Jurisprudência TJ-PR - Apelação cível – Inventário – União estável

Jurisprudência TJ-PR - Apelação cível – Inventário – União estável

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. INVENTÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL. ARTIGO 1790, II, DO CÓDIGO CIVIL. CONCORRÊNCIA DO COMPANHEIRO COM O DESCENDENTE DA AUTORA DA HERANÇA. TRATAMENTO DESIGUAL EM RELAÇÃO AO DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE. OFENSA AO ART. 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APLICAÇÃO DA REGRA DO ART. 1829, I, DO CÓDIGO CIVIL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 7°, DA LEI N° 9.278/96. 1. O art. 1790, II, do Código Civil é incompatível com o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, uma vez que promove tratamento desigual entre o direito sucessório do companheiro e o do cônjuge. 2. Afastada a incidência do art. 1790, II, do Código Civil em razão da incompatibilidade com a Constituição Federal, impõe-se a aplicação da regra destinada ao cônjuge sobrevivente, prevista no artigo 1829, inciso I, do Código Civil, excluindo-se o companheiro meeiro da divisão da legítima, porque, na hipótese dos autos, a autora da herança não deixou bens particulares. 2. Não havendo prova de que o convivente constituiu nova união estável, impõe-se a manutenção da sentença que lhe conferiu o direito real de habitação, com amparo no art. 7°, da Lei n° 9.278/96. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR – Apelação Cível nº 0005036-60.2006.8.16.0044 – Apucarana – 11ª Câmara Cível – Rel. Des. Vilma Régia Ramos de Rezende – DJ 16.02.2012)

RELATÓRIO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 837.796-4, oriundos da Primeira Vara Cível da Comarca de Apucarana, distribuídos a esta Décima Primeira Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, em que figuram como Apelantes ROVILSON ANDREATO E OUTRA e Apelado JOSÉ ALFEU GOMES.

Trata-se de Apelação Cível interposta contra sentença (fls. 126/128 e 150/152), proferida nos autos de Ação de Inventário nº 613/2006, originária da Primeira Vara Cível da Comarca de Apucarana, ajuizada por JOSÉ ALFEU GOMES que homologou o plano de partilha apresentado pelo Partidor às fls. 93/94 e conferiu ao companheiro, ora inventariante, direito real de habitação.

ROVILSON ANDREATO E OUTRA pedem a reforma da sentença, alegando, em suma, que (fls.155/173):

a) o artigo 1790, II, do Código Civil é inconstitucional, pois fere o artigo 226, § 3° da Constituição Federal que confere tratamento igualitário entre o instituto da união estável e o casamento;

b) a partilha deve ser refeita sem a observância do artigo 1790, II do Código Civil, pois se o cônjuge que tem a meação não tem concorrência sucessória com os descendentes, o mesmo deve ocorrer com relação ao companheiro;

c) caso seja mantido o entendimento pela constitucionalidade do artigo supra referido, a partilha foi realizada incorretamente, pois o plano de partilha estabeleceu quinhões iguais entre o herdeiro, ora Apelante, e o convivente;

d) concorrendo com descendente somente do autor da herança, o Apelado tem direito a metade do que couber ao ascendente, ou seja, R$ 6.999,00 (seis mil, novecentos e noventa e nove reais);

e) a lei que regulamentou a união estável e o Código Civil de 2002 não outorgaram aos companheiros sobreviventes direito real de habitação;

f) admitindo-se o direito real de habitação, mesmo assim o Apelado não faz jus ao benefício, porque constituiu nova união estável.

Recurso recebido em seu duplo efeito (fls. 174) e contra-arrazoado (fls. 176/180v).

É o relatório.

VOTO

Depreende-se dos autos que o Apelado viveu em união estável com Carmem Marques Magalhães até o advento de sua morte ocorrida em 09/07/2005 (fls. 17).

Considerando que o regime de bens que rege a união estável é o de comunhão parcial, o Apelado tem direito à meação na proporção de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio adquirido pelo casal.

