JURISPRUDÊNCIA MINEIRA - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - COMODATO...

18/04/2017

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - COMODATO - EXTINÇÃO - CONDIÇÕES RESOLUTIVAS ESTABELECIDAS - NÃO OCORRÊNCIA - TRANSMISSÃO DA POSSE INDIRETA AOS HERDEIROS DO COMODANTE - IMPOSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DO CONTRATO - RECONVENÇÃO

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

AÇÃO REIVINDICATÓRIA - COMODATO - EXTINÇÃO - CONDIÇÕES RESOLUTIVAS ESTABELECIDAS - NÃO OCORRÊNCIA - TRANSMISSÃO DA POSSE INDIRETA AOS HERDEIROS DO COMODANTE - IMPOSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DO CONTRATO - RECONVENÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS

- Constatada a inocorrência de qualquer das condições resolutivas estabelecidas contratualmente, não há falar em extinção do comodato.

- Morrendo o autor da herança, seu acervo hereditário se transmite incontinenti aos seus herdeiros, sendo certo que a posse indireta aí se inclui, por força do art. 1.206 do Código Civil.

- Meros aborrecimentos e desgostos não são sentimentos capazes de provocar abalo, constrangimento ou humilhação a ponto de configurar dano moral.

Apelação cível nº 1.0024.14.014118-5/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelantes: Gabriel Dias Lima, Juliana Maria Lima Baptista, Jeannette Dias Lima e outro - Apelada: Ilza Ribeiro Lima - Relatora: Des.ª Mônica Libânio Rocha Bretas

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar parcial provimento à apelação.

Belo Horizonte, 9 de março de 2017. - Mônica Libânio Rocha Bretas - Relatora.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES.ª MÔNICA LIBÂNIO ROCHA BRETAS - Trata-se de apelação interposta por Jeannete Dias Lima e outros contra a r. sentença de f. 80/85, proferida nos autos da ação reivindicatória ajuizada pela apelante em face de Ilza Ribeiro Lima, em que a MM. Juíza, Maria Aparecida Consentino, da 34ª Vara Cível da Comarca desta Capital, resolveu a lide nos seguintes termos:

``Diante do exposto, julgo improcedente o pedido da parte autora, resolvendo o mérito da demanda nos termos no art. 269, I, do CPC. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$1.000,00 (mil reais) com base no art. 20, § 4º, do CPC, suspensa sua exigibilidade por estar sob o pálio da assistência judiciária gratuita. Ainda, quanto à reconvenção, julgo procedente o pleito, com resolução de mérito, com fulcro no art. 269, I, do CPC para condenar os autores/reconvindos ao pagamento de R$8.000,00, corrigido segundo os índices da tabela da Corregedoria-Geral de Justiça do TJMG e acrescido de juros de mora de 1% a partir da publicação desta sentença. Condeno ainda os autores/reconvindos ao pagamento de custas e honorários de sucumbência, estes arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, suspensa sua exigibilidade por estarem sob o pálio da assistência judiciária gratuita. P.R.I.''

Pelas razões de f. 90/96, pretendem os apelantes a reforma da r. sentença, ao fundamento, em síntese, de que a extinção do contrato de comodato ocorreu em virtude da morte do comodante, tendo em vista que se tratava de contrato por tempo indeterminado, e que, por necessitarem do imóvel ocupado pela apelada, os requerentes procederam à notificação extrajudicial, com fins de rescindir o comodato e convidá-la a celebrar um contrato de locação do imóvel. No entanto, afirmam que a apelada não celebrou contrato de locação e tampouco desocupou o imóvel.

Sustenta que a primeira apelante é idosa, portadora de doença crônica, vivendo em condições precárias, na companhia do segundo e da terceira apelante.

Afirma a impossibilidade de o contrato de comodato se perpetuar ad eternum, bem como que a MM. Juíza teria invertido as condições impostas na cláusula primeira do referido contrato, colocando a condição de permanecer em vida em último plano quando, na realidade, estaria em primeiro plano.

