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Jurisprudência mineira - Apelação cível - Ação de interdição - Interditando portador de Alzheimer - Novo regime instituído pela Lei 13.146/2015 - Curatela - Possibilidade - Incapacidade relativa

Publicado em: 10/07/2018

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INTERDIÇÃO - INTERDITANDO PORTADOR DE ALZHEIMER - NOVO REGIME INSTITUÍDO PELA LEI Nº 13.146/2015 – CURATELA – POSSIBILIDADE - INCAPACIDADE RELATIVA - DESPROVIMENTO


- A Lei nº 13.146/2015 consolidou os princípios e diretrizes da mais recente convenção de direitos humanos da ONU (Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo), revelando-se um marco regulatório e consolidativo dos direitos e deveres das pessoas com deficiência.


- A nova lei ampliou os direitos dos indivíduos portadores de deficiência, desconstruindo, assim, a percepção da deficiência como determinante da incapacidade civil, sem contrariar nenhum dos dispositivos da CR/88.


- O instituto da curatela deverá ser adotado aos deficientes de maneira excepcional, somente nas hipóteses em que não for possível a expressão da vontade, aplicando-se o regime da incapacidade relativa, bem como se restringindo à prática de atos patrimoniais, de maneira a preservar, na medida do possível, a autodeterminação para a condução das situações existenciais.


- Sentença mantida.


Apelação cível nº 1.0000.18.015046-8/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: T.M.S.M.- Apelado: A.S.M. representado pelo curador - Interessado: S.M.S. - Relator: Des. Carlos Levenhagen


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 14 de junho de 2018. - Carlos Levenhagen - Relator.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


DES. CARLOS LEVENHAGEN - Trata-se de recurso de apelação interposto por T.M.S.M. contra a sentença proferida pelo magistrado Antônio Leite de Pádua (doc. 156), que, nestes autos eletrônicos de ação de interdição proposta em face de A.S.M., julgou procedente o pedido inicial para decretar a interdição parcial da ré, submetendo-a à curatela, nos termos da fundamentação, cujo encargo foi conferido ao autor, seu filho.


Em suas razões recursais, alega que a sentença proferida não se mostra razoável no tocante aos limites impostos à curatela definitiva concedida, que devem ser estendidos "ao direito ao corpo da curatelada, sua sexualidade, privacidade e saúde", ante a prova produzida nos autos, conclusiva, no sentido de que a apelada não possui capacidade para reger sua pessoa. Assevera, ainda, que o art. 85, §§ 3º e 4º, da Lei nº 13.146/15 devem ser interpretados à luz do art. 755 do CPC, de modo a permitir ao julgador "pronunciar-se sobre os limites em que a curatela deve se ater além da natureza patrimonial e negocial" (doc. 170).


Contrarrazões, pelo desprovimento do recurso, refutando as alegações do apelante (doc. 179).


Parecer da d. Procuradoria-Geral de Justiça, pelo desprovimento do recurso aviado (doc. 183).


É o relatório.


Conheço do recurso voluntário, por atendidos os pressupostos que regem sua admissibilidade.


Cediço que a declaração de interdição sempre foi compreendida como medida extrema, que possui como efeito o reconhecimento da incapacidade do interditando para a realização dos atos da vida civil, sendo nomeado, assim, um curador.


A interdição, portanto, apenas pode ser deferida quando as provas produzidas nos autos não deixam margem a dúvida de ser o interditando incapaz de reger sua pessoa e administrar seus bens.


Sobre o tema, a orientação deste Tribunal de Justiça:


"Apelação cível. Interdição. Falta de prova da incapacidade mental do interditando para o exercício dos atos da vida civil. Curatela. Desnecessidade da medida. Lei nº 13.146/15. - Em vista das gravíssimas consequências para o interditando e para terceiros, o deferimento da interdição exige prova da incapacidade mental do interditando. - Quando a prova pericial atestar a capacidade do interditando para gerir os atos da vida civil, porque não sofre de qualquer patologia que afete o seu juízo e discernimento, deve ser confirmada a improcedência do pedido de interdição" (TJMG - Apelação Cível 1.0431.12.001072-0/001, Relator Des. Renato Dresch, 4ª Câmara Cível, j. em 16/2/2017, p. em 21/2/2017).


