Jurisprudência mineira – Agravo de instrumento – Ação de execução de título extrajudicial – Bem de interesse público – Compra e venda com cláusula de reversibilidade

11/05/2022

Jurisprudência mineira – Agravo de instrumento – Ação de execução de título extrajudicial – Bem de interesse público – Compra e venda com cláusula de reversibilidade

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - PRELIMINARES - INTEMPESTIVIDADE - NÃO OCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DO CABIMENTO - HIPÓTESE PREVISTA NO ROL DO ART. 1.015 DO CPC - REJEITADAS - PEDIDO DE PENHORA - ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE - BEM DE INTERESSE PÚBLICO - COMPRA E VENDA COM CLÁUSULA DE REVERSIBILIDADE - RESOLUTIVA - DECISÃO REFORMADA

- A interposição de qualquer recurso deve ocorrer dentro do prazo estabelecido no diploma processual civil que, nos termos do art. 1.003, § 5º, excetuados os embargos de declaração, é de 15 (quinze) dias. Verificando que o recurso foi interposto dentro do prazo legal, não há que se falar em sua intempestividade.

- É cabível o agravo de instrumento interposto contra decisão proferida na fase de cumprimento de sentença, nos termos do parágrafo único do art. 1.015 do Diploma Processual Civil.

- Conforme o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, o rol de impenhorabilidades previsto no artigo 833 do CPC – estabelecido pelo legislador com base em juízo apriorístico de ponderação –, estende a proteção patrimonial a hipóteses nas quais seja identificado interesse público, cuja efetivação coadune-se com o fim pretendido pela norma mitigadora da tutela executiva, em uma interpretação sistemática, teleológica, extensiva ou restritiva das aludidas regras, assim como a aplicação do princípio da adequação.

- Evidenciando nos autos que o contrato de compra e venda estabelece cláusulas especiais com relação ao imóvel que se pretende ser penhorado, com condição resolutiva na inobservância das obrigações impostas, sendo incontroverso o interesse público, há de se reconhecer a sua impenhorabilidade.

- Recurso conhecido e provido.

Agravo de Instrumento - Cível nº 1.0000.20.600102-6/001 - Comarca de Belo Horizonte - Agravante: Parque Barbacena Shopping Center S/A - Agravado: Universo Elétrico Ltda - Interessada: Procuradoria do Município de Barbacena. - Relator: Des. Fausto Bawden de Castro Silva

ACÓRDÃO

Vistos, etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar as preliminares e dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 26 de abril de 2022. - Fausto Bawden de Castro Silva - Relator.

VOTO

DES. FAUSTO BAWDEN DE CASTRO SILVA - Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por Parque Barbacena Shopping Center S/A, contra decisão (doc. ordem nº 5) proferida nos autos da “Ação de execução de título extrajudicial” em face de Universo Eletrico Ltda, que deferiu o pedido de penhora do imóvel, matrícula nº 14.307.

Pelas razões recursais (doc. ordem nº nº 1) sustenta o agravante que o bem penhorado foi transferido por meio de compra e venda com cláusula de reversibilidade, condicionada ao cumprimento de encargos e obrigações.

Esclarece que o terreno de nº 1 da quadra 02 de Matrícula nº 14.307 foi alienado pela Codemig – Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais –, sociedade de economia mista da administração direta do Estado de Minas Gerais, ao agravante, tendo como interveniente o ente municipal.

Afirma que a operação encontra respaldo na Lei Municipal de nº 4.105/2008 e Leis Estaduais de nº 14.892/2002 e 20.020/2012 e no Decreto Municipal de nº 7.846/2015.

Ressalta que, caso não seja observado o uso do imóvel estabelecido na Escritura Pública, configurar-se-á o descumprimento do encargo, condição resolutiva essa que ensejará o retorno do bem ao domínio da Municipalidade. Por essas razões, aduz que o imóvel é impenhorável.

Argumenta que a penhora e a consequente alienação do bem em exame para fins de extinção do débito exequendo constituirão, em si, a utilização desvirtuada dos imóveis.

Cita jurisprudência em abono a sua tese.

Alega que a intimação da municipalidade sobre a penhora do imóvel não desconstitui os argumentos, ao contrário, só reforça a impenhorabilidade do bem, uma vez que, se o domínio do bem não pertencesse ao Município, não haveria necessidade de cientificá-lo, e, ainda, pode discordar da alienação do bem nos moldes na cláusula 4 “m”, o que, por consequência, poderá rescindir o contrato.

Pede a concessão do efeito suspensivo e, ao final, o provimento do recurso para que seja reformada a decisão agravada.

Preparo realizado (doc. ordens nº 2 e 3).

Por decisão anterior (doc. ordem nº nº 117) foi deferido o pedido de efeito suspensivo e, na mesma oportunidade, determinada a intimação da parte agravada, com fundamento no art. 1.019, inciso II, do CPC, para apresentar resposta ao recurso.