Na qualidade de companheiro meeiro, o Apelado ingressou com pedido de abertura de inventário com o objetivo de partilhar 50% (cinquenta por cento) do imóvel e da casa de alvenaria construída pelo casal (fls. 56/57), atribuindo-se ao monte-mor o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Quanto ao plano de partilha, o inventariante declarou que tem direito a 87,50% (oitenta e sete e meio por cento) do imóvel, visto que é proprietário de 50% (cinquenta por cento), somando-se 50% (cinquenta por cento) do monte-mor na condição de meeiro, que representa 25% (vinte e cinco por cento) do imóvel, e mais 12.50% (doze e meio por cento) na condição de herdeiro, pois se dividiu pela metade parte da herança, conforme previsto no artigo 1790, II, do Código Civil.

O Código Civil, em relação à sucessão no instituto da união estável, estabelece que:

“Art. 1790. A companheira ou companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”

Na hipótese dos autos, como o Apelado concorre com o descendente da autora da herança, o inciso II do referido diploma legal confere direito à metade da herança que couber ao Apelante.

O magistrado, com amparo nesta previsão legal, homologou o esboço de partilha elaborado pelo partidor serventuário, ocasião em que do monte partível – parte ideal correspondente a 50% (cinquenta por cento) – no valor de R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais), R$ 7.000,00 (sete mil reais) foi destinado ao companheiro inventariante, pela sucessão, e R$ 14.000,00 (quatorze mil reais) ao herdeiro legítimo.

Entretanto, o Apelante, descendente da autora da herança, pede a reforma da sentença para que a partilha seja realizada com o mesmo tratamento sucessório conferido ao cônjuge, reconhecendo-se ao companheiro somente o direito à meação, pois o artigo 1790, II, do Código Civil afronta o artigo 226, § 3° da Constituição Federal que confere tratamento igualitário entre a união estável e o casamento.

O recurso merece provimento, porque a norma analisada de fato é incompatível com o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, uma vez que promove tratamento desigual entre o direito sucessório do companheiro e o do cônjuge.

Com efeito, enquanto no regime da comunhão parcial o cônjuge sobrevivente somente concorre com os descendentes quando o autor da herança houver deixado bens particulares (artigo 1829, inciso I, do Código Civil), na hipótese da união estável ao companheiro é garantida a metade do que couber ao descendente do autor da herança (art. 1790, inciso II, do Código Civil).

Desta forma, não é aceitável que prevaleça a incidência do artigo 1.790, II, do Código Civil, porque sua aplicação concede tratamento privilegiado ao companheiro em relação ao cônjuge e esta diferença não é razoável, porque ignora a equalização entre os institutos prevista pela Constituição.

Cumpre destacar que o Órgão Especial desta Corte de Justiça decidiu quanto à impossibilidade de lei infraconstitucional disciplinar de forma diversa direito sucessório do cônjuge e do companheiro, ao analisar o incidente de inconstitucionalidade do art. 1.790, III, do Código Civil, cujo acórdão restou assim ementado:

“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. SUCESSÃO DA COMPANHEIRA. ARTIGO 1.790, III, DO CÓDIGO CIVIL. INQUINADA AFRONTA AO ARTIGO 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE CONFERE TRATAMENTO PARITÁRIO AO INSTITUTO DA UNIÃO ESTÁVEL EM RELAÇÃO AO CASAMENTO. NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO DO COLENDO ÓRGÃO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE DE LEI INFRACONSTITUCIONAL DISCIPLINAR DE FORMA DIVERSA O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. ELEVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL AO "STATUS" DE ENTIDADE FAMILIAR. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. CONHECIMENTO DO INCIDENTE, DECLARADO PROCEDENTE. 1. Inconstitucionalidade do artigo 1.790, III, do Código Civil por afronta ao princípio da igualdade, já que o artigo 226, § 3º, da Constituição Federal conferiu tratamento similar aos institutos da união estável e do casamento, ambos abrangidos pelo conceito de entidade familiar e ensejadores de proteção estatal. 2. A distinção relativa aos direitos sucessórios dos companheiros viola frontalmente o princípio da igualdade material, uma vez que confere tratamento desigual àqueles que, casados ou não, mantiveram relação de afeto e companheirismo durante certo período de tempo, tendo contribuído diretamente para o desenvolvimento econômico da entidade familiar. (Ac. por maioria nº 10.472, do Órgão Especial do TJPR, no Inc. de Inconstitucionalidade nº 536.589-9/01, de Curitiba, Rel. Des. SÉRGIO ARENHART, in DJ de 03/08/2010)

