Inventário extrajudicial. Espólio de herdeira pós-morta como parte. Inadmissibilidade. Processo CG Nº 2015/50558. Parecer 126/2015-E
Inventário extrajudicial. Espólio de herdeira pós-morta como parte. Inadmissibilidade. Processo CG Nº 2015/50558. Parecer 126/2015-E
Publicado em 01/06/2016
“Repito, por oportuno, parte da lição acima exposta: “Se algum herdeiro falecer antes de ultimada a partilha extrajudicial, esta só continuará possível se a partilha desse herdeiro pós-morto for realizada anteriormente, de modo que os herdeiros do herdeiro possam participar em nome próprio. Também pode ser lavrada a escritura de partilha extrajudicial da sucessão que primeiro abriu, desde que o segundo inventário também possa ser resolvido dessa maneira, e todos os que houvessem de participar deste último concordem com aquele que estava pendente… De qualquer modo, os herdeiros do herdeiro são interessados, e sem sua participação a escritura não poderá ser lavrada.“ ”.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2015/50558
(126/2015-E)
Tabelião de Notas – Escritura pública de inventário e partilha – Espólio, que não detém capacidade, não pode ser parte na escritura, quanto mais diante da presença de interessados menores – Pena de repreensão bem aplicada – Sentença mantida.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Trata-se de recurso administrativo tirado em face de sentença que condenou o recorrente à pena de repreensão, diante da lavratura de escritura pública de inventário e partilha, tendo como uma das partes Espólio, representado por inventariante. Verificou-se que a escritura pública de inventário referiu-se à partilha dos bens de Nelson António Vieira. Ele faleceu em 19 de maio de 2006 e, quando do falecimento, eram seus herdeiros, todos maiores e capazes: Maria Silvia Vieira, Tânia Vieira, Nelson António Vieira Júnior e Ana Maria Vieira Afonso. Porém, a escritura pública de inventário e partilha só foi lavrada em 13 de dezembro de 2012, quando a herdeira Ana Maria Vieira Afonso já havia falecido. Por isso, figurou, como parte, seu Espólio, representado pelo viúvo, inventariante. No entanto, dois foram os problemas: em primeiro lugar, o inventário de Ana Maria Vieira Afonso ainda não havia sido aberto. Só o foi em 14 de março de 2013 e o viúvo, Leonardo Moreno Afonso, só foi nomeado para o cargo de inventariante em 23 de maio de 2013. Portanto, ao tempo da lavratura da escritura, ao contrário do que nela constou, não havia ainda “inventariante”; em segundo lugar, Ana Maria Vieira Afonso deixou dois filhos menores que, portanto, eram interessados na partilha dos bens de Nelson António Vieira. Logo, houve violação do que preceitua o art. 982, do Código de Processo Civil.
Em seu recurso, o apenado alega, em síntese, que a escritura não padeceu de qualquer vício e que não houve falta disciplinar. Afirma que a transmissão dos bens de Nelson António Vieira deu-se com a morte, pelo princípio da saisine. Ao tempo de sua morte, havia quatro herdeiros capazes. E todos eles compareceram ao ato notarial. A filha Ana Maria faleceu após a morte de Nelson António Vieira, mas antes da lavratura da escritura. Contudo, ao tempo em que faleceu, já havia herdado o respectivo quinhão dos bens de seu pai. Por isso, foi representada, na escritura pública, pelo Espólio. As filhas menores de Ana Maria não são parte na escritura e, no que diz respeito a elas, foi aberto inventário judicial, para que recebam seu quinhão. Diante desse quadro, o apenado entende que não havia óbice ao inventário extrajudicial, uma vez que nenhum incapaz era parte na escritura.
Assevera que primeiro se faz o inventário extrajudicial e a partilha de bens aos quatro filhos herdeiros e, depois, transmitido o quinhão de Ana Maria, ele é partilhado, novamente, no inventário judicial aberto. Não se trata de inventários conjuntos ou de sucessão por representação, mas, sim, de inventários sucessivos.
Alega, ademais, que não houve qualquer prejuízo aos menores e que a solução judicial teria sido a mesma do inventário extrajudicial. Por fim, no que toca ao fato de ter constado que o viúvo de Ana Maria era inventariante – sem inventário ainda aberto –, aduz que houve mero erro de semântica. Ele não era inventariante, mas administrador provisório e a escritura foi retificada posteriormente.
É o breve relato.
Passo a opinar.
O recurso não comporta provimento.
A exposição dos fatos já foi feita no relatório. Urge, pois, responder à questão central: o Tabelião poderia ter lavrado a escritura pública de inventário e partilha apontando como uma das partes, um dos herdeiros, o Espólio de Ana Maria Vieira Afonso? A resposta é negativa, por duas razões.
Em primeiro lugar, Espólio não pode figurar como parte, herdeiro, em escritura pública de inventário e partilha, por conta de falta de capacidade. Isso contrariaria o art. 982, do Código de Processo Civil.