A agravada, devidamente intimada, apresentou contraminuta (doc. ordem nº nº 118) suscitando preliminar de intempestividade do recurso e a ausência de seu cabimento. No mérito, insurgiu em face dos argumentos apresentados pela parte agravante e, ao final, pugnou pelo não provimento do agravo de instrumento.

Por despacho anterior (doc. ordem nº 120) foi determinada a intimação da parte agravante, com fundamento no art. 10 do CPC, para se manifestar sobre as preliminares suscitadas pela agravada em contraminuta de f. (doc. ordem nº 118).

O agravante apresentou manifestação (doc. ordem nº 121).

Por despacho anterior (doc. ordem nº 122) foi determinada a remessa dos autos para à Procuradoria-Geral de Justiça para se manifestar se possui interesse em atuar no feito.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça (doc. ordem nº 123) deixou de emitir parecer sobre a questão tratada no recurso e devolveu o feito a esse Egrégio Tribunal, para seu regular prosseguimento.

Por despacho anterior (doc. ordem nº 124) foi determinada a intimação do Município de Barbacena para, no prazo de 10 (dez) dias, informar se possui interesse no presente recurso.

O Município de Barbacena informou o seu interesse (doc. ordem nº 126) e, por esse motivo, requereu o seu cadastramento como interessado.

Por decisão anterior (doc. ordem nº 129) foi determinada a redistribuição do recurso para as Câmaras 1ª à 8ª e 19ª, na forma regimental.

O eminente Des. Márcio Idalmo Santos Miranda suscitou conflito negativo de competência (doc. ordem nº 130).

O il. Des. José Flávio de Almeida acolheu o conflito de competência e me declarou como competente para o julgamento do agravo de instrumento (doc. ordem nº 131).

É o relatório.

Decido.

Preliminar: Intempestividade do Recurso.

A agravada suscita preliminar de intempestividade do recurso, sob o argumento de que a parte agravante teve a ciência da decisão ora recorrida em 23/11/2020, restando, em sua argumentação, intempestivo ou prematuro o presente agravo de instrumento.

Pois bem.

Como se sabe, a interposição de qualquer recurso deve ocorrer dentro do prazo estabelecido no diploma processual civil, que, nos termos do art. 1.003, § 5º, excetuados os embargos de declaração, é de 15 (quinze) dias.

Nesse ponto, leciona Humberto Theodoro Junior:

“Esgotado o prazo estipulado pela lei, torna-se precluso o direito de recorrer. Trata-se de prazo peremptório, insuscetível, por isso, de dilação convencional pelas partes (nCPC, art. 223), embora se admita a renúncia à sua utilização, quando o litígio verse sobre direitos disponíveis e se trave entre pessoas maiores e capazes (art. 999). Pode, todavia, haver suspensão ou interrupção do prazo de recurso nos casos expressamente previstos em lei (art. 220 e 221) (obstáculos criados pela parte contrária, férias forenses etc.) e ainda nas hipóteses do art. 1.004 (falecimento da parte ou de seu advogado).

De acordo com o § 5º do art. 1.003,129 o prazo de quinze dias, a contar da intimação da decisão impugnada, é a regra geral observável para interposição de qualquer recurso. Excetuam-se apenas os embargos de declaração, cujo prazo é de cinco dias (art. 1.023). Assim, cada espécie de recurso tem um prazo próprio, que é idêntico e comum para ambas as partes” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 47. ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2016. vol. III).

No mesmo sentido, explica Daniel Amorim Assumpção Neves:

“Todo recurso tem um prazo determinado em lei, ocorrendo preclusão sempre que vencido o prazo legal sem a sua devida interposição. O Novo Código de Processo Civil torna o prazo recursal mais homogêneo, prevendo em seu art. 1.003, § 5.º, que todos os recursos passam a ter prazo de 15 dias (úteis), salvo os embargos de declaração, que mantêm o prazo atual de 5 dias”. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. ed., Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. Volume único).

Verticalizando tais premissas, verifica-se que a parte agravada, durante a instrução processual, requereu, nos termos do art. 845, § 1º do CPC, a penhora, por meio de termo nos autos, do bem imóvel da executada, ora agravante, registrado sob a matrícula 14.307 perante o 2º Cartório de Registro de Imóveis de Barbacena/MG.

O il. Magistrado de primeira instância, em 26/10/2020, deferiu o pedido formulado, por não verificar a existência de cláusula de impenhorabilidade.

Contudo, ao analisar detidamente os autos de origem, é possível observar que a parte agravante não foi intimada desta decisão. Não por outro motivo, que o MM. Juiz a quo proferiu despacho, em 11/11/2020, determinando a intimação da agravante para se manifestar sobre a penhora e assinatura do termo, e para opor impugnação no prazo legal.

Nesse passo, verifica-se que a parte agravante teve a ciência do referido despacho em 23/11/2020, e, considerando os art. 219, 224 e 1.003, § 5º, todos do Diploma Processual Civil, e, ainda, que a interposição do presente recurso ocorreu em 16/12/2020, não há que se falar em intempestividade do recurso.

