Inseminação caseira: Veja impacto jurídico da prática não regulada no país

Inseminação caseira: Veja impacto jurídico da prática não regulada no país

Recente decisão do STJ, reconhecendo dupla maternidade em caso de inseminação caseira, denota a urgência do tema.


Registrar o nascimento de um recém-nascido é um ato rotineiro, mas alguns genitores/as podem esbarrar em burocracias extraordinárias. No caso de filhos gerados por duas mães fora de clínicas de fertilização, por meio da chamada inseminação artificial caseira (autoinseminação), o reconhecimento da filiação na certidão de nascimento pode exigir 12 anos de espera ou uma ação judicial.


Isso porque a técnica - que envolve a introdução sem supervisão médica de sêmen no canal vaginal da mulher - está à margem de regulamentações legais e provoca óbices no registro civil, suscitando questões que perpassam o melhor interesse da criança e impactos na saúde pública.


Panorama da reprodução assistida

No Brasil, a reprodução assistida segue critérios definidos pelo CFM - Conselho Federal de Medicina, que regulamenta procedimentos como inseminação artificial e fertilização in vitro.


Para o registro de criança gerada por reprodução assistida exige-se a apresentação de declaração do diretor técnico da clínica, atestando que o procedimento ocorreu sob supervisão médica e segundo normas éticas.


Esse documento, reforçado pelo provimento 149/23 do CNJ, é fundamental para assegurar a validade jurídica do vínculo parental.


Ocorre que tal documentação se torna um obstáculo significativo para famílias que recorrem à inseminação caseira, como muitos casais LGBTQIAPN+ e de baixa renda. Sem esse documento, essas famílias enfrentam dificuldades para obter o reconhecimento legal da dupla parentalidade.


Provimento

O IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Famíla apresentou ao CNJ pedido de revisão do provimento. O instituto argumentou que a exigência fere princípios como a dignidade humana e do melhor interesse da criança, pois limita o reconhecimento de diferentes estruturas familiares, contrariando a interpretação atual do STF sobre o reconhecimento de casais homoafetivos.


A ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões, a Anvisa e o CFM, a seu turno, manifestaram-se contra o pedido de providências.

Ao final, o Conselho negou o pedido do IBDFAM.


Melhor interesse da criança - Origem genética


A advogada e presidente da ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões, Regina Beatriz Tavares da Silva, alertou para os riscos da autoinseminação, como perfuração do colo do útero e possíveis transmissões de doenças, destacando que doações de sêmen são frequentemente oferecidas via redes sociais, o que aumenta o risco de contaminação com doenças como AIDS e sífilis.


Além disso, ressaltou que a ausência de dados do doador, com o desconhecimento da origem genética, pode dificultar futuros tratamentos médicos para as crianças.


Segundo Regina, a prática da inseminação caseira, sem regulamentação, gera situações

complicadas, como potenciais disputas de paternidade, enquanto a reprodução assistida tem regras claras que eliminam vínculos de parentesco com doadores.


A advogada apontou ainda que o provimento CNJ 149/23, em seu art. 505, permite o reconhecimento de dupla maternidade para casais de mulheres após a criança completar 12 anos, caso a maternidade socioafetiva seja comprovada. Para crianças menores de 12 anos, o processo exige ação judicial.

Judicialização

No que se refere às ações judiciais, ainda neste mês de outubro, o STJ decidiu caso paradigmático relativo ao tema.


Sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, por unanimidade, a 3ª turma da Corte permitiu o registro de dupla maternidade de criança gerada por inseminação caseira.


A decisão foi obtida apenas em sede de recurso especial após a negativa do cartório e das instâncias inferiores. O processo se estendeu por mais de dois anos até o mérito ser concluído.


A advogada Ana Carolina dos Santos Mendonça, representante das genitoras, enfatizou as limitações enfrentadas pela mãe não gestante, desde restrições de acesso a UTI neonatal até barreiras para acompanhar a criança em atividades cotidianas.


Ela apontou que o não reconhecimento de dupla parentalidade impediu a criança de usufruir plenamente dos laços familiares, privando-a de vínculos com avós e irmãos, perpetuando desigualdade jurídica.


Melhor interesse da criança - Segurança jurídica

Para Ana Carolina, as dificuldades no registro das crianças geradas por inseminação caseira revelam disparidade no Brasil: famílias com recursos para custear tratamentos em clínicas têm direito ao registro sem obstáculos, enquanto aquelas que recorrem à autoinseminação, por escolha ou necessidade, enfrentam barreiras.


A advogada observou que essa desigualdade afeta de forma particular as famílias LGBTQIAPN+, ressaltando que famílias heterossexuais podem registrar filhos gerados fora de clínicas sem comprovações adicionais.


Segundo a causídica, a ideia de que o reconhecimento de dupla parentalidade incentivaria a inseminação caseira reflete preconceito moral, pois a autonomia privada deveria ser respeitada, tanto quanto em relações heterossexuais casuais.


Ela também desmistifica a inseminação caseira como prática clandestina, destacando que muitos casos envolvem doadores conhecidos e apoio médico, garantindo segurança e consciência no processo.


A decisão do STJ aproxima-se do conceito de "direito vivo", como descrito pelo jurista austríaco Eugen Ehrlich, ao refletir as necessidades reais da sociedade. Ao reconhecer a dupla maternidade, a Corte se alinhou à realidade cotidiana da família, suprindo lacuna que o ordenamento jurídico tradicional ainda não aborda plenamente.


O colegiado entendeu que essa seria a maneira adequada de priorizar o melhor interesse da criança e garantir seus laços afetivos, facilitando sua vida social e jurídica.


No entanto, conforme demonstrado, há também perspectiva contrária, que sugere que a facilitação da inclusão da mãe não genitora no registro da criança, com a alteração do provimento do CNJ, incentivaria inseminações caseiras, gerando riscos à saúde das mulheres e comprometendo - por outra ótica - o princípio do melhor interesse da criança, que permaneceria alheia à sua origem genética.


Enquanto o legislativo não se debruça sobre o tema, caberá aos tribunais, e ao CNJ, analisar cuidadosamente essa dupla ótica para interpretar qual seria a lente adequada ao melhor interesse da criança gerada por inseminação caseira.


Fonte: Migalhas
Extraído de Sinoreg-MG

                                                                                                                            

Notícias

TJGO manda Goiasprev pagar pensão por morte em união homoafetiva

TJGO manda Goiasprev pagar pensão por morte em união homoafetiva O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) manteve sentença do juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Goiânia, Eduardo Pio Mascarenhas da Silva, que condenou a Goiás Previdência (Goiasprev) ao pagamento de pensão previdenciária...

Imposto indevido

Empresa consegue isenção do IPVA de carro furtado Por Leandro Vieira A 5ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo deu ganho de causa à Assahi Máquinas em processo que envolvia isenção de IPVA de carro furtado da empresa.   www.conjur.com.br

Uma significativa inovação do projeto do novo CPC

Diogo Henrique Dias da Silva Incidente de resolução de demandas repetitivas: uma significativa inovação do projeto do novo CPC Nos últimos anos, é clarividente o número intenso de alterações parciais nas leis processuais, o que pode ser exemplificado pela lei 11.232/2005, que estabeleceu um...

Sentença considera inválidos os cartões de ponto

Turma não reconhece validade de cartões de ponto sem assinatura do empregado De: AASP - 16/03/2012 09h01 (original)  Todo empregador tem por obrigação realizar o registro da jornada de trabalho e trazer os controles de presença quando demandado em juízo. Contudo, se os cartões de ponto...