrecidas, primeiro por se tratar de uma maternidade particular gabaritada, segundo por sabermos que outros bebês, filhos de casais homoafetivos, já tinham nascido lá e terceiro pela justificativa ao não cumprimento de norma”, diz J.B, uma das mães da criança, referindo-se ao Provimento nº 52/2016 da Corregedoria Nacional de Justiça, que dispõe sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida.

Ela é casada com J.C há cerca de dois anos, mas já estão juntas desde 2010. Sempre pensaram em ter filhos e em meados de 2014 foram a um especialista em reprodução assistida, para conversar sobre as possibilidades e os procedimentos necessários. “Após uma demorada escolha do doador anônimo, não só pelas características físicas, mas também pela ficha médica e psicológica, importamos o esperma dos Estados Unidos e neste ano resolvemos tentar pela primeira vez”, contam. O casal decidiu que, por ser mais velha, J.C seria a primeira a engravidar. Mas, caso optem por uma nova gestação, vão utilizar o material genético do mesmo doador, para que as crianças tenham vínculo biológico.

As mães realizaram todos os procedimentos necessários e deram início ao acompanhamento médico. Elas definiram, com o auxílio da obstetra, duas opções de local para o nascimento do filho e procuraram informações sobre como deveriam proceder para registrar a criança. Na primeira clínica, bastava levar a certidão de casamento ou de união estável e a documentação relativa à reprodução assistida, para que o nome de J.B, mãe não biológica, pudesse ser incluído na Declaração de Nascido Vivo (DNV) e, em seguida, na certidão de nascimento. “Já os atendentes da segunda casa de saúde, após muita dificuldade em passar informações, me orientaram a procurar a ouvidoria por e-mail, o que foi feito. Relatei todo o caso e os alertei sobre o Provimento 52/2016)”, afirma J.B.

Ainda conforme o casal, à espera do primeiro filho, a resposta da clínica – pela qual tinha preferência -, veio em formato de ofício numerado, esclarecendo que a mesma somente atuaria de acordo com o pedido por decisão judicial, considerando que não tinham condições de análise da documentação prevista no Provimento 52/2016. De acordo com a vice-presidente da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Ana Gerbase, este tipo de posicionamento é extremamente retrógrado e deve ser evitado. “Dentro do conceito da família plural, não cabem mais atitudes baseadas no preconceito e na discriminação. Na medida em que o Direito reconhece a união homoafetiva como entidade familiar, deve também oferecer suporte a seus desdobramentos, dentre eles, a proteção aos filhos”.

O caso ganhou repercussão e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) resolveu interceder em favor das mães. “Depois de tudo isso, soubemos pela imprensa que a maternidade voltou atrás em seu posicionamento e declarou que tudo não havia passado de um equívoco. Eles demoraram alguns dias para nos contactar e depois marcaram uma reunião para dar os devidos esclarecimentos”, afirmam.

Segundo a professora Heloísa Helena Barbosa, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e especialista em biodireito, houve um equívoco que pode ser atribuído à falta de regulamentação adequada da matéria, fato que só tem prejudicado todos os interessados.

“A Resolução 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina (CFM) ao dispor sobre as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, admitiu expressamente seu uso para relacionamentos homoafetivos, tomando por base as ADI 4.277 e ADPF 132. A citada Resolução não trata, nem deveria tratar, da emissão da Declaração de Nascido Vivo (DNV) ou mesmo de registro de nascimento, que são assuntos fora de sua competência”, esclarece.

Ainda de acordo com Heloísa Helena Barbosa, o registro de nascimento dos filhos havidos por reprodução assistida deve observar o Provimento 52/2016, segundo o qual o registro de nascimento de filhos de casais homoafetivos deve ser adequado para que constem os nomes dos ascendentes, sem qualquer distinção paterna ou materna. “Fato é que a resistência à constituição de famílias homoafetivas e, principalmente, a que esses casais tenham filhos ainda está presente, por razões socioculturais. Cabe lembrar que o direito ao planejamento familiar é assegurado constitucionalmente ao casal, ao homem e à mulher, independentemente de sua orientação sexual”, completa.

Para a doutora Ana Gerbase, o ativismo judicial pode ser a saída para que casos como o do casal do Rio de Janeiro não voltem a ocorrer. “Principalmente no que diz respeito aos direitos e garantias LGBT, percebemos a resposta do judiciário baseada no entendimento doutrinário de construção de uma nova consciência social, de tolerância e igualdade. Acima de tudo, deve prevalecer o princípio do não retrocesso. Enquanto as leis não alcançam os direitos, o judiciário preenche as lacunas trazendo as garantias necessárias”, diz.

Passado todo o susto, agora as mães só querem curtir a chegada de Bernardo, prevista para janeiro de 2017. “Como costumamos tentar nos prevenir de aborrecimentos, procuramos nos programar para ter toda a documentação necessária no ato do registro do nosso filho. Com o nascimento, queremos curti-lo sem nenhuma dor de cabeça”, afirmam.

Fonte: IBDFAM
Extraído de Colégio Notarial do Brasil

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