Em abono, é o entendimento deste eg. Tribunal:

“Agravo de instrumento. Preliminar. Intempestividade. Processo eletrônico. Leitura automática. Tempestividade. Justiça gratuita. Deferimento - [...] - Interposto o agravo de instrumento dentro do prazo legal de 15 dias, impõe-se o seu conhecimento e a rejeição da preliminar de intempestividade. [...]” (TJMG - Agravo de Instrumento Cível nº 1.0000.20.029066-6/001, Rel.ª Des.ª Aparecida Grossi, 17ª Câmara Cível, j. em 7/8/2020, p. em 13/8/2020).

“Agravo de instrumento. Ação de obrigação de fazer c/c perdas e danos morais, materiais e pedido liminar. Preliminar de não cabimento do recurso. Rejeitar. Preliminar de intempestividade. Rejeitar. Cumprimento medida liminar - [...] - Uma vez verificado que o recurso foi interposto dentro do prazo para tanto, deve ser reconhecida sua tempestividade” [...] (TJMG - Agravo de Instrumento Cível nº 1.0000.19.125752-6/002, Rel. Des. Pedro Aleixo, 16ª Câmara Cível, j. em 15/4/2020, p. em 23/4/2020).

Em arremate, muito embora a parte argumente que não há decisão quanto à petição de impugnação a penhora e, por essas razões, o presente recurso seria prematuro, permissa maxima venia, não prospera a tese argumentativa.

É que, nos termos do art. 218, § 4º, do diploma processual civil, será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo. Em outras palavras, muito embora o il. Magistrado de primeira instância não tenha proferido decisão sobre a impugnação a penhora determinada, a meu ver, tal fato, por si só, não possibilita concluir que o recurso é intempestivo por ser prematuro.

Nesse sentido, bem esclarece Daniel Amorim Assumpção Neves:

“Apesar de o termo inicial do prazo se dar, ao menos em regra, com a intimação das partes, não se pode aceitar a tese criada nos tribunais superiores de ato prematuro, ou de intempestividade ante tempus, especialmente utilizada para não se conhecer de recurso por intempestividade. A tese afirma que o ato processual intempestivo é aquele interposto fora do prazo, o que pode ocorrer depois de finda ou antes de iniciada a sua contagem. Com esse raciocínio, tem-se por intempestivo o ato processual interposto antes da intimação das partes, considerado que o termo inicial para a contagem do prazo ainda não se verificou. E ainda mais extravagante, trata-se de uma intempestividade sanável, porque se a parte que praticou o ato prematuramente o reiterar após sua intimação, o ato processual será considerado tempestivo.

O entendimento é lamentável porque conspira claramente contra os princípios da duração razoável do processo e da cooperação. Apesar de recentemente o Supremo Tribunal Federal ter superado a tese do recurso prematuro intempestivo, a tendência de nossos tribunais na vigência do CPC/1973 era sua aplicação, em mais um triste capítulo do fenômeno conhecido por ‘jurisprudência defensiva’” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. ed., - Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. Volume único).

Na mesma trilha de ideias, afirma Fredie Didier Jr.:

Recurso interposto antes do início do prazo é tempestivo (art. 218, §4°, CPC). O CPC-2015 encerra, assim, antiga polêmica em torno da intempestividade do recurso prematuro. Havia diversas decisões dos tribunais superiores que, ao tempo do CPC1973, consideravam intempestivo o recurso prematuro; havia, também, decisões que o consideravam tempestivo. De todo modo, a discussão agora tem importância meramente histórica. (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. ed., reform. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016).

Eis, a propósito, o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

“Agravo regimental em recurso extraordinário. Imposto sobre produtos industrializados. Creditamento. Insumos isentos. Coisa julgada. Ratificação - A interposição de recurso prematuro, sem posterior ratificação, não importa, por si só, na intempestividade do recurso. Precedente: AI-AgR-ED-ED-EDv-ED 703.269, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe 8/5/2015. [...]” (STJ - RE 613043 AgR, Rel. Edson Fachin, Primeira Turma, j. em 9/12/2016, Acórdão eletrônico DJe-268 divulg. 16/12/2016, public. 19/12/2016).

Portanto, rejeito a preliminar.

Preliminar: ausência de cabimento.

A agravada suscita preliminar de não conhecimento do recurso por ausência de cabimento, ao argumento de que inexiste nos autos decisão atacável por meio de agravo de instrumento.

Pois bem.

Como é cediço, dentre as grandes inovações trazidas pelo diploma processual civil, em matéria recursal, encontra-se a exclusão do agravo retido, e a limitação do cabimento do agravo de instrumento às decisões interlocutórias que versem sobre as situações elencadas em seu art. 1.015.

Pelo novo sistema recursal, portanto, o agravo de instrumento se sujeita ao rol taxativo, ou seja, na fase de conhecimento somente são impugnáveis por este recurso as decisões previstas nos incisos do mencionado dispositivo. E, ainda, será cabível contra todas as decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Por oportuno, reza verbum ad verbo o art. 1.015 do CPC:

“Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I - tutelas provisórias;

II - mérito do processo;

III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI - exibição ou posse de documento ou coisa;

VII - exclusão de litisconsorte;

VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º

XII - (VETADO);

XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário”.

