JURISPRUDÊNCIA MINEIRA - APELAÇÃO CÍVEL - DECLARATÓRIA - ENTREGA DE BEM MÓVEL...

06/07/2017

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA - APELAÇÃO CÍVEL - DECLARATÓRIA - ENTREGA DE BEM MÓVEL - TRADIÇÃO - TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE - CONSECTÁRIO DA ENTREGA - DETRAN - LEGITIMIDADE E RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE - ASTREINTES - NECESSIDADE - CUMPRIMENTO DE ORDEM JUD

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL - DECLARATÓRIA - ENTREGA DE BEM MÓVEL - TRADIÇÃO - TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE - CONSECTÁRIO DA ENTREGA - DETRAN - LEGITIMIDADE E RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE - ASTREINTES - NECESSIDADE - CUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL

- A propriedade dos bens móveis se transfere mediante a entrega da coisa, ou seja, a tradição do bem, conforme dispõe o art. 1.267 e seu parágrafo único do CCB.

- De acordo com o art. 123, § 1º, do Código de Trânsito Brasileiro, a obrigação de transferir a propriedade é do adquirente.

- Diante da declaração de propriedade e tradição do bem poderá a parte vendedora comunicar ao órgão de transito a situação para se eximir de eventual responsabilidade futura.

- As astreintes devem ser fixadas como prudência de forma a garantir o cumprimento da obrigação sem provocar um enriquecimento sem causa.

Apelação Cível nº 1.0106.15.002450-8/001 - Comarca de Cambuí - Apelante: Diego Aparecido da Silva - Apelado: Tiago Onofre - Relator: Des. Alexandre Santiago

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar parcial provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 7 de junho de 2017. - Alexandre Santiago - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. ALEXANDRE SANTIAGO - Trata-se de apelação interposta à sentença de f. 63/65, proferida pelo MM. Juiz da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Criminais da Comarca de Cambuí, que, nos autos da ação Ordinária interposta por Diego Aparecido da Silva em desfavor de Tiago Onofre, que julgou procedente, em parte, o pedido inicial para reconhecer a venda do veículo mencionado na inicial, ao requerido, na data de 01.02.2011 e determinar que ele proceda a transferência do bem para seu nome, sob pena de multa de R$200,00/dia, limitada a 3 meses.

Nas razões de apelação (f. 71/72-v.), a parte autora sustenta que a decisão necessita ser modificada em função de não ter sido reconhecida a propriedade do bem em nome do apelado, o que admitiria a retificação imediata do registro de propriedade no Detran por meio de ordem judicial sem a necessidade de participação do apelado. Alega ainda que o valor da multa é ínfimo, devendo ser majorado em caso de sua manutenção.

Recurso sem preparo em função de a parte litigar sob os auspícios da gratuidade judiciária.

Concedida vista para contrarrazões, a parte quedou-se inerte.

Em síntese, é o relatório.

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cinge-se a controvérsia recursal à necessidade de declaração da propriedade do bem ao apelado, de forma a permitir a determinação judicial para a transferência imediata da propriedade, sem que no ato seja necessária a participação da parte, de forma a agilizar o processo no Detran.

De forma alternativa, pretende o apelante que, se mantida, seja o valor da multa fixada majorada, por ser irrisória.

Pois bem. Ab initio, ressalto que, no ordenamento jurídico brasileiro, a propriedade dos bens móveis se transfere mediante a entrega da coisa, ou seja, a tradição do bem, conforme dispõe o art. 1267 e seu parágrafo único do CCB, sendo que o registro no órgão de controle administrativo de trânsito e de veículos é formalidade administrativa, cujo certificado não tem atribuição legal de conferir o domínio ou a propriedade do veículo automotor.

Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial:

"Tributário. Embargos de terceiro. Fraude à execução fiscal. Art. 185 do CTN. Inocorrência. Alienação do bem antes da instauração da ação executiva. Venda de veículo. Transmissão da propriedade mediante a mera tradição. - A alienação de bens promovida pelo executado em data anterior à instauração de processo de execução fiscal não constitui fraude à execução. - A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição, que pode ser definida como a entrega de bem móvel ao adquirente, com a intenção de lhe transferir o domínio, sendo a tradição elemento fundamental para indicar a transferência da propriedade do bem móvel; o registro no órgão de trânsito, no caso de veículo, é mera formalidade administrativa'' (TJMG - Apelação Cível nº 1.0024.06.308.732-4/001 - 3ª Câmara Cível - Relator Des. Dídimo Inocêncio de Paula - DJ de 05.03.2009).

