Jurisprudência mineira - Apelação cível - Anulatória de aval - Garantia prestada para a consecução da atividade empresarial - Outorga uxória - Dispensável

Jurisprudência mineira - Apelação cível - Anulatória de aval - Garantia prestada para a consecução da atividade empresarial - Outorga uxória - Dispensável

Publicado em: 04/12/2018

APELAÇÃO CÍVEL - ANULATÓRIA DE AVAL - GARANTIA PRESTADA PARA A CONSECUÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL - OUTORGA UXÓRIA - DISPENSÁVEL - INTELIGÊNCIA DO ART. 1.642 DO CÓDIGO CIVIL


- Não há que se falar em nulidade do aval dado pelo marido sem a outorga uxória da esposa, quando referida garantia fidejussória for prestada em razão do exercício da profissão e para a consecução da atividade empresarial, nos termos do art. 1.642 do Código Civil.


Apelação cível nº 1.0349.15.001428-1/001 - Comarca de Jacutinga - Apelantes: Tatiana Leite Borges Pereira e Celso Pereira - Apelado: Banco Bradesco S/A - Relator: Des. Arnaldo Maciel


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 6 de novembro de 2018. - Arnaldo Maciel - Relator.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


DES. ARNALDO MACIEL - Trata-se de recurso de apelação interposto por Celso Pereira e outra contra a sentença de f. 107/109-v., proferida pela MM. Juíza Caroline Dias Lopes Bela, que julgou improcedente a ação ordinária declaratória revisional ajuizada em face do Banco Bradesco S/A, com fundamento na validade do aval questionado ante a comprovação, pelos documentos apresentados pelo apelado, de que ambos os cônjuges assinaram o contrato de empréstimo na condição de avalistas, revogando a tutela antecipada concedida e condenando os apelantes no pagamento das custas e dos honorários, estes fixados em R$1.000,00.


Nas razões recursais de f. 112/125, sustentam os apelantes que o contrato apresentado pelo apelado, do qual constaria a assinatura de ambos os avalistas, não se trataria do mesmo contrato alvo de questionamento nesta ação, do qual teria constado a assinatura tão somente do requerente Celso e, portanto, estaria desprovido da vênia conjugal, indispensável na hipótese, sobretudo se considerado o regime da comunhão universal de bens adotado pelo casal. Alegam que tal situação que imporia o reconhecimento da completa nulidade do aval prestado pelo requerente, assim como a condenação do apelado nas penas por litigância de má-fé.


Recurso devidamente preparado às f. 125 e verso.


Intimado, ofertou o apelado as contrarrazões de f. 128/135, pleiteando pelo não provimento do recurso aviado. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à sua análise.


Prefacialmente, faço consignar que o julgamento do presente processo deverá se submeter às normas do novo Código de Processo Civil de 2015, considerando a data da publicação da decisão que motivou a interposição do recurso ora analisado, em observância ao Enunciado 54 deste Egrégio Tribunal de Justiça e à regra insculpida no art. 14 da nova lei.


Após detida análise dos presentes autos, este Relator entende que não há como modificar a decisão de improcedência proferida em 1º Grau, não por seus próprios fundamentos, mas sim pelos que serão a seguir explanados.


De pronto, importa observar que total razão assiste aos apelantes em relação à impossibilidade de ser considerado o contrato juntado pelo apelado às f. 69/74, para fins de análise e comprovação da outorga do aval também pela requerente Tatiana - esposa do requerente Celso - e, portanto, da existência de outorga uxória em relação à garantia prestada no contrato questionado na inicial, cuja cópia consta de f. 18/23.


É que a simples análise de ambos os pactos deixa à evidência que, embora tenha se tratado de "Cédulas de Crédito Bancário - Conta Garantida" que receberam idêntica numeração (003.201.659), dizem respeito a negociações diversas.


A contratação questionada pelos autores/apelantes foi celebrada em 16/4/2014, envolveu um limite de crédito no valor de R$300.000,00, com vencimento fixado para 13/10/2014, e teve como taxas de juros mensal e anual, respectivamente, 2,5100002% e 34,6464200%. Por sua vez, a contratação apresentada pelo réu/apelado foi celebrada em 11/5/2011 (praticamente três anos antes), envolveu um limite de crédito no valor de R$200.000,00, com vencimento fixado para 9/8/2011, e teve como taxas de juros mensal e anual, respectivamente, 8,36% e 162,0764253%.