Com o advento da Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência), deve o presente caso se submeter ao novo regramento conferido ao regime de incapacidades e ao instituto da curatela, presentes no sistema jurídico brasileiro. A Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, destinando-se, nos termos de seu art. 1°, a "assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, objetivando a sua inclusão social e cidadania".


Conforme disposto no parágrafo único do dispositivo supramencionado, a Lei em comento consolidou os princípios e diretrizes da mais recente convenção de direitos humanos da ONU (Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo), revelando-se um marco regulatório e consolidativo dos direitos e deveres dos deficientes. Assim, o parâmetro utilizado pela recente lei é o próprio ambiente em que a pessoa com deficiência está inserida, de maneira que a limitação funcional do indivíduo, por si só, não mais restringe o exercício de seus direitos.


Revelam-se enriquecedores os comentários à Lei nº 13.146, realizados por Anna Paula Feminella e Laís de Figueirêdo Lopes:


"O modelo social propõe uma conceituação mais justa e adequada sobre as pessoas com deficiência, reconhecendo-as como titulares de direitos e dignidade humana inerentes, exigindo um papel ativo do Estado, da sociedade, e das próprias pessoas com deficiência. Tem como fundamento filosófico o princípio da isonomia ou da igualdade, que reconhece o ser humano como sujeito de direitos iguais perante a lei, tanto do ponto de vista formal, quanto material. Nessa perspectiva, afirma-se que a deficiência em si não ‘incapacita’ o indivíduo e sim a associação de uma característica do corpo humano com o ambiente inserido. É a própria sociedade que tira a capacidade do ser humano com suas barreiras e obstáculos, ou com a ausência de apoios. Para garantir a concretização dos direitos das pessoas com deficiência é preciso reconhecer sua identidade própria e prover os recursos necessários para possibilitar sua plena e efetiva participação na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas. Nessa esteira, a sociedade é corresponsável pela inclusão das pessoas com deficiência. O modelo social destaca o impacto do ambiente na vida da pessoa com deficiência e que as barreiras arquitetônicas, de comunicação e atitudinais existentes devem ser removidas para possibilitar a inclusão das pessoas com deficiência, e novas devem ser evitadas ou impedidas, com o intuito de deixar de gerar exclusão. A LBI trouxe um conceito muito semelhante ao positivado na Convenção, em seu artigo segundo, trazendo para a aplicação prática a ideia de que a avaliação da deficiência pode ser desnecessária. Será biopsicossocial sempre que for relevante para definir o universo de beneficiários dos direitos garantidos, ou seja, deverá agregar à análise médica o olhar social, do entorno, para fins de avaliação de deficiência, a partir de equipe multidisciplinar. Em até dois anos da entrada em vigor da LBI esses mecanismos deverão ser criados pelo Poder Executivo Federal" (FUNDAÇÃO Feac. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Comentada. Org. Joyce Marquezin Setubal e Regiane Alves Costa Fayan. Campinas, 2016. Disponível em: <https://www.feac.org.br/wp-content/uploads/2017/3/Lei-brasileirade-inclusao-comentada-baixa-min-2.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2017).


Sob tal prisma, o Estatuto da Pessoa com Deficiência pretende estabelecer aos indivíduos portadores de deficiência condições de verdadeira igualdade em face dos demais cidadãos, prevendo, por exemplo, que a condição de deficiência não afeta a plena capacidade civil das pessoas para os atos da vida civil. Dessa maneira, rompe com o paradigma da incapacidade até então vigente no ordenamento jurídico brasileiro.


