Municípios aguardam lei sobre prefeito itinerante
07/08/2012 14:48
Este artigo tem como escopo discutir, sem a pretensão de exaurimento, o tema de direito constitucional e eleitoral conhecido como “prefeito itinerante”, apresentando parte da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a recente decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre o tema (Recurso Extraordinário — RE 637.485, sessão de 1º agosto de 2012) e debates realizados no Congresso Nacional, consolidados em propostas legislativas que tramitam no Senado Federal e na Câmara dos Deputados.
seg, 06/08/2012 - 18:00
Octavio Orzari
Municípios aguardam lei sobre prefeito itinerante
Este artigo tem como escopo discutir, sem a pretensão de exaurimento, o tema de direito constitucional e eleitoral conhecido como “prefeito itinerante”, apresentando parte da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a recente decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre o tema (Recurso Extraordinário — RE 637.485, sessão de 1º agosto de 2012) e debates realizados no Congresso Nacional, consolidados em propostas legislativas que tramitam no Senado Federal e na Câmara dos Deputados.
A Constituição da República, com a Emenda 16, de 4 de junho de 1997, possibilita a reeleição para cargos do Poder Executivo para um período subsequente. A vontade do constituinte reformador foi claramente expressa na redação do novo texto: admite-se a reeleição para o mesmo cargo apenas por um único período (CR, artigo 14, § 5º).
A Emenda da Reeleição é fruto da proposta de emenda à Constituição — PEC 1/1995, iniciada na Câmara dos Deputados. Em sua justificação, aduziram os deputados proponentes: “À população brasileira deve ser dada a opção de decidir pela continuidade de uma administração bem sucedida, como já acontece na maioria dos países. Além disso, cria-se a efetiva possibilidade de se levar a efeito o cumprimento das metas governamentais de médio prazo, o que se torna praticamente impossível no sistema atual”.
A questão que se impõe frente às normas constitucionais é: qual a interpretação deve prevalecer se o candidato a prefeito ocupou a chefia do executivo municipal por dois mandatos consecutivos em município confrontante? E no caso de tentativa de reeleição após mandato anterior em cidade fronteiriça? São situações caracterizadas como candidatura itinerante.
Geralmente, o candidato almeja um terceiro mandato com alternância de municípios e, considerando que a realidade fática é muito mais ampla do que pode pressupor o aplicador do Direito, devem ser observadas e ressalvadas as peculiaridades dos casos concretos. Em defesa dos prefeitos itinerantes, alega-se que o dispositivo constitucional veda uma segunda reeleição apenas no mesmo município, que não há regulação sobre a possibilidade de um terceiro mandato e que prefeito de outra municipalidade não se enquadra no “mesmo cargo” referido pelo texto constitucional.
Adotando-se uma ou outra posição, o fato é que a legislação é omissa sobre o tema, que inevitavelmente chega à Justiça Eleitoral, seja na forma de ação de impugnação de registro de candidatura, seja de recurso contra a expedição de diploma.
Em diversas consultas nos anos de 2003 e 2004 (artigo 23, XII, do Código Eleitoral — Lei 4.737/65), o Tribunal Superior Eleitoral admitiu a candidatura a prefeito em município vizinho de pessoa já reeleita, consignando que “detentor de mandato de prefeito municipal, que tenha ou não sido reeleito, pode ser candidato a prefeito em outro município, vizinho ou não, em período subsequente, exceto se se tratar de município desmembrado, incorporado ou que resulte de fusão. A candidatura a cargo de prefeito de outro município caracteriza candidatura a outro cargo, devendo ser observada a desincompatibilização seis meses antes do pleito, domicílio eleitoral na circunscrição e transferência do título eleitoral pelo menos um ano antes da eleição” (Acórdão 21.564/DF, DJ de 5 de dezembro de 2003, reIator ministro Carlos Velloso).
No entanto, a partir do Recurso Especial Eleitoral — REspE 32.507/AL, o TSE alterou seu entendimento e passou a vedar tal prática. Segundo o relator, Ministro Eros Grau: “Quem interpreta a Constituição — e não simplesmente a lê — sabe que a regra do § 5° do seu artigo 14 veda a perpetuação de ocupante de cargo de Chefe de Poder Executivo nesse cargo. Qualquer Chefe de Poder Executivo - Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito Municipal - somente pode, no Brasil, exercer dois mandatos consecutivos no cargo de Chefe de Poder Executivo” (decisão por maioria, sessão de 17 de dezembro de 2008). Esse caso concreto se referiu a prefeito que renunciou ao cargo no primeiro mandato, elegeu-se prefeito do município confrontante na eleição seguinte, mas não pôde concorrer à reeleição.
No REspE 32.539/AL, decidiu o TSE:
“Não se pode, mediante a prática de ato formalmente lícito (mudança de domicílio eleitoral), alcançar finalidades incompatíveis com a Constituição: a perpetuação no poder e o apoderamento de unidades federadas para a formação de clãs políticos ou hegemonias familiares. O princípio republicano está a inspirar a seguinte interpretação basilar dos parágrafos 5º e 6º do artigo 14 da Carta Política: somente é possível eleger-se para o cargo de ‘prefeito municipal’ por duas vezes consecutivas. Após isso, apenas permite-se, respeitado o prazo de desincompatibilização de 6 meses, a candidatura a ‘outro cargo’, ou seja, a mandato legislativo, ou aos cargos de Governador de Estado ou de Presidente da República; não mais de Prefeito Municipal, portanto” (relator ministro Marcelo Ribeiro, redator do acórdão Min. Ayres Britto, decisão por maioria, sessão de 17 de dezembro de 2008).