Nesse contexto, leciona Daniel Amorim Assumpção Neves:

“No novo sistema recursal criado pelo novo Código de Processo Civil é excluído o agravo retido e o cabimento do agravo de instrumento está limitado às situações previstas em lei. O art. 1.015, caput, do novo CPC admite o cabimento do recurso contra determinadas decisões interlocutórias, além das hipóteses previstas em lei, significando que o rol legal de decisões interlocutórias recorríveis por agravo de instrumento é restritivo, mas não o rol legal, considerando a possibilidade de o próprio Código de Processo Civil, bem como leis extravagantes, previrem outras decisões interlocutórias impugnáveis pelo agravo de instrumento que não estejam estabelecidas pelo disposto legal” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. ed., - Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. Volume único).

No mesmo sentido, ensina Humberto Theodoro Junior:

“Agravo de instrumento é o recurso cabível contra algumas decisões interlocutórias (nCPC, art. 1.015, caput), ou seja, contra os pronunciamentos judiciais de natureza decisória que não se enquadrem no conceito de sentença (art. 203, § 2º). [...] O nCPC, na esteira das alterações anteriores e dos princípios da celeridade e da efetividade do processo, promoveu outras modificações no recurso, tais como: (i) elaborou um rol taxativo de decisões que admitem a interposição do agravo de instrumento (art. 1.015); (ii) aboliu o agravo na modalidade retida, determinando que, para as situações não alcançáveis pelo agravo, a impugnação deverá ser feita em preliminar de apelação ou contrarrazões de apelação, depois da sentença (art. 1.009, § 1º).

O agravo é, outrossim, cabível em todo e qualquer tipo de processo, inclusive no de execução, assim como no procedimento comum e nos especiais (de jurisdição voluntária ou contenciosa). (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 47. ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. vol. III).

À vista de tais fatos, observa-se que a parte agravante interpôs o presente recurso em face de decisão interlocutória proferida no processo de execução, razão pela qual não há que se falar em ausência de cabimento do agravo de instrumento.

Em abono, é o entendimento deste eg. Tribunal:

“Agravo de instrumento. Preliminar. Não cabimento. Rejeição. Execução. Penhora quotas sociais. Previsão legal. Impossibilidade no caso dos autos. Quebra da affectio societatis. Conservação da atividade empresarial. Princípio da menor onerosidade. Observância. Necessidade. Decisão reformada. Recurso provido - Deve ser rejeitada a preliminar de não cabimento do agravo de instrumento quando o objeto do recurso trata de decisão proferida no curso do processo de execução, enquadrando-se, assim, no parágrafo único do art. 1.015 do CPC/15. [...]” (TJMG - Agravo de Instrumento Cível 1.0344.13.000252-2/001, Rel. Des. Amorim Siqueira, 9ª Câmara Cível, j. em 21/01/2020, p. em 29/1/2020).

Portanto, rejeito a preliminar.

Dos pressupostos de admissibilidade.

O art. 1.015, do Código de Processo Civil de 2015, dispõe acerca do cabimento do agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias ali elencadas.

No caso em exame, a decisão recorrida encontra-se devidamente prevista no inciso parágrafo único do referido artigo, razão pela qual o presente recurso deve ser recebido.

Assim, conheço do recurso, vez que presentes todos os pressupostos de admissibilidade, conforme art. 1.016 e 1.017 do CPC.

Síntese fática.

Colhe-se dos autos que a agravada ingressou em juízo com “Ação de Execução de Título Extrajudicial” afirmando que é credora de quantia líquida, certa e exigível no valor atualizado de R$149.201,52 (cento e quarenta e nove mil, duzentos e um reais e cinquenta dois centavos), referentes a títulos de crédito, na modalidade duplicatas de venda mercantil, protestadas por indicação.

Por essas razões, requereu a citação da parte executada, ora agravante, para pagar em 3 (três) dias o débito reclamado e supramencionado, nos termos do art. 829, §§ 1º e 2º, do CPC, acrescido de 10% (dez por cento) de honorários advocatícios, por força do art. 827, do mencionado diploma legal.

Ato contínuo, durante a instrução processual, a exequente, ora agravada, nos termos do art. 845, §1º, do CPC, requereu que fosse realizada a penhora, por meio de termo nos autos, pelo i. Escrivão da Secretaria do Juízo a quo, do bem imóvel da executada, registrado sob a matrícula nº 14.307 perante o 2º Cartório de Registro de Imóveis de Barbacena/MG.

O il. Magistrado de primeira instância, após analisar as razões apresentadas e os documentos jungidos aos autos, entendeu pelo deferimento do pedido, nos seguintes termos:

Da leitura da escritura pública de compra e venda do imóvel (matrícula nº 14.307), não verifico a existência de cláusula de impenhorabilidade. Assim, defiro o pedido de penhora requerido.