A propósito:


"Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:


I - casar-se e constituir união estável;


II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;


III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;


IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;


V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e


VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas" (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015).


Sobre o tema, leciona Nelson Rosenvald:


"A CDPD é o primeiro tratado de consenso universal que concretamente especifica os direitos das pessoas com deficiência pelo viés dos direitos humanos, adotando um modelo social de deficiência que importa em um giro transcendente na sua condição. Por esse modelo, a deficiência não pode se justificar pelas limitações pessoais decorrentes de uma patologia. Redireciona-se o problema para o cenário social, que gera entraves, exclui e discrimina, sendo necessária uma estratégia social que promova o pleno desenvolvimento da pessoa com deficiência. O objetivo da CDPD é o de permutar o atual modelo médico - que deseja reabilitar a pessoa anormal para se adequar à sociedade -, por um modelo social de direito humanos, cujo desiderato é o de reabilitar a sociedade para eliminar os muros de exclusão comunitária. A igualdade no exercício da capacidade jurídica requer o direito a uma educação inclusiva, à vida independente e à possibilidade de ser inserido em comunidade. Por tais razões, reconhece o Preâmbulo da CDPD: ‘a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas’” (Estatuto da pessoa com deficiência: Perguntas e respostas. Disponível em: <https://genjuridico.com.br/2015/10/05/em-11- perguntas-e-respostas-tudo-que-voce-precisa-paraconhecer-o-estatuto-dapessoa-com-deficiencia/>. Acesso em: 06 nov. 2017).


Nesse sentido, quando se tem em conta a amplitude das possibilidades de deficiências mentais ou físicas, revela-se inviável e ineficaz a tentativa de homogeneizá-las através da dualidade dos institutos de incapacidade absoluta ou relativa, de maneira a categorizar todos os indivíduos portadores de deficiência, intrinsicamente distintos entre si, numa só situação jurídica. O Estatuto da Pessoa com Deficiência buscou, portanto, descontruir a percepção da deficiência como determinante da incapacidade cível, retirando da esfera jurídica incumbência que nem mesmo a ciência médica é capaz de desempenhar.


Excepcionalmente, o Estatuto previu a possibilidade de se submeter a pessoa com deficiência à curatela, devendo constituir, contudo, medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, com a menor duração possível (art. 84).


Nesse segmento, restringiu os casos sujeitos à curatela, determinando também que o instituto afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, sem alcançar o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.


A propósito:


“Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.


§ 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.”


Desse modo, o art. 1.767 do Código Civil de 2002, no que concerne aos indivíduos portadores de deficiência, passou a compreender como sujeitos à restrição da curatela apenas aqueles que não podem, por causa transitória ou permanente, exprimir sua vontade, excluindo do rol os portadores de deficiência com a capacidade meramente reduzida.


A saber:


“Art. 1.767. Estão sujeitos à curatela:


I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;


II - (Revogado);


III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;


IV - (Revogado);


V - os pródigos.”


A incapacidade jurídica e a deficiência, portanto, não são mais compreendidas de maneira correlata, de forma que o indivíduo deficiente, desde que possa manifestar sua vontade, será considerado plenamente capaz e, quando excepcionalmente submetido ao regime de curatela, relativamente incapaz.


Conclui-se, assim, que o legislador optou por desconstituir o sistema de regras estáticas vigente até então, devendo o instituto da curatela ser aplicado conforme os contornos de cada caso concreto, analisando, de maneira específica, os limites do indivíduo portador de deficiência e, para tanto, exigindo instrução probatória ampla e conclusiva.