Impõe-se, portanto, a aplicação da regra do art. 1829, I, do Código Civil, que estabelece que sendo o cônjuge meeiro, não há razão para ser herdeiro e concorrer com o descendente se o autor da herança não houver deixado bens particulares.

Por outro lado, afirma o Apelante que a lei que regulamentou a união estável e o Código Civil de 2002 não outorgou ao companheiro sobrevivente direito real de habitação e, mesmo admitindo-se o direito, o Apelado não faz jus ao benefício, porque constituiu nova união estável.

Observa-se a incoerência do Apelante, pois quando lhe convém excluir o Apelado da herança, pleiteia a equivalência do direito sucessório do companheiro ao do cônjuge, e quando analisa o direito real de habitação, alega que o benefício é exclusivo ao cônjuge sobrevivente, porque o Código Civil não confere referido proveito à união estável.

A tese não merece amparo, pelos mesmos argumentos expostos no tópico anterior, ou seja, é incompatível com o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, uma vez que promove tratamento desigual entre o direito do companheiro e o do cônjuge.

A propósito, este egrégio Tribunal mantém o mesmo entendimento:

“APELAÇÃO CÍVEL - UNIÃO ESTÁVEL DECLARADA POR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO - MORTE DE UM DOS CONVIVENTES - DIREITO REAL DE HABITAÇÃO RECONHECIDO - RECURSO NÃO PROVIDO.O direito real de habitação estende-se à convivente cuja união estável foi reconhecida por sentença transitada em julgado, pois do contrário estar-se-ía a negar vigência de lei federal e a própria ordem constitucional, que reconhece nesta união os mesmos predicados jurídicos e morais que sustentam a família havida do casamento. (Ac. un. n.° 9.160, da 12ª CC do TJPR, na Ap. Cív. n.° 392.336-6, de Curitiba, Rel. Juiz Subst. em 2º Grau MARCOS S. GALLIANO DAROS, in DJ 20/06/2008)

Cumpre observar, inclusive, que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n° 508/2007, sugerido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, que prevê a abolição dos dispositivos do Código Civil que disponham em sentido contrário a equalização dos direitos sucessórios entre cônjuges e companheiros em união estável, em atenção ao art. 226 da Constituição Federal.

Por outro lado, trata-se de único imóvel de natureza residencial a ser inventariado e consoante esclarecido pela sentença a quo, o art. 7°, da Lei n° 9.278/96, que permanece vigente, confere direito real de habitação ao companheiro, sendo oportuno salientar que não há prova nos autos de que o Apelado constituiu nova união estável.

DISPOSITIVO:

Diante do exposto, ACORDAM os Julgadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, para excluir o Apelado da divisão da legítima, em razão de não ser razoável a distinção de tratamento em relação ao direito sucessório atribuído ao cônjuge, garantindo-se o direito à meação, nos termos da fundamentação.

Participaram do julgamento e acompanharam a relatora os Desembargadores AUGUSTO LOPES CÔRTES e RUY MUGGIATI.

Curitiba, 08 de fevereiro de 2012.

VILMA RÉGIA RAMOS DE REZENDE –Desembargadora Relatora.

 

Fonte: Boletim INR
Atualizada em 09/05/12

Extraído de Colégio Notarial do Brasil

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