Lavrar termo de penhora. Nomeio o executado como depositário do bem. Proceder à intimação do executado e seu cônjuge, se casado for, nos termos do art. 842, do CPC, bem como coproprietários e outros terceiros interessados, se houver. Intimar o Município de Barbacena, nos termos da cláusula 4, “m”, da escritura pública.

Informo que o exequente deverá providenciar a intimação, com a indicação dos endereços e recolhimento de custas.

Expedir mandado de avaliação.

Após, deverá o exequente comprovar o cumprimento do disposto no art. 844, do CPC. Esclareço ao exequente que o pedido de certidões deverá ser formulado junto à secretaria.

É, pois, em face desta decisão que insurge a agravante.

Mérito – Temas.

Da (im)penhorabilidade do bem imóvel.
Enfrentamento

Cinge a controvérsia recursal em verificar se o imóvel registrado sob a matrícula nº 14.307, correspondente a um lote de terreno de nº 1 da quadra 2 situado no Parque Empresarial de Barbacena é (im)penhorável.

Pois bem.

Como sabido, não são todos os bens do executado que respondem pela execução, haja vista que o diploma processual civil, em seu art. 833, estatui algumas restrições a penhora, isto é, hipóteses de impenhorabilidade.

Nesse contexto, Fredie Didier Jr. explica que:

“A impenhorabilidade de certos bens é uma restrição ao direito fundamental à tutela executiva. É técnica processual que limita a atividade executiva e que se justifica como meio de proteção de alguns bens jurídicos relevantes, como a dignidade do executado, o direito ao patrimônio mínimo, a função social da empresa ou a autonomia da vontade (nos casos de impenhorabilidade negocial). São regras que compõem o devido processo legal, servindo como limitações políticas à execução forçada” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; et al. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017).

Com efeito, é certo – e isso não se põe dúvida – que tais limitações buscam a proteção da dignidade do executado de modo a lhe garantir e assegurar um patrimônio mínimo, ou seja, possuem o escopo de preservar bens do devedor em respeito a valores mais elevados previstos na Constituição da República.

Nesse ponto, exsurge pontuar as palavras do professor Daniel Amorim Assumpção Neves:

“É indubitável que as regras de impenhorabilidade de determinados bens têm estreita ligação com a atual preocupação do legislador em criar freios à busca sem limites da satisfação do exequente na execução, mantendo-se a mínima dignidade humana do executado. [...] Como se nota, a impenhorabilidade de bens é a última das medidas no trajeto percorrido pela ‘humanização da execução’. A garantia de que alguns bens jamais sejam objeto de expropriação judicial é a tentativa mais moderna do legislador de preservar a pessoa do devedor, colocando-se nesses casos sua dignidade humana em patamar superior à satisfação do direito do exequente. É corrente na doutrina a afirmação de que razões de cunho humanitário levaram o legislador à criação da regra da impenhorabilidade de determinados bens. A preocupação em preservar o executado - e quando existente também sua família - fez com que o legislador passasse a prever formas de dispensar o mínimo necessário à sua sobrevivência digna (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. Volume único).

À luz de tais ponderações, no caso em tela, verifica-se que a parte agravada, durante a instrução processual, requereu a penhora do imóvel registrado sob a matrícula nº 14.307, correspondente a um lote de terreno de nº 1 da quadra 2 situado no Parque Empresarial de Barbacena, tendo sido deferido pelo juízo a quo.

No entanto, concisa maxima venia ao il. Magistrado de primeira instância, a meu ver, não deve prevalecer o entendimento exposto.

Esclareço.

Sabe-se que o contrato de compra e venda, nas palavras dos professores Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias, é o negócio jurídico pelo qual uma das partes assume a obrigação de transferir o domínio de algo, mediante o pagamento de um valor pecuniário.

No mesmo sentido, lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona:

A definição do contrato de compra e venda é extremamente simples, dispensando grande esforço intelectual: traduz o negócio jurídico em que se pretende a aquisição da propriedade de determinada coisa, mediante o pagamento de um preço.

Trata-se, pois, de um negócio jurídico bilateral, pelo qual uma das partes (vendedora) se obriga a transferir a propriedade de uma coisa móvel ou imóvel à outra (compradora), mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro (preço). (STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 4. ed., São Paulo : Saraiva Educação, 2020. volume único).

Nesse passo, da análise dos autos, é possível verificar que a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais – CODEMIG – e a CG12 Empreendimentos Imobiliários Ltda. realizaram um contrato de compra e venda de um terreno constituído pelo lote 1, quadra 2, matriculado sob o nº M-14.307, devidamente formalizado pela escritura pública (doc. ordem nº 13), tendo o Município de Barbacena como interveniente.