Não há que se falar, portanto, em redução dos direitos das pessoas portadoras de deficiência com o advento da nova lei, conforme bem esposado no parecer ministerial da lavra do ilustre Procurador Nelson Rosenvald, autor de ensinamentos, inclusive, que se fazem esclarecedores:


“O Estatuto da Pessoa com Deficiência admite, em caráter excepcional, o modelo jurídico da curatela, porém, sem associá-la à incapacidade absoluta. A Lei nº 13.146/2015 nos remete a dois modelos jurídicos de deficiência: deficiência sem curatela e deficiência qualificada pela curatela. A deficiência como gênero engloba todas as pessoas que possuam uma menos-valia na capacidade física, psíquica ou sensorial - independente de sua gradação -, sendo bastante uma especial dificuldade para satisfazer as necessidades normais. O deficiente desfruta plenamente dos direitos civis, patrimoniais e existenciais. Porém, se a deficiência se qualifica pelo fato de a pessoa não conseguir se autodeterminar, o ordenamento lhe conferirá proteção ainda mais densa do que aquela deferida a um deficiente capaz, demandando o devido processo legal. [...] Equivocam-se os que creem que a partir da vigência do Estatuto todas as pessoas que forem curateladas serão consideradas plenamente capazes. Dispõe o art. 6º que ‘A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa’. Com efeito, a deficiência é um impedimento duradouro físico, mental ou sensorial que não induz, em princípio, a qualquer forma de incapacidade, apenas a uma vulnerabilidade, pois a garantia de igualdade reconhece uma presunção geral de plena capacidade a favor das pessoas com deficiência.


Excepcionalmente, através de relevante inversão da carga probatória, a incapacidade surgirá, se amplamente justificada. Por conseguinte, a Lei nº 13.146/2015 mitiga, mas não aniquila a teoria das incapacidades do Código Civil. As pessoas deficientes submetidas à curatela são removidas do rol dos absolutamente incapazes do Código Civil e enviadas para o catálogo dos relativamente incapazes, com uma renovada terminologia. A nova redação do inciso III do art. 4º (Lei nº 13.146/2015) remete aos confins da incapacidade relativa ‘aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade’. Aqui se revela a intervenção qualitativamente diversa do Estatuto da Pessoa com Deficiência na teoria das incapacidades: Abole-se a perspectiva médica e assistencialista de rotular como incapaz aquele que ostenta uma insuficiência psíquica ou intelectual. Corretamente o legislador optou por localizar a incapacidade no conjunto de circunstâncias que evidenciem a impossibilidade real e duradoura da pessoa querer e entender - e que, portanto, justifiquem a curatela -, sem que o ser humano, em toda a sua complexidade, seja reduzido ao âmbito clínico de um impedimento psíquico ou intelectual. Ou seja, o divisor de águas da capacidade para a incapacidade não mais reside nas características da pessoa, mas no fato de se encontrar em uma situação que as impeça, por qualquer motivo, de conformar ou expressar a sua vontade. Prevalece o critério da impossibilidade de o cidadão maior tomar decisões de forma esclarecida e autônoma sobre a sua pessoa ou bens ou de adequadamente as exprimir ou lhes dar execução. [...] O Estatuto da Pessoa com Deficiência não eliminou a teoria das incapacidades, porém, adequou à Constituição Federal e a CDPD. Tratando-se a incapacidade de uma sanção normativa excepcionalíssima, que afeta o estado da pessoa a ponto de restringir o exercício autônomo de direitos fundamentais, o que corretamente a Lei nº 13.146/2015 impôs foi a necessidade da mais ampla proteção ao direito fundamental à capacidade civil. Resumidamente: a) haverá intenso ônus argumentativo por parte de quem pretenda submeter uma pessoa à curatela em razão de uma causa permanente; b) sendo ela curatelada, a incapacidade será apenas relativa, pois a incapacidade absoluta fere a regra da proporcionalidade; c) a curatela, em regra, será limitada à restrição da prática de atos patrimoniais, preservando-se, na medida do possível a autodeterminação para a condução das situações existenciais” (Estatuto da pessoa com deficiência: Perguntas e respostas. Disponível em:  <https://genjuridico.com.br/2015/10/05/em-11- perguntas-e-respostas-tudo-que-voce-precisa-para-conhecer-o-estatuto-dapessoacom-deficiencia/>. Acesso em: 06 nov. 2017).