"Indenização. Nulidade da sentença. Inocorrência. Legitimidade. Configuração. Bem móvel. Propriedade. Tradição. Acidente de trânsito. Lucros cessantes. Ressarcimento. - Não é nula a sentença que apresenta fundamentação sucinta. No direito pátrio a transmissão da propriedade dos bens móveis se dá pela simples tradição, não sendo necessário o registro no órgão administrativo competente. A empresa contratante dos serviços é legitimada passiva para a ação de reparação de danos causados pela contratada a terceiros. Provados os lucros cessantes advindos do acidente de trânsito, impõe-se o dever de reparar o dano'' (Tribunal de Alçada de Minas Gerais - Apelação Cível nº 433.879-4 - Comarca de Juiz de Fora - 5ª Câmara Cível - DJ de 06.05.2004).

Compulsando os autos, verifico que, em 01.02.2011, inclusive na forma como constou da sentença e não restou impugnado, houve a venda do bem ao apelado.

Nesse sentido, considerando que o demandado recebeu o bem, pois referida alegação do autor não foi contestada, caracterizada restou a propriedade da parte ré a partir da aludida data.

Isso porque a propriedade do bem se transferiu com a tradição, sendo o registro no órgão questão administrativa.

Dessa forma, reconhecida a venda do bem e a tradição, não há por que não se declarar a propriedade, ainda que se determine ao requerido o cumprimento na forma como constou da decisão hostilizada.

De salientar, ainda, que a propriedade no caso em apreço restou apurada, apesar da menção feita pelo Magistrado singular de que não seria necessária a "constituição da propriedade", como consectário legal da declaração de venda em determinado dia.

Assim, a declaração de propriedade é consectário do reconhecimento da tradição.

Já em relação à documentação do bem, como é cediço, a responsabilidade de transferir o veículo perante os órgãos de trânsito é instituída pelo art. 123, § 1º, do Código de Trânsito Brasileiro, que dispõe:

"Art. 123. Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando:

I - for transferida a propriedade;

II - o proprietário mudar o Município de domicílio ou residência;

III - for alterada qualquer característica do veículo;

IV - houver mudança de categoria.

§ 1º No caso de transferência de propriedade, o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias, sendo que nos demais casos as providências deverão ser imediatas".

A complementar a situação, o mesmo Códex estabelece em seu art. 134:

"Art. 134. No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado, dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.

Parágrafo único. O comprovante de transferência de propriedade de que trata o caput poderá ser substituído por documento eletrônico, na forma regulamentada pelo Contran".

Como se vê, a regra geral é de que a obrigação de promover a transferência é do adquirente, no prazo de trinta dias, sendo que ao proprietário antigo incumbe encaminhar ao órgão executivo de trânsito, dentro do mesmo prazo, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de se responsabilizar solidariamente com o comprador até a data da comunicação.

E, no caso em exame, como a parte não possuía cópia do documento, considero que demandou com o objetivo de ver regularizada a situação do bem em seu nome.

No entanto, continua fato que a parte não possui o documento para encaminhar ao Detran e informar a transferência de propriedade, o que se poderá adquirir diante da decisão já de 1ª Instância, que não restou impugnada quanto ao fato de que a tradição ocorreu em 1º.02.2011.

Assim é que, na forma como considerou o Magistrado singular, também não vislumbro que deve o Judiciário suprir a obrigação de transferência que é imputada pela lei ao comprador, valendo a declaração de propriedade como possibilidade de informação agora ao Detran sobre a transferência, que se resguardará a parte apelante na forma mencionada retro. Até porque existem taxas e emolumentos para a transferência que devem ser suportadas pelo adquirente.

Dessarte, reconhecida a tradição e a propriedade, caberá à parte, caso queira munir-se de certidão de teor da decisão e comunicar ao Órgão de Trânsito de forma a deixar de se responsabilizar pelo bem desde a data da tradição.

No que tange à fixação de astreintes pelo descumprimento de ordem judicial, onde o apelante pretende a majoração do valor para que exista o cumprimento da obrigação, é importante salientar que se conceituam as astreintes, também conhecidas como multa periódica pelo atraso no cumprimento das obrigações, ou multa cominatória, como uma multa a ser imposta pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, destinada a atuar no psicológico de quem deve cumprir obrigação, no sentido de fazer com que ele cumpra o que foi determinado, que pode ser de entrega de coisa ou de fazer e não fazer, nos termos do que dispõe nossa legislação, sob pena de ter que arcar com o valor dessa multa fixada.

Assim, o juiz determina um valor que não é destinado a fazer com que o devedor arque com ele, pelo contrário, atua como um meio de coerção para que se cumpra a obrigação principal de modo específico, podendo ser executado pelo valor dessa multa, desde que incidente, se não cumprir a obrigação principal de modo espontâneo.

