Garantia fiduciária exige identificação do crédito, e não dos títulos objeto da cessão

DECISÃO
24/04/2019 09:09

Garantia fiduciária exige identificação do crédito, e não dos títulos objeto da cessão

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão da Justiça paulista segundo a qual a garantia fiduciária somente estaria aperfeiçoada com a identificação dos títulos de crédito na contratação. Para os ministros, o instrumento de cessão fiduciária de direitos creditórios deve indicar, de maneira precisa, o crédito, e não o título objeto de cessão.

Dessa forma, o colegiado deu provimento ao recurso especial de um banco e excluiu os créditos cedidos a ele dos efeitos da recuperação judicial das empresas fiduciantes, ao reconhecer que a instituição bancária detém a titularidade dos créditos, nos termos da Lei 9.514/1997.

Segundo informações do processo, em 2013, o banco emitiu cédula de crédito bancário e emprestou a uma empresa têxtil R$ 1 milhão, garantidos por instrumento particular de cessão fiduciária de duplicadas e direitos, registrado em cartório.

Em recuperação judicial, a empresa e a sua distribuidora tentaram infirmar o instrumento de cessão fiduciária, alegando que não houve a correta determinação dos títulos de crédito cedidos, submetendo, assim, o valor remanescente – pouco mais de R$ 137 mil – à recuperação.

O banco ajuizou ação argumentando que seria o proprietário fiduciário dos bens móveis, razão pela qual não se submeteria à recuperação. Em primeiro grau, o pedido foi julgado procedente, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que a exigência legal para aperfeiçoar a garantia fiduciária somente estaria cumprida com a identificação dos títulos de crédito na contratação – o que não ocorreu no caso.

Especificação do crédito

O relator do recurso no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que o fundamento do acórdão recorrido não encontra respaldo nos autos, nem na lei. Segundo ele, a cessão fiduciária sobre títulos de crédito transfere a titularidade do crédito cedido, o qual deve ser devidamente especificado no contrato – e não do título, que simplesmente o representa, conforme os artigos 18, IV, e 19, I, da Lei 9.514/1997.

“Por meio da cessão fiduciária de direitos creditórios, representados pelos correlatos títulos, o devedor fiduciante, a partir da contratação, cede ‘seus recebíveis’ à instituição financeira (credor fiduciário), como garantia ao mútuo bancário, que, inclusive, poderá apoderar-se diretamente do crédito constante em conta vinculada (‘trava bancária’) ou receber o respectivo pagamento diretamente do terceiro (devedor do devedor fiduciante)”, disse.

Concurso de credores

O relator ressaltou que a jurisprudência do STJ é sedimentada no sentido de que a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de créditos, não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, de acordo com o parágrafo 3° do artigo 49 da Lei 11.101/2005.

“Afigura-se cada vez mais comum a suscitação de teses, por parte das empresas em recuperação judicial, destinadas a infirmar a constituição do negócio fiduciário, com o declarado propósito de submeter o aludido crédito ao concurso recuperacional de credores”, declarou Bellizze.

Ele mencionou precedente da Terceira Turma segundo o qual a constituição da propriedade fiduciária, oriunda de cessão fiduciária, dá-se a partir da contratação, sendo, desde então, plenamente válida e eficaz entre as partes.

Duplicata virtual

Segundo Bellizze, na ocasião da realização da cessão fiduciária, é possível que o título representativo do crédito cedido não tenha sido emitido, o que inviabiliza a sua determinação no contrato. O ministro explicou que, por expressa disposição da Lei 10.931/2004, a garantia da cédula de crédito bancário pode ser constituída por crédito futuro, o que já inviabilizaria a especificação de um título ainda não emitido.

“Nesse contexto, e a partir da fundamentação teórica exposta, tem-se que a apresentação de farta documentação, com os borderôs eletrônicos que ostentam a descrição das duplicatas, representativas do crédito dado em garantia fiduciária à obrigação assumida na cédula de crédito bancário em questão, tal como reconhecido pelo juízo primevo, atende detidamente o requisito contido no artigo 18, IV, da Lei 9.514/1997”, ressaltou o relator.

Por fim, o ministro destacou que o entendimento do TJSP, ao exigir a especificação do título – e não do crédito –, “ignora a própria sistemática da duplicada virtual”, em que a devedora fiduciante alimenta o sistema, com a emissão da duplicata eletrônica, gerando a seu favor um crédito cujo borderô é remetido ao sacado/devedor.

“O pagamento do borderô, por sua vez, ingressa na conta vinculada, em garantia fiduciária ao mútuo bancário tomado pela empresa fiduciante, não pairando nenhuma dúvida quanto à detida especificação do crédito (e não do título que o representa), nos moldes exigidos pelo artigo 18, IV, da Lei 9.514/1997”, afirmou.

Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1797196
Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Notícias

Compreensão do processo

  Relações de trabalho exigem cuidado com contrato Por Rafael Cenamo Juqueira     O mercado de trabalho passou por determinadas alterações conceituais nos últimos anos, as quais exigiram do trabalhador uma grande mudança de pensamento e comportamento, notadamente quanto ao modo de...

Portal da Transparência

CNJ lança Portal da Transparência do Judiciário na internet Quinta, 20 de Janeiro de 2011     Informações sobre receitas e despesas do Poder Judiciário federal estão disponíveis no Portal da Transparência da Justiça (https://www.portaltransparencia.jus.br/despesas/), criado pelo Conselho...

Dentista reclama direito a aposentadoria especial

Quarta-feira, 19 de janeiro de 2011 Cirurgião dentista que atua no serviço público de MG reclama direito a aposentadoria especial Chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) Reclamação (Rcl 11156) proposta pelo cirurgião dentista Evandro Brasil que solicita o direito de obter sua aposentadoria...

OAB ingressará com Adins no STF contra ex-governadores

OAB irá ao Supremo propor cassação de pensões para os ex-governadores Brasília, 17/01/2011 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, afirmou hoje (17) que a OAB ingressará com ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) no Supremo Tribunal Federal contra todos...

Desmuniciamento de arma não conduz à atipicidade da conduta

Extraído de Direito Vivo Porte de arma de fogo é crime de perigo abstrato 14/1/2011 16:46   O desmuniciamento da arma não conduz à atipicidade da conduta, bastando, para a caracterização do delito, o porte de arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar....

Prática de racismo no ambiente de trabalho

Extraído de JusBrasil Apelidos racistas no ambiente de trabalho geram danos morais Extraído de: Direito Vivo - 38 minutos atrás   Na Justiça do Trabalho de Minas ainda é grande a incidência de processos que denunciam a prática de racismo no ambiente de trabalho. Mas a sociedade moderna e as...