Portanto, ainda que possuam a mesma numeração e que constituam a mesma espécie de mútuo, as contratações supracitadas não se confundem, razão pela qual o aval dado pela requerente Tatiana no pacto celebrado no ano de 2011 não se presta para a comprovação nem supre a concessão da mesma garantia no pacto firmado em abril/2014.


Tal situação evidencia o desacerto do entendimento firmado em 1º Grau e poderia, em princípio, levar a crer pela pertinência da pretensão anulatória formulada pelos autores/apelantes.


Contudo, não é o caso.


Isso porque, a teor do art. 1.642 do Código Civil, a outorga uxória é considerada dispensável - em qualquer regime de separação de bens, inclusive no da comunhão universal, como é o caso dos autos - para a prática de atos de administração e disposição necessários ao desempenho da profissão de quaisquer dos cônjuges.


Segue a transcrição do aludido dispositivo legal:


“Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente:


I - praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão, com as limitações estabelecidas no inciso I do art. 1.647;


[...].”


Foi justamente o que restou verificado na hipótese dos autos, eis que o contrato indicado na inicial (assim como aquele anterior apresentado pelo apelado) foi celebrado pela e em favor da empresa Celso Automóveis Ltda., pessoa jurídica que, como deixaram absolutamente evidente, as provas e demais elementos informativos dos autos pertence e possui como representante legal o próprio requerente Celso Pereira.


O acima fica claro se observado que a pessoa jurídica carrega o nome do requerente, que este exerce a profissão de empresário e, o que é mais significativo, apôs a sua assinatura à f. 74 na qualidade não apenas de avalista do empréstimo, como também de representante legal da empresa contratante. Não bastasse, também chama imensa atenção o fato de que a conta bancária de titularidade da empresa Celso Automóveis Ltda. tem como usuário exclusivo cadastrado o próprio requerente Celso (vide f. 81/82), dados todos que não permitem qualquer dúvida de que este é o representante legal daquela.


Assim, considerando que o requerente Celso, esposo da requerente Tatiana, prestou o aval no contrato constante da inicial na qualidade de empresário e representante legal da empresa avalizada, certamente no intuito de assegurar o funcionamento de tal empreendimento, imperiosa a aplicação do preceito do precitado art. 1.642, I, do CC, que torna dispensável a autorização, ou seja, a outorga uxória da requerente Tatiana para a validade da garantia fidejussória ora questionada.


E que nem pretendam os apelantes obter a anulação do aval em comento embasados na limitação imposta pelo inciso III do art. 1.647 do CC, porquanto a exigência da outorga uxória para a prestação do aval, prevista nesse dispositivo, diz respeito a todos os demais casos que não o da prestação especificamente para a consecução da atividade profissional/empresarial, hipótese para a qual existe previsão exclusiva e específica na legislação, qual seja a do já propalado art. 1.642 do CC.


Na verdade, a única exceção ao art. 1.642 do CC diz respeito aos casos de alienação ou imposição de gravame sobre bem imóvel, situações para as quais, ainda que, para a consecução da atividade profissional, será exigida a outorga uxória, como se depreende da redação do caput do referido artigo, bem como do inciso I do art. 1.647 do diploma civilista.


Frente ao contexto, não há como ser reconhecida a nulidade e, portanto, a invalidade do aval prestado no contrato indicado na inicial, o que impõe a manutenção da sentença de improcedência proferida a quo, não por seus próprios fundamentos, mas sim pelos contidos no corpo deste voto.


Por fim, no que concerne à pretensão dos apelantes de condenação do apelado nas penas por litigância de má-fé, tenho por incabível, vez que o simples fato de ter ele apresentado nos autos contrato diverso do apontado na inicial não implica a conclusão de que agiu imbuído de engodo ou má-fé, o qual, ademais, não faltou com nenhum dever processual.


Ante todo o exposto, nego provimento ao recurso e mantenho a respeitável decisão hostilizada.


Tomando por base o preceito do art. 85, §§ 2º, e 11 do CPC/2015, majoro os honorários advocatícios de sucumbência para o importe total de R$1.200,00 (mil e duzentos reais), os quais deverão ser suportados pelos autores/apelantes, que arcarão também com as custas recursais.


Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores João Cancio e Vasconcelos Lins.


Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG
Extraído de Recivil

 

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