Confira-se:

“Saibam quantos este público instrumento virem que, no ano do nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo, aos 11 (onze) dias do mês de abril do ano de 2014 (dois mil e quatorze), nesta cidade de Belo Horizonte, Capital do Estado de Minas Gerais, 2º Tabelionato de Notas, situado na rua da Bahia nº 1000, perante mim, Renata Moreira da Silva Carvalho, escrevente autorizada, compareceram: - como outorgante vendedora: Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais – Codemig [...] e, como outorgada compradora: CG12 Empreendimentos Imobiliários ltda [...] e, como Interveniente: Município de Barbacena [...] perante a mim, escrevente autorizada, pela outorgante vendedora, por seus representantes, me foi dito que: 1) É senhora e legítima possuidora de um terreno constituído pelo lote 1 (um), da quadra 2 (dois), com área total de 3.652,28m² (três mil, seiscentos e cinquenta e dois vírgula vinte e oito metros quadrados), localizado no município de Barbacena, Minas Gerais, com limites e confrontações constantes do memorial descritivo, devidamente arquivado no Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Barbacena. O referido está matriculado sob o número M-14.307 [...]. 2) O terreno está livre e desembaraçado de quaisquer ônus ou gravame, real ou pessoal, quite de tributos até esta data, não tendo a outorgante vendedora contra si ação ou execução que possa prejudicar ou invalidar a presente escritura. 3) Pela presente e na melhor forma de direito, ela, outorgante vendedora, efetivando promessa feita, vende a outorgada compradora, como vendido tem, o terreno acima descrito e caracterizado pelo preço certo e ajustado de R$63.184,44 (sessenta e três mil, cento e oitenta e quatro reais e quarenta e quatro centavos), integralmente recebido pela outorgante vendedora, do que dá plena, rasa e geral quitação.”

Além disso, como sabido, no contrato de compra e venda há a possibilidade das partes estabelecerem cláusulas especiais para atender a interesses específicos.

Sobre o tema, explicam Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias:

“A par das regras gerais do contrato de compra e venda – relativas ao consentimento, ao preço e ao objeto –, autoriza o sistema que as partes se valham de cláusulas especiais, de natureza evidentemente acessória, para atender a interesses específicos, sem afetar a regulação genérica da avença. [...] A função dessas cláusulas adjetivas é estabelecer fatores de controle da eficácia do contrato, através da indicação (eventos futuros e incertos), acomodando interesses recíprocos. Por óbvio, de algum modo, tornam o negócio jurídico diferenciado, na medida em que são estabelecidas regras especiais, sem afetar, insista-se, à sociedade, as regras gerais da compra e venda. [...] À luz da autonomia privada que permeia o Direito dos Contratos, como exaustivamente visto alhures, não se pode deixar de assinalar que o rol das cláusulas adjetas é meramente exemplificativo, admitindo-se que as partes venham a estabelecer outras cláusulas especiais, igualmente decorrentes de manifestação expressa, com o propósito de regulamentar determinados interesses” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: contratos. 7. ed., ver. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017).

A toda essa evidência, avançando a análise da celeuma processual, ressalta-se que foram estabelecidas cláusulas especiais no contrato de compra e venda que, a meu ver, devem ser observadas, senão vejamos:

3) [...] No referido terreno, a outorgada compradora implantará e colocará em funcionamento o empreendimento, cujo projeto será aprovado pelo município interveniente, que consistirá em construção de um empreendimento hoteleiro, ou outra atividade industrial, comercial ou de serviços, com expressa anuência do município interveniente, nos termos do termo de aditamento ao protocolo de intervenções firmado em 28 de janeiro de 2014. - 4) Obriga-se a outorgada compradora, por si e por seus sucessores a: a) apresentar ao município interveniente, no prazo de até 12 (doze) meses contados da data de assinatura da presente escritura, o projeto completo das obras, instalações e serviços do seu empreendimento; b) iniciar as obras, dentro do prazo de até 24 (vinte e quatro) meses contados da data de assinatura da presente escritura, observando, rigorosamente, o projeto aprovado pelo município interveniente; c) concluir a execução das obras, serviços e instalações e iniciar a operação do empreendimento, dentro do prazo de até 60 (sessenta) meses contados da data de assinatura da presente escritura; d) observar a legislação relativa ao meio ambiente, acatando as normas estabelecidas pelos órgãos competentes, notadamente o Copam Conselho Estadual de Política Ambiental, a FEAM-Fundação Estadual do Meio Ambiente, o IEF- Instituto Estadual Florestas, O IGAM- Instituto Mineiro de Gestão das Águas, demais órgãos ambientais municipal e federal, sujeitando-se a instalar, caso seja considerado necessário por aqueles órgãos, sistema ou processo de tratamento de despejos líquidos, resíduos sólidos e efluentes atmosféricos, comprometendo-se a obter os necessários licenciamentos, autorizações e outorgas. [...] g) não executar no terreno ora vendido quaisquer obras ou serviços, sem a prévia e expressa aprovação do município interveniente, inclusive no que se refira a alterações do projeto aprovado; [...] i) não alterar a utilização dada ao imóvel, estabelecida na Cláusula 3 (três); [...] I) se pretender vender, dar em pagamento ou alienar, sob qualquer forma, o imóvel objeto desta avença, ficará obrigada a oferecê-lo ao município interveniente, para que possa ela, querendo, exercer o direito de preferência, tanto por tanto, que ora fica expressamente estabelecido a seu favor, nos termos dos arts. 513 a 520 do Código Civil, obrigando-se, ainda, a fazer-lhe comunicação escrita em papel timbrado da empresa e com as assinaturas de seus representantes legais devidamente reconhecidas em cartório; m) não ceder ou transferir o imóvel objeto desta escritura, sob qualquer forma, sem a prévia e expressa concordância do município interveniente [...] 6)- Verificado, a qualquer tempo, o descumprimento de qualquer uma das obrigações estabelecidas nesta escritura, ficará o infrator, desde o ocorrido, sujeito a multa diária equivalente a 0,2% (zero vírgula dois por cento), sobre o valor da tabela de preços para os terrenos da CODEMIG ou de tabela criada pelo município interveniente em substituição à da CODEMIG, vigente à época da verificação da inadimplência até sua cessação, sem prejuízo da faculdade de poder a outorgante vendedora exigir o cumprimento da obrigação ou rescindir o presente Instrumento. 7) Rescindida a presente escritura, perderá a outorgada compradora as quantias que houver pago, revertendo ao município interveniente o terreno e as benfeitorias e acessões porventura incorporadas ao mesmo, sem direito a retenção ou indenização devendo ainda restituir as custas processuais e pagar honorários advocatícios na forma do art. 20, § 3°, do CPC”.