Assim, o Estatuto do Deficiente, promovendo alterações no regramento do Código Civil de 2002, ampliou as prerrogativas dos indivíduos com deficiência, integrando-os à coletividade e estabelecendo um patamar de real igualdade entre eles e as demais pessoas.


Desse modo, a deficiência deixou de ser compreendida como um fator limitante da capacidade de exercício dos atos da vida cível, sendo tal ônus transferido ao Estado, que deverá garantir os meios necessários para que esses indivíduos não tenham seus direitos e deveres inviabilizados.


Feitas tais considerações, extrai-se dos autos ser a requerida Alair Soares Metzker portadora de síndrome demencial Alzheimer - CID: G. 30.0, sendo incapaz de discernir cognitivamente sobre seus interesses e exprimir livremente sua vontade. Destaca-se a oitiva da curatelada pelo magistrado de primeiro grau (doc. 62) e o laudo pericial (doc. 145).


Conclui-se, portanto, que a requerida é portadora de deficiência mental e adequa-se à excepcionalidade prevista pelo art. 85, §1°, da Lei nº 13.146, bem como à hipótese do art. 1.767, I, do CC/2002, submetendo-se ao regime da curatela.


Contudo, conforme bem sentenciado, a nova legislação estabelece que, nesses casos, o regime a ser aplicado deve ser o de incapacidade relativa, devendo a curatela restringir-se à prática de atos patrimoniais, de maneira a preservar, na medida do possível, a autodeterminação para a condução das situações existenciais.


Não há que se falar, assim, em interdição da pessoa deficiente, mas na aplicação do instituto da curatela para aqueles indivíduos que não podem, objetivamente, exprimir a sua vontade.


Novamente, confira-se a doutrina de Nelson Rosenvald:


“A partir da vigência da Lei nº 13.146/2015, será abolido o vocábulo ‘interdição’. Ele remete a uma noção de curatela como medida restritiva de direitos e substitutiva da atuação da pessoa que não se concilia com a vocação promocional da curatela especial concebida pelo estatuto. A impossibilidade de autogoverno conduzirá à incapacidade relativa ao fim de um processo no qual será designado um curador para assistir a pessoa com deficiência de forma a preservar os seus interesses econômicos. Onde reside o giro linguístico? Não será interditada como clinicamente ‘portadora de uma deficiência ou enfermidade mental’, mas curatelada pelo fato de objetivamente não exprimir a sua vontade de forma ponderada (art. 1.767, I, CC, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015). Essa conciliação é a saída possível (e desejável) para harmonizar a proteção à pessoa deficiente com o princípio da segurança jurídica. A pessoa deficiente curatelada não consumará isoladamente atos patrimoniais, pois a prática de negócios jurídicos exigirá a atuação substitutiva ou integrativa do curador, sob pena de anulabilidade (art. 171, I, CC). Apenas serão afastadas do regramento da pessoa deficiente incapaz as normas que antes vinculavam a validade e consequente eficácia de seus atos à sanção da nulidade ou à incapacidade absoluta. Eis aí mais uma razão para corroborar a incongruência da crença em que a pessoa deficiente sempre será capaz, mas que poderá ser curatelada. Com as alterações postas pela Lei nº 13.146/15, harmonizam-se os arts. 3º, 4º e 1.767 do Código Civil, no sentido de substituir a fórmula da ‘ausência ou redução de discernimento’ pela impossibilidade de expressão da vontade como fato gerador de incapacidade. Para o futuro, definiremos como relativamente incapaz todo aquele que for curatelado por uma causa duradoura que o prive de exprimir a sua vontade de forma a se autodeterminar. [...] O princípio da Dignidade da Pessoa Humana não se compatibiliza com uma abstrata homogeneização de seres humanos em uma categoria despersonalizada de absolutamente incapazes, que, por sua própria conformação, é infensa a qualquer avaliação concreta acerca do estatuto que regulará a condução da vida da pessoa deficiente após a curatela. A incapacidade absoluta, por essência, é incompatível com a regra da proporcionalidade. Evidentemente, a reforma legislativa não alterará o cenário fático em que milhões de pessoas continuarão a viver alheios à realidade, necessariamente substituídos pelo curador na interação com o mundo. Portanto, a representação de incapazes prossegue incólume, pois não se trata de uma categoria apriorística, cuida-se de uma técnica de substituição na exteriorização de vontade, que pode perfeitamente migrar da incapacidade absoluta para a relativa, inserindo-se em seu plano de eficácia. Vale dizer, conforme a concretude do caso, o projeto terapêutico individual se desdobrará em 3 possibilidades: a) o curador será um representante para todos os atos; b) o curador será um representante para alguns atos e assistente para outros; c) o curador será sempre um assistente. E onde se encontra o salto qualitativo de tal formulação tripartida? Abolida a categoria dos absolutamente incapazes, já não haverá mais espaço para o recurso a fórmulas genéricas e pronunciamentos judiciais estereotipados. Uma forte carga argumentativa justificará qualquer sentença que determine a máxima intervenção sobre a autonomia devido ao apelo à técnica da representação” (Estatuto da pessoa com deficiência: Perguntas e respostas. Disponível em: <https://genjuridico.com.br/2015/10/05/em-11- perguntas-e-respostas-tudo-que-voce-precisa-para-conhecer-o-estatutodapessoa-com-deficiencia/>. Acesso em: 06 nov. 2017).


