Multiparentalidade: Da origem biológica aos laços de afeto

Família

Multiparentalidade: Da origem biológica aos laços de afeto

Novos arranjos familiares são oficializados pelo reconhecimento da filiação socioafetiva.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

As constantes transformações na organização familiar, na sociedade moderna e nas relações fundadas no afeto, demandam um novo olhar sobre a forma de interpretar o Direito de Família e as relações de parentalidade.

Conceito que avança no ordenamento jurídico, a multiparentalidade reflete os novos arranjos familiares. O termo significa o que a justaposição de palavras já anuncia: múltipla paternidade ou maternidade socioafetiva, havendo a possibilidade de mais de um pai ou mãe constarem na certidão de nascimento.

Multiparentalidade

Segundo a advogada Ana Carla Harmatiuk Matos, são vários os fatores que levaram a esse reconhecimento: “filho que ficou órfão de pai, mãe casa novamente e seu novo marido também se torna pai, ficando a criança com o reconhecimento da paternidade de ambos em seu registro de nascimento; procedimento de adoção não finalizado, quando mãe biológica arrependida, busca novamente contato com seu filho e por acordo se reconhece a multiparentalidade. Criança que foi criada por sua 'madrinha', mas que no dia-a-dia exerceu a função materna e desse modo criou-se o vínculo entre elas, posteriormente reconheceu-se essa realidade de duas mães.”

Conforme a advogada, ainda não há uma norma específica que abranja a complexidade do tema, mas é possível que a resolução de questões desta natureza sejam pautadas pelo histórico de decisões, por artigos científicos e livros que se debruçam sobre o tema.

Segundo a causídica, o direito de Família é especialmente sensível às transformações sociais, sujeito a adequações do contexto histórico em que se insere: “as adequações, portanto, são bem-vindas, atentas aos fatos e a realidades afetivas do que é ‘sentir-se família’.”

Ordenamento jurídico

Em março de 2017, a 3ª turma do STJ garantiu a um homem de quase 70 anos o direito de receber herança do pai biológico, mesmo já tendo recebido herança do pai socioafetivo. Isso se deu pelo fato de o homem descobrir, após 60 anos, que seu pai biológico era outro e não o que constava em seu registro. Ele então pleiteou a alteração em sua certidão para incluí-lo.

À época, o relator do caso, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que reconhecer um tipo de filiação não significa a negação da outra:

“Não há mais falar em uma hierarquia que prioriza a paternidade biológica em detrimento da socioafetividade ou vice-versa. Ao revés, tais vínculos podem coexistir com idêntico status jurídico no ordenamento desde que seja do interesse do filho.” 

Segundo o ministro, o vínculo com um pai registral não é um obstáculo para o direito de buscar a origem genética ou de reconhecimento da paternidade biológica: “Os direitos à ancestralidade, à origem genética e ao afeto são, portanto, compatíveis.”

No mesmo sentido,  em setembro de 2016,  o  plenário do STF decidiu que a existência de paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico. Na ocasião, os ministros negaram provimento ao RE 898.060, com repercussão geral reconhecida (Tema 622), em que um pai biológico recorria contra acórdão que estabeleceu sua paternidade, com efeitos patrimoniais, independentemente do vínculo com o pai socioafetivo.

Assim, por maioria o STF optou pela coexistência de vínculos parentais e fixou a seguinte tese:

"A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios."

O provimento 63/17 do CNJ unificou em território nacional o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, entre outras deliberações. A partir dele, foi instituído modelos de certidão de nascimento, de casamento e óbito para dispor sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva. 

Maternidade socioafetiva

Caso interessante sobre multiparentalidade aconteceu em Minas Gerais no ano de 2016. 

Uma mulher, que gostaria de reconhecer sua mãe socioafetiva e alterar o registro civil incluindo o nome dela, teve o pedido acolhido pela juíza de Direito Christiana Motta Gomes, da 1ª vara de Família e Sucessões de Contagem/MG. 