Como se vê, a negociação realizada entre a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais – Codemig – e a CG12 Empreendimentos Imobiliários Ltda, estabeleceu várias cláusulas de observância obrigatória, entre as quais se destaca a possibilidade de o imóvel vendido reverter à esfera patrimonial do Município de Barbacena, diante do não cumprimento das obrigações assumidas.

Ou seja, na hipótese de a CG12 Empreendimentos Imobiliários Ltda não cumprir com as obrigações assumidas, tais como: a construção de um empreendimento hoteleiro, ou outra atividade industrial, comercial ou de serviço, no prazo fixado na escritura pública, observando a legislação relativa ao meio ambiente, será rescindido o contrato de compra e venda com a perda das quantias pagas, bem como o imóvel será revertido ao patrimônio do Município de Barbacena.

Portanto, como bem afirmado pela parte agravante, caso não seja observado o uso do imóvel estabelecido na Escritura Pública, configurar-se-á o descumprimento do encargo, condição resolutiva que ensejará o retorno do bem ao domínio da municipalidade.

Assim sendo, diante das peculiaridades do contrato firmado entre as partes, o qual estabelece, de forma expressa, a proibição de alteração da sua utilização – item i da escritura pública –, a meu ver, não há como reconhecer a possibilidade de penhora do imóvel em litígio.

E, nesse ponto, não se deve olvidar que o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que o rol de impenhorabilidades previsto no art. 833 do CPC – estabelecido pelo legislador com base em juízo apriorístico de ponderação –, estende a proteção patrimonial a hipóteses nas quais seja identificado interesse público, cuja efetivação coadune-se com o fim pretendido pela norma mitigadora da tutela executiva, em uma interpretação sistemática, teleológica, extensiva ou restritiva das aludidas regras, assim como a aplicação do princípio da adequação.

Confira-se ementa do julgado in verbis:

“Recurso especial. Execução de título extrajudicial ajuizada em face da confederação brasileira de tênis de mesa (CBTM). Repasses de recursos públicos destinados ao fomento de atividades desportivas. Impenhorabilidade - [...] -3. Nesse quadro se insere o rol de impenhorabilidades previsto no art. 833 do CPC - estabelecido pelo legislador com base em juízo apriorístico de ponderação -, o qual, contudo, não impede, a depender das circunstâncias do caso concreto, que se estenda a proteção patrimonial a hipóteses nas quais sejam identificados direitos fundamentais (ou interesse público) cuja efetivação coadune-se com o fim pretendido pela norma mitigadora da tutela executiva. Tal exegese encontra guarida em precedentes desta Corte, que apontam o cabimento de interpretação sistemática, teleológica, extensiva ou restritiva das aludidas regras, assim como a aplicação do princípio da adequação. [...]” (REsp 1878051/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 14/9/2021, DJe de 30/9/2021).

No mesmo sentido, são os dizeres do professor Fredie Didier Jr.:

“Exatamente porque são normas que visam proteger direitos fundamentais, as regras de impenhorabilidade podem ser ampliadas em razão de peculiaridades do caso concreto, como forma de tutelar adequadamente esses mesmos direitos fundamentais. Trata-se de aplicação do princípio da adequação (sobre o tema, ver o capítulo sobre normas fundamentais do processo civil, no v. 1 deste Curso). Alguns exemplos. Não há regra expressa que proíba a penhora de um cão. No entanto, não será possível penhorar um cão-guia, que, para o cego, corresponde aos seus olhos. A natureza jurídica do cão-guia é de olho, órgão humano, e, como tal, não sujeito à responsabilidade patrimonial. A necessidade de proteção do direito fundamental à dignidade permite a interpretação judicial que repute impenhorável esse bem” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; et al. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed., rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017).