A propósito, ainda, decidiu este TJMG.


“Ação de interdição. Arguição de inconstitucionalidade. Art. 84, caput, § 3º, e art. 85, §§ 1º e 2º da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. Promulgação pelo Decreto nº 6.949/2009. Status de emenda constitucional. Art. 5º, § 3º, da CR/88. Vício inexistente. Incapacidade do interditando. Ausência de controvérsia. Interdição declarada para os atos de natureza patrimonial e negocial. Sentença mantida. 1. Não prospera a arguição de inconstitucionalidade dos arts. 84, caput e seu § 3º, e 85, §§ 1º e 2º, ambos da Lei nº 13.146/2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência, segundo os quais a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas, e a curatela é medida extraordinária e restrita aos atos de natureza patrimonial e negocial, previsão esta em perfeita sintonia com os ditames da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, com status equivalente ao de emenda constitucional, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal. 2. Restando incontroversa a incapacidade do interditando, deve ser mantida a sentença que declarou sua interdição para os atos de natureza patrimonial e negocial, nos termos do art. 85, § 1º, da Lei nº 13.145/2015” (TJMG - Apelação Cível nº 1.0000.17.010922-7/001, Relator Des. Afrânio Vilela, 2ª Câmara Cível, j. em 8/8/2017, p. em 10/8/2017).


Desse modo, demonstrada, nos autos, a impossibilidade de autogoverno da interditanda, por não poder exprimir sua vontade, correto o d. sentenciante ao reconhecer sua incapacidade relativa e submetê-lo ao regime de curatela.


Em que pese o inconformismo do apelante e sem descurar da gravidade do quadro de saúde que acomete a interditanda, é de se registrar que o pleito de extensão dos limites da curatela formulado nesta sede encontra vedação no art. 85, § 1º, da Lei nº 13.146/15, retrotranscrito, que estabelece, expressamente, que "a definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto".


Com estas considerações, nego provimento ao recurso, mantendo a r. sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos.


Custas, na forma da lei.


Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Áurea Brasil e Moacyr Lobato.


Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG
Extraído de Recivil

 

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