Por fim, aduz que o fato de os apelantes terem reivindicado a desocupação do imóvel de propriedade deles não pode ser considerado transtorno capaz de ensejar o pagamento de indenização a título de danos morais em favor da apelada.

Pugna seja dado provimento ao presente recurso, para julgar totalmente procedentes os pedidos da exordial, ou ainda, seja julgada improcedente a reconvenção apresentada, isentando os apelantes do pagamento de qualquer indenização.

Contrarrazões às f. 99/105-v.

Audiência de conciliação designada e realizada, quando as partes pugnaram pela suspensão do feito, por 60 dias, para tentativa de acordo.

Os apelantes manifestaram-se à f. 121, pugnando pelo prosseguimento do feito, haja vista que a tentativa de conciliação restou frustrada, ressaltando que a apelada se encontra inadimplente quanto ao IPTU e taxas de condomínio que recaem sobre o imóvel, objeto da lide.

É o relatório. Decido.

Conheço do recurso, por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade.

Cinge-se a controvérsia a analisar se há extinção imediata do contrato de comodato em virtude da morte do comodante, bem como em razão da necessidade pessoal dos novos proprietários de reaverem o imóvel, objeto do contrato.

Ainda, versa a insurgência recursal quanto à condenação dos apelantes ao pagamento de indenização por danos morais em favor da ora apelada.

O comodato, nos termos do art. 579 do Código Civil brasileiro, trata-se de empréstimo gratuito de coisas não fungíveis, por meio do qual uma parte (comodante) transfere à outra (comodatário) a posse direta de um bem, para que este a utilize e posteriormente restitua. Não havendo prazo convencional, o art. 581 do CC estabelece que "presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido".

Coaduno do entendimento de que o comodato é um contrato intuito personae, mas que, contudo, não se extingue automaticamente pela morte do comodante, especialmente por se tratar de contrato gratuito, não havendo obrigação assumida pela parte contratada.

Nesse sentido já se manifestou essa douta Câmara:

``Apelação. Reintegração de posse. Comodato. Posse indireta. Falecimento do comodante. Transmissão da posse indireta. O comodante, como possuidor indireto que é, pode se valer da medida protetiva, independentemente de demonstração de exercício de posse direta anterior ao esbulho. Com o falecimento do comodante, o contrato de comodato pode ser extinto pelo novo proprietário, por ser o contrato de comodato intuito personae. Hipótese em que a extinção depende de manifestação de vontade do novo proprietário'' (TJMG - Apelação Cível 1.0242.11.003219-8/001, Relator: Des. Tiago Pinto, 15ª Câmara Cível, j. em 07.02.2013, p. em 18.02.2013).

Dessa feita, o negócio continua a persistir na pessoa do novo proprietário (herdeiro), até que, findo o seu prazo, ou até que este requeira a rescisão do contrato, demonstrando a necessidade imprevista e urgente de suspender o uso e gozo do imóvel emprestado, nos termos do art. 581 do CC.

No caso dos autos, o comodato foi firmado entre a ora apelada e seu filho, atualmente falecido, com a anuência expressa dos ora apelantes e sem prazo determinado, tendo, no entanto, restado estabelecido elemento essencial à eficácia e duração do negócio jurídico, qual seja condição.

É sabido que a condição é cláusula que subordina a eficácia do negócio jurídico a um evento futuro e incerto, podendo ser classificada em suspensiva e resolutiva. Cumpre-me esclarecer que a condição resolutiva é aquela que, quando verificada, põe fim à eficácia do negócio jurídico, sendo a espécie que nos interessa tratar, pois constante do contrato de comodato de f. 16.

Estabelece o referido contrato em sua cláusula primeira:

``1 - O prazo do comodato será enquanto em vida da Sra. Ilza Ribeiro Lima, ou o que for necessário ou suficiente para que a mesma se organize econômica e financeiramente.