No caso em apreço, é inegável o interesse público do imóvel e, por esse motivo, a meu juízo, deve ser considerado como impenhorável, sob pena de desvirtuar a sua finalidade.

Nesse contexto, deve-se destacar o Decreto Municipal nº 7.846 (doc. ordem nº 11):

“Art. 1° Ficam determinadas todas as providências administrativas de competência do Poder Público Municipal para imediata implantação dos empreendimentos Hoteleiro e Shopping Center Regional no Loteamento Parque Empresarial de Barbacena, incluindo os registros pertinentes junto ao Cartório de Títulos e Documentos e ao Cartório de Registros Imobiliários da Comarca de Barbacena.

Art. 2° Para fiel cumprimento do disposto neste Decreto, fica designado o Subsecretário de Fomento Econômico do Município de Barbacena para acompanhar os trabalhos e tomar as providências a seu cargo, fazendo a interlocução entre os Órgãos da Administração Pública e os Cartórios competentes”.

Aliás, exsurge ressaltar que a Diretoria de Patrimônio Municipal – DIRPAT – ressaltou que o Município de Barbacena possui interesse no imóvel, tendo em vista a sua finalidade e que eventual penhora do imóvel poderá trazer lesão ao patrimônio público (doc. ordem nº 127).

2 – O Município possui interesse no imóvel registrado sob a matrícula nº 14.307?

Sim. Haja vista a finalidade pela qual foi instituído o Distrito Industrial, qual seja, a de estimular e incentivar a instalação de indústrias e empreendimentos de diversas searas, levando-se em conta a promoção de desenvolvimento econômico e geração de empregos para a cidade, inclusive sendo este o escopo do Convênio firmado em 10/5/2013, aditado em 28/1/2021.

3 – A penhora do imóvel nos autos da Execução de Título Extrajudicial movida por Universo Elétrico Ltda. gera alguma lesão ao patrimônio público?

Sim. A penhora do imóvel gera lesão ao patrimônio público haja vista a cláusula restritiva constante na Averbação AV-2-14307 da Matrícula nº 14.307, que institui que cada cessão ou transferência do imóvel realizada, o município teria direito ao percentual de 02 a 10% sobre o valor da tabela de preços definida, e ainda, em razão do Convênio celebrado entre o município a Codemig, cuja cópia segue em anexo, que, em cláusula segunda, item 2.1, estabelece a doação dos terrenos arrecadados ao município quando do descumprimento de cláusulas contratual por parte dos compradores destes.

Em abono, é o entendimento do Egrégio Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul:

“Agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Indenizatória. Fase executiva. Indicação de bem público à penhora. Impossibilidade. Imóvel sob domínio da associação privada executada na qualidade de donatária com encargo. Escritura pública com cláusula de reversão. Impenhorabilidade ex lege. - Eventual penhora e alienação do imóvel em favor do credor invariavelmente acarretará no desvio da finalidade para o qual foi doado à associação (atividades esportivas). Aqui, o terreno em momento algum perdeu a característica de bem público, pois não se tratou de doação livre de encargo que acarretasse desafetação, portanto, acertada a decisão agravada, forte nos art. 833, I, nCPC e 100 do CC. Princípio da supremacia e indisponibilidade do interesse público. Precedentes. Agravo de instrumento desprovido” (Agravo de Instrumento, nº 70072980394, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Carlos Eduardo Richinitti, j. em: 28/6/2017)

Harmoniza-se, inclusive, como posicionamento do Egrégio Tribunal Paulista:

Execução de título extrajudicial. Acolhimento de impugnação à penhora. Bem doado por Município à empresa executada. A inalienabilidade imposta na lei que autorizou a doação implica impenhorabilidade. Aplicação do art. 1.911 do Código Civil. Previsão de reversão da doação em caso de inexecução de encargo. Impossibilidade de penhora, sob pena de ofensa ao art. 555 do Código Civil. Recurso não provido” (TJSP; Agravo de Instrumento nº 2225285-50.2018.8.26.0000; Rel. Renato Rangel Desinano; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araçatuba - 1ª Vara Cível; j. em 7/11/2018; Data de registro: 7/11/2018)

Conclui-se, portanto, que a reforma da decisão agravada é a medida que se impõe.

Dispositivo.

Diante de tais considerações, dou provimento ao recurso para, reformando a decisão ora recorrida, reconhecer a nulidade da penhora incidente sob o imóvel de matrícula nº 14.307, com a consequente desconstituição do ato constritivo ante a sua impenhorabilidade.

Custas ao final.

É como voto.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Pedro Bernardes de Oliveira e Luiz Artur Hilário.

Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Extraído de Serjus/Anoreg/MG

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