Médico inocente envolvido em escândalo pode mudar nome, decide TJ-SP

Médico inocente envolvido em escândalo pode mudar nome, decide TJ-SP

Publicado em: 27/04/2018

Quando uma pessoa inocente é apontada pela imprensa como partícipe de um crime, tem direito a mudar o nome se as notícias até hoje lhe prejudicam. Com esse entendimento, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão inédita, reformou sentença e autorizou que um homem altere parte de seu nome para não mais se ver relacionado a notícias falsas.

O autor do pedido de retificação do nome, um médico, afirmou que desde o surgimento do escândalo “sua vida e evolução profissional são regradas ou regidas pelo resultado de busca na internet, o que o faz perder empregos e outras perspectivas que um sujeito alcançaria se não sofresse restrição de tal magnitude”.

Por isso, ele propôs a “relativização da regra da imutabilidade em virtude da dimensão dos danos sociais derivados do volume de informações errôneas de identificação pessoal”. O caso foi revelado nesta quinta-feira (26/4) pela coluna da jornalista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo.

Relator da ação, o desembargador Ênio Santarelli Zuliani reconheceu que, como não era possível tutelar o direito do autor pelo princípio do direito ao esquecimento, era razoável permitir que alterasse o nome de forma não substancial, "para que esse direito de personalidade não atuasse contra ele mesmo".

Segundo ele, o autor nunca fora acusado formalmente, mas, sim, envolvido em notícias sensacionalistas. Sequer indiciado o médico foi no inquérito policial, que acabou arquivado.

Zuliani iniciou seu voto comparado o caso a um episódio semelhante de nossa história: “A última pena de morte executada no Brasil Imperial foi do fazendeiro Manoel da Motta Coqueiro, acusado de ser o mandante do assassinato de oito pessoas de uma família de colonos.”

“Após sua morte surgiram notícias de sua possível inocência, o que nunca foi confirmado. O fato é que todos os seus filhos mudaram os nomes para retirar os patronímicos 'Motta' e 'Coqueiro', não por raiva do pai, mas, sim, ‘para escapar da inexorável desonra que se abatia sobre as famílias dos condenados’”, afirmou, citando a obra Fera de Macabu – A história e o romance de um condenado à morte, de Carlos Marchi.

O desembargador ponderou que “o princípio da imutabilidade deve ser homenageado por traduzir um sistema que impede frequentes e imotivadas alterações do nome (especialmente o prenome), prejudicando a segurança na identificação para fins civis, políticos, criminais e todos os demais segmentos importantes”. Mas que radicalizar essa noção de estabilidade do registro civil não pode sacrificar os demais direitos da pessoa.

“O nome, que é atributo para honrar o portador ou fazer com que desenvolva princípios éticos de conquista da dignidade, está, por vias obliquas, sacrificando a existência do autor, porque todo e qualquer acesso ao computador, tendo como expressão de busca o seu nome completo, reativa a sua ligação com o horrendo crime do qual não participou”, disse o relator.

Nada de esquecimento

Zuliani disse não ser possível aplicar o direito ao esquecimento ao caso. “Mesmo que fosse emitida uma sentença favorável, seria tecnicamente impossível obter o cumprimento exato, devido a milhares de blogs e sites que armazenaram a notícia, o que garanta a republicação a todo instante. O dinamismo da internet é algo que não foi controlado. Resulta não ser razoável obrigar que o autor siga um caminho tortuoso e repleto de incertezas como meio de satisfazer o direito que está oprimido”, disse.

Dessa forma, ele considerou mais adequada a solução trazida pelo autor: “comprovou os abalos sofridos a sua vida social e pessoal em razão das matérias ligadas ao seu nome. A proposta que formulou não configura uma alteração substancial do seu nome, preservado um dos núcleos do prenome original e o patronímico paterno e consiste na medida certa para livrar o autor, de vez, da incorreta vinculação de seu nome a um fato que não produziu ou que ajudou a construir”.

O desembargador finalizou seu voto dizendo que a interpretação do texto que disciplina o assunto deve ser aberta: “Embora a lei autorize alterações em situações tipificadas, a limitação não é aceitável diante da enormidade de fatos que se sucedem e que não foram previstos pelo legislador. O juiz que permanecer preso às hipóteses legais poderá perder a oportunidade de criar uma sentença justa e que não carrega o peso de ser contra legem.”

O número do processo e a íntegra do acórdão não foram divulgados.

Cliquei aqui para ler o corpo do voto.

Fonte: Conjur
Extraído de Recivil

Notícias

Decreto n. 10.900/21 estabelece o Serviço de Identificação do Cidadão

Decreto n. 10.900/21 estabelece o Serviço de Identificação do Cidadão Decreto nº 10.900 estabelece o Serviço de Identificação do Cidadão e a governança da identificação das pessoas naturais no âmbito da administração pública federal DECRETO Nº 10.900, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2021 Dispõe sobre o...

(In)eficácia da renúncia à herança quanto aos bens descobertos posteriormente

OPINIÃO (In)eficácia da renúncia à herança quanto aos bens descobertos posteriormente 28 de março de 2021, 11h23 Por Fabrício Augusto Dias Diante do pequeno valor do patrimônio transmissível, é comum que, por solidariedade, alguns herdeiros renunciem às suas quotas para que outros, em pior situação...

A exclusão de famílias homoafetivas pelo artigo 1535 do Código Civil

OPINIÃO A exclusão de famílias homoafetivas pelo artigo 1535 do Código Civil 14 de dezembro de 2021, 14h03 Por Carolina Dumet Em 2013 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu, através da Resolução nº 175, que casais do mesmo sexo teriam direito ao casamento civil e à conversão de união...

Escritório no metaverso ressuscita debate sobre Direito e realidade virtual

DE VOLTA PARA O FUTURO Escritório no metaverso ressuscita debate sobre Direito e realidade virtual 15 de dezembro de 2021, 9h47 E existem muitas perguntas sem respostas: teremos Habeas Corpus para avatares? Os Tribunais e a Polícia também devem existir virtualmente? Sob qual regime jurídico...

Registro dos filhos na certidão de nascimento e ausência de paternidade

Registro dos filhos na certidão de nascimento e ausência de paternidade Fernanda R. Tripode Se o suposto pai não atender a notificação judicial ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que tome as medidas necessárias para eventual Ação de...