Parágrafo único - Após o prazo acima especificado, o comodante retomará o imóvel, para o uso que melhor lhe convier.''

Nesse cenário, tenho que caberia aos apelantes/autores, anuentes do comodato celebrado, o ônus de comprovar a ocorrência de qualquer uma das condições impostas na cláusula supratranscrita ou mesmo de necessidade imprevista e urgente, para suspender o gozo do imóvel emprestado, antes de atingida a condição resolutiva.

Contudo, analisando detidamente o feito, especialmente o conjunto probatório produzido, tenho que inexistem provas no sentido de que a apelada conseguiu se organizar econômica e financeiramente, sendo desnecessário esclarecer que incorreu o seu óbito, não havendo falar, assim, em resolução contratual.

Ademais disso, não lograram êxito em comprovar também a existência de necessidade imprevista e urgente, apta a ensejar a tomada da posse direta do imóvel.

Assim, a meu ver, o fato de a MM. Juíza ter supostamente elegido uma ordem preferencial entre as condições resolutivas constantes da cláusula primeira do contrato de comodato, tenho que essa discussão se tornou inócua, uma vez que nenhuma delas chegou a se concretizar.

Oportuno, ainda, esclarecer que não se está diante de contratação ad eternum, uma vez que, caso ocorra qualquer uma das condições resolutivas, ou reste comprovada a necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, de suspender o uso da coisa dada em comodato, haverá a resolução do contrato.

Inobstante a isso, tenho que está a merecer êxito a insurgência recursal quanto à condenação dos apelantes ao pagamento de indenização por danos morais, em favor da ora apelada.

Sobre o dano moral, Sílvio de Salvo Venosa preleciona:

"Dano moral, ou melhor dizendo, não patrimonial, é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bunus pater familias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. São Paulo: Editora Atlas, 2010. p. 853).

No caso dos autos, conforme relatado pelas próprias partes, foram encaminhadas pela parte autora à requerida notificações extrajudiciais, inclusive cumuladas com cobrança de aluguéis.

Dessa forma, não obstante as alegações da requerida/apelada no sentido de que, por se tratar de pessoa idosa e enferma, teria sofrido deplorável abalo psíquico em virtude da conduta dos requerentes, a meu ver não restou comprovado nos autos qualquer sentimento concreto de sofrimento, dor e angústia por ela vivenciados. Ao contrário, tais alegações evidenciam apenas uma situação de mero aborrecimento.

Tenho que a questão é meramente contratual.

Dessarte, meros aborrecimentos e desgostos do dia a dia não são sentimentos capazes de provocar abalo, constrangimento ou humilhação a ponto de configurar dano moral.

Nesse sentido:

``Ação de indenização. Não comprovação de danos causados pela ré. Meros aborrecimentos. Ausência de dano moral. Indenização indevida. Para que se possa falar em dano moral, é preciso que a pessoa seja atingida em sua honra, sua reputação, sua personalidade, seu sentimento de dignidade, passe por dor, humilhação, constrangimentos, tenha os seus sentimentos violados'' (TJMG - Apelação Cível 1.0024.14.313588-7/001, Relator: Des. Luiz Artur Hilário, 9ª Câmara Cível, j. em 09.11.2016, p. em 07.12.2016).

Por fim, no tocante à alegação trazida em audiência quanto ao não pagamento do IPTU e taxas condominiais por parte da comodatária, inexistindo pedido específico para tanto na petição inicial, entendo que devem os comodantes procurar a via própria para discutir a matéria.

Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido de indenização por danos morais formulado na peça de reconvenção.

Em razão da alteração do julgado, condeno a reconvinte, ora apelada, ao pagamento das custas e honorários de sucumbência da reconvenção, esses fixados em R$1.000,00 (um mil reais), suspensa a exigibilidade, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC.

Custas recursais, pelas partes, no importe de 50% (cinquenta por cento) cada, suspensa a exigibilidade, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Maurílio Gabriel e Antônio Bispo.

Súmula - DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG
Extraído de Serjus

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