A questão é respondida com clareza pela Professora Juliana da Fonseca Bonates, especialista no tema: “Se algum herdeiro falecer antes de ultimada a partilha extrajudicial, esta só continuara possível se a partilha desse herdeiro pós morto for realizada anteriormente, de modo que os herdeiros do herdeiro possam participar em nome próprio. Também pode ser lavrada a escritura de partilha extrajudicial da sucessão que primeiro abriu, desde que o segundo inventário também possa ser resolvido dessa maneira, e todos os que houvessem de participar deste último concordem com aquele que estava pendente. Embora o espólio possa transigir com autorização judicial (Código de Processo Civil, art. 992, II) não poderá ser considerado ‘capaz’ (Código de Processo Civil, art. 982, com a nova redação dada pela Lei 11.441/2007, e Código Civil, art. 2.016) para a partilha amigável extrajudicial. É da essência da via administrativa que não seja necessário suprir a incapacidade de nenhum interessado, muito menos obter autorização judicial. De qualquer modo, os herdeiros do herdeiro são interessados, e sem sua participação a escritura não poderá ser lavrada.” (in Separação, divorcio, partilhas e inventários extrajudiciais – Questionamentos sobre a Lei 11.441/2007, coord. António Carlos Mathias Coltro e Mário Luiz Delgado, p. 321). O espólio é nada mais do que uma universalidade de bens, umaentidade sem personalidade jurídica, representada, judicial e extrajudicialmente, pelo inventariante ou, antes dele, pelo administrador provisório. Não se enquadra, portanto, no conceito de “agente capaz” previsto no art. 982, do Código de Processo Civil.
Aliás, é preocupante a compreensão que o apenado tem do art. 11, da Resolução n° 35, do Conselho Nacional da Justiça:
Art 11. É obrigatória a nomeação de interessado, na escritura pública de inventário e partilha, para representar o espólio, com poderes de inventariante, no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 990 do Código de Processo Civil.
Da leitura desse artigo, o Tabelião compreende que existe autorização para que Espólio figure, como parte, no ato notarial. Nada mais equivocado.
Disposição semelhante está nos itens 105 e 105.1, do Capítulo XIV, das NSCGJ:
105. É obrigatória a nomeação de inventariante extrajudicial, na escritura pública de inventário e partilha, para representar o espólio, com poderes de inventariante, no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 990 do Código de Processo Civil.
105.1. A nomeação do inventariante extrajudicial pode se dar por escritura pública autónoma assinada por todos os herdeiros para cumprimento de obrigações do espólio e levantamento de valores, poderá ainda o inventariante nomeado reunir todos os documentos e recolher os tributos, viabilizando a lavratura da escritura de inventário.
Ora, o Espólio, a que se referem o art. 11 e os itens 105 e 105.1 é a universalidade de bens objeto do inventário extrajudicial. Como pode haver obrigações ativas e passivas pendentes, é obrigatória a nomeação de um inventariante, que representará o Espolio, tal como se faz, aliás, nos inventários judiciais.
Em nenhum momento, absolutamente, o art. 11 e os itens 105 e 105.1 autorizam a interpretação de que Espólio possa figurar, como parte, herdeiro, em escritura pública de inventário e partilha.
A segunda razão que impedia a lavratura da escritura era o fato de que havia, sim, interessados menores. Ressalte-se:interessados. Não se afirma que os menores, herdeiros de Ana Maria, sejam herdeiros de Nelson António Vieira.
Ninguém disse isso. Mas que eram interessados no inventário extrajudicial, é claro que eram.
Afinal de contas, o Espólio de Ana Maria Vieira Afonso era, como visto, a universalidade de bens que ela deixou. E, segundo o princípio da saisine – tão ressaltado pelo Tabelião – também essa universalidade foi transmitida aos herdeiros com sua morte. Quem são os herdeiros? Os menores, incapazes. Como, diante desse quadro, afirmar que eles não eram interessados na partilha de bens de Nelson António Vieira e no quinhão que seria transmitido ao Espólio de sua mãe? É evidente que eram interessados, nos termos do art. 982, do Código de Processo Civil.
Repito, por oportuno, parte da lição acima exposta: “Se algum herdeiro falecer antes de ultimada a partilha extrajudicial, esta só continuará possível se a partilha desse herdeiro pós-morto for realizada anteriormente, de modo que os herdeiros do herdeiro possam participar em nome próprio. Também pode ser lavrada a escritura de partilha extrajudicial da sucessão que primeiro abriu, desde que o segundo inventário também possa ser resolvido dessa maneira, e todos os que houvessem de participar deste último concordem com aquele que estava pendente… De qualquer modo, os herdeiros do herdeiro são interessados, e sem sua participação a escritura não poderá ser lavrada.”
A falta disciplinar acentua-se, ainda, diante da circunstância de que a escritura fez constar a existência de Espólio, representado por inventariante, quando o inventário sequer havia sido aberto. Com a devida vênia, não se trata de mero erro de semântica. O ato foi lavrado sem que nem mesmo houvessem sido apresentadas as peças do suposto inventário, com o que se verificaria a existência de menores. Isso não seria mesmo possível, pois o inventario judicial só foi aberto no ano seguinte. Trata-se de clara negligência e a retificação posterior da escritura não afasta, em absoluto, a falta cometida.
Diante do quadro acima, a reprimenda era mesmo de rigor. A pena de repreensão foi bem aplicada e encontra adequação à espécie.
Pelo exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência, respeitosamente, é no sentido de negar provimento ao recurso.
Sub censura.
São Paulo, 23 de abril de 2015.
Swarai Cervone de Oliveira
Juiz Assessor da Corregedoria
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso. Publique-se. São Paulo, 28.04.2015. – (a) – HAMILTON ELLIOT AKEL – Corregedor Geral da Justiça.
Fonte: IRegistradores
Extraído de Colégio Notarial do Brasil