Como a multa visa à realização de determinado comportamento ou abstenção e, por definição, ela representa uma forma de exercer pressão psicológica no obrigado para que realize a obrigação a que está sujeito, é correto o entendimento de que ela possa superar o valor do contrário ou de eventual cláusula penal para que seja eficaz no atingimento dessa sua finalidade. A multa deve ser fixada de tal maneira que leve o executado a entender que a melhor solução para ele, pelo menos do ponto de vista econômico, é o acatamento da determinação judicial (BUENO, Cassio Scarpinella. 2013, p. 403-404).

Ainda:

Das medidas necessárias autorizadas pelo Código de Processo Civil como meios de induzir o obrigado ao adimplemento das obrigações específicas, têm bastante realce as multas coercitivas, que são a versão brasileira das astreintes, concebidas pelos tribunais franceses com a mesma finalidade. Elas atuam no sistema mediante o agravamento da situação do obrigado renitente, onerando-o mais e mais a cada hora que passa, ou a cada dia, mês ou ano, ou a cada ato indevido que ele venha a repetir, ou mesmo quando com um só ato ele descumprir irremediavelmente o comando judicial - sempre com o objetivo de criar em seu espírito a consciência de que lhe será mais gravoso descumprir do que cumprir a obrigação emergente do título executivo (DINAMARCO, 2009, p. 535).

Assim, levando-se em consideração a necessidade de fazer cumprir a obrigação, realmente pondero que a multa deve ser majorada para o importe de R$500,00/dia, limitada a 30 dias/multa, até porque poderá a parte apelante valer-se da informação do reconhecimento da tradição no órgão de trânsito.

Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso para reconhecer que com a decisão de declaração da tradição, no caso dos autos, por se tratar de bem móvel, a propriedade também se viu transferida. Porém, mantenho a obrigação do apelado na transferência prevista no Código de Trânsito Brasileiro, majorando, entretanto, as astreintes para o importe de R$500,00/dia limitadas a 30 dias/multa, sendo que o inicio do computo se dará após 10 dias uteis do transito em julgado, uma vez que para tanto se fazem necessárias questões no órgão de trânsito, sendo o prazo razoável.

Custas recursais, pelo apelado.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Alberto Diniz Junior e Mônica Libânio Rocha Bretas.

Súmula - DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico
Extraído de Serjus

Notícias

A prova da morte e a certidão de óbito

A PROVA DA MORTE E A CERTIDÃO DE ÓBITO José Hildor Leal Categoria: Notarial Postado em 18/02/2011 10:42:17 Lendo a crônica "Um mundo de papel", do inigualável Rubem Braga, na qual o autor critica com singular sarcasmo a burocracia nas repartições públicas, relatando acerca de um suplente de...

Cópias sem autenticação inviabilizam mandado de segurança

Extraído de AnoregBR Cópias sem autenticação inviabilizam mandado de segurança Seg, 28 de Fevereiro de 2011 08:54 O objetivo era extinguir uma reclamação trabalhista com o mandado de segurança, mas, depois dos resultados negativos nas instâncias anteriores, as empregadoras também tiveram seu...

O mercado ilegal de produtos

27/02/2011 - 10h00 ESPECIAL Decisões judiciais imprimem mais rigor contra a pirataria “Receita continua a fiscalizar comércio irregular em São Paulo.” “Polícia estoura estúdio de pirataria e apreende 40 mil CDs e DVDS.” “Quadrilha tenta pagar propina de R$ 30 mil e é desarticulada.” Todas essas...

A idade mínima para ser juiz

  Juízes, idade mínima e reflexos nas decisões Por Vladimir Passos de Freitas A idade mínima para ser juiz e os reflexos no comportamento e nas decisões é tema tratado sem maior profundidade. As Constituições de 1824 e de 1891 não fixaram idade mínima para ser juiz. Todavia, o Decreto 848,...

Quando o anticoncepcional falha

Quando o anticoncepcional falha (25.02.11) O TJ de Santa Catarina decidiu que uma indústria Germed Farmacêutica Ltda. deve continuar pagando pensão de um salário mínimo mensal - mesmo enquanto apelação não é julgada - a uma mulher da cidade de Navegantes que teria engravidado apesar de utilizar...

Credores não habilitados

Extraído de AnoregBR Concordatária tem direito ao levantamento de valores que estão depositados à disposição de credores não habilitados Sex, 25 de Fevereiro de 2011 13:53 A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a empresa Ferragens Amadeo Scalabrin Ltda. tem direito ao...