Ela havia sido criada desde a infância pela família adotiva após ter sido abandonada ainda bebê pela mãe biológica e entregue à mãe afetiva. Segundo ela, a mãe afetiva, falecida em 2010, era a única figura materna que ela teve.

Assim, ajuizou uma ação contra sete irmãos afetivos e herdeiros e contra a mãe biológica, alegando que ela nunca havia reivindicado sua guarda. 

Alguns dos filhos tiveram resistência, alegando que eles não a viam como irmã, que não existia relação mãe-filha e que ela não poderia exigir ser declarada filha se baseando em laços socioafetivos. No entanto, dois irmãos concordaram com o pedido da autora da ação. 

Em sua decisão, a juíza declarou que não havia comprovação da falta de laços afetivos entre a mãe afetiva e filha, pelo contrário:

“E a questão de amor e pertencimento, aqui, não é de índole subjetiva, mas objetiva: se educação, criação, assistências e tudo mais o foram dados, é porque amor houve."

Na ocasião a juíza também ressaltou que o fato dos outros filhos não a reconhecerem como irmã não suprime o direito da autora: 

"Não é pelo sentimento deles que se tece a premissa da relação jurídica de socioafetivade. Essa premissa envolve apenas dois indivíduos, única e exclusivamente, e é uma via de mão dupla. Ainda que outros filhos estejam em relação orbitária em torno dessa relação, são estranhos à relação mãe-filha, pois cada um constrói sua relação individual com a mesma mãe."

Com esse entendimento, a magistrada declarou a filiação da mulher em relação à mãe afetiva e concedeu a retificação do documento civil para que fosse incluído o nome da mãe afetiva ao lado do nome da mãe biológica.

Fonte: Migalhas

Notícias

Extinção de processo por não recolhimento de custas exige citação da parte

Recurso especial Extinção de processo por não recolhimento de custas exige citação da parte 26 de janeiro de 2025, 9h52 O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte manteve a decisão de primeiro grau. Os autores, então, entraram com recurso especial alegando que deveriam ter sido intimados...

Herança musical: Como proteger direitos autorais antes da morte?

Precaução Herança musical: Como proteger direitos autorais antes da morte? Dueto póstumo envolvendo Marília Mendonça e Cristiano Araújo ilustra como instrumentos jurídicos podem preservar legado de artistas. Da Redação quinta-feira, 23 de janeiro de 2025 Atualizado às 15:07 A preservação do legado...

Imóveis irregulares: Saiba como podem ser incluídos no inventário

Imóveis irregulares: Saiba como podem ser incluídos no inventário Werner Damásio Descubra como bens imóveis sem escritura podem ser partilhados no inventário e quais os critérios para garantir os direitos dos herdeiros. domingo, 19 de janeiro de 2025 Atualizado em 16 de janeiro de 2025 10:52 A...

STJ julga usucapião de imóvel com registro em nome de terceiro

Adequação da via STJ julga usucapião de imóvel com registro em nome de terceiro Recurso visa reformar decisão de tribunal que extinguiu o processo por ausência de interesse de agir. Da Redação sexta-feira, 17 de janeiro de 2025 Atualizado às 17:23 A 4ª turma do STJ iniciou julgamento de ação de...

Divórcio é decretado antes da citação do cônjuge, que reside nos EUA

Divórcio é decretado antes da citação do cônjuge, que reside nos EUA 16/01/2025 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM A Justiça do Rio de Janeiro decretou o divórcio antes da citação do cônjuge, um americano que reside nos Estados Unidos. A decisão da 2ª Vara de Família da Regional da Barra da...

Holding deixada de herança: entenda o que a Justiça diz

Opinião Holding deixada de herança: entenda o que a Justiça diz Fábio Jogo 14 de janeiro de 2025, 9h14 Sem uma gestão transparente, o que deveria ser uma solução para proteger o patrimônio pode acabar se transformando em uma verdadeira dor de cabeça. Leia em Consultor Jurídico      ...