Nesse caso, um prefeito já reeleito que, ao final do segundo mandato, transferiu seu domicílio eleitoral para cidade vizinha, tentou se candidatar novamente a prefeito, mas não teve o registro de candidatura deferido pela Justiça Eleitoral.
Em 4 de outubro de 2011, o TSE apreciou o REspE 35.906/SC, de relatoria da ministra Cármen Lúcia. Considerando as peculiaridades do caso, o TSE afastou a tese do prefeito itinerante, mantendo o prefeito no cargo, em decisão por quatro votos a três. O caso submetido à corte foi de prefeito reeleito que transferiu seu domicílio eleitoral ao final do segundo mandato para a cidade vizinha, na qual foi eleito e reeleito. Antes de transferir seu domicílio eleitoral, todavia, o interessado consultou o Tribunal Regional Eleitoral, que respondeu pela possibilidade da candidatura. A resposta à consulta se deu em 2003, época em que a jurisprudência do TSE não vedava esse tipo de candidatura, como visto acima. Na sessão, a Ministra Relatora e demais ministros que a acompanharam entenderam aplicáveis os princípios da segurança jurídica, da confiança na jurisdição, da isonomia — tratar desigualmente os desiguais, pois não houve objetivo de fraudar — e da soberania popular.
Em 1º de agosto de 2012, o Supremo Tribunal Federal julgou o RE 637.485, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, após o reconhecimento, por unanimidade, da repercussão geral das questões constitucionais. O RE foi interposto por prefeito que exerceu dois mandatos consecutivos e, nas eleições de 2008, foi eleito para outro mandato no município vizinho. Cassado o diploma pelo TSE, alegou-se no RE, entre outros argumentos, que a alteração da jurisprudência do TSE, ocorrida posteriormente às eleições de 2008 (17 de dezembro de 2008, data do julgamento do REspE 32.507), afetou a segurança jurídica.
O STF ratificou, por maioria, o entendimento do TSE no sentido da inelegibilidade do candidato a prefeito em município diferente, após o exercício de dois mandatos consecutivos no executivo municipal. Entretanto, também por maioria, na esteira do voto do relator, o STF considerou que a nova posição do TSE sobre candidatura itinerante, exarada semanas depois das eleições, não pode implicar cassação de diploma regularmente expedido, dando, assim, provimento ao RE interposto.
Em resumo, o STF modulou os efeitos temporais da jurisprudência, concedendo-lhe eficácia prospectiva. Desse modo, a vedação da candidatura itinerante não se aplica às eleições de 2008, mas incide nas eleições de 2012 e seguintes.
Vistos sinteticamente os entendimentos do TSE e a recente decisão do Plenário do STF, que ratificou a jurisprudência do TSE, passa-se à análise de como o Congresso Nacional tem discutido o tema.
Preliminarmente, observa-se que foram instaladas, no ano de 2011, comissões específicas nas duas casas legislativas com o objetivo de discutir uma eventual reforma política. Nesse mesmo ano, houve a posse de dois terços dos cargos de senador, com renovação de praticamente metade do Senado. Na Câmara, houve renovação de aproximadamente 45% dos deputados. Esse panorama fornece uma ideia de como podem ser os debates daqui por diante. Ademais, deve-se ter em mente que a política municipal repercute diretamente na postura dos congressistas, uma vez que todos têm sua vida política vinculada aos municípios e que recebem informações e demandas dos prefeitos das regiões de suas bases eleitorais.
Em 2011, foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei 265/11, de autoria do Senador José Sarney, resultante das deliberações da Comissão Especial de Reforma Política. O projeto acrescenta parágrafo ao artigo 91 da Lei 9.504/97, conhecida como Lei das Eleições, nos seguintes termos: “artigo 2° É vedada a transferência de domicílio eleitoral de Prefeito ou Vice-Prefeito para circunscrição diversa durante o curso do mandato”. Atualmente, encontra-se na Câmara dos Deputados sob o nº 1.668/11, onde tramita em conjunto com os projetos 1.594/07 e 7.963/10.
O primeiro projeto apensado acrescenta o seguinte parágrafo ao artigo 55 do Código Eleitoral — Lei 4.737/65: “parágrafo 3º No curso do mandato de chefe do Poder Executivo, é vedada a transferência de domicílio eleitoral para circunscrição diversa da qual este tenha sido eleito”. Neste caso, o legislador pretende introduzir a vedação no capítulo do Código Eleitoral que versa sobre a transferência do domicílio eleitoral.
O segundo projeto acrescenta parágrafo ao artigo 9º da Lei 9.504/97, com a seguinte redação: “parágrafo 2º Nas eleições para Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador e Prefeito e Vice-Prefeito, perpetua-se o domicílio eleitoral, não podendo o eleito mudar, alterar ou trasladar o seu domicílio eleitoral para outra circunscrição eleitoral durante o período para o qual foi eleito”. Neste projeto, pretende-se incluir dispositivo no artigo que dispõe sobre a exigibilidade de domicílio eleitoral na circunscrição pelo menos um ano antes do pleito, em consonância com o artigo 14, parágrafo 3º, IV, da Constituição de 1988.
No PL 1.668/11 (265/11, no Senado), como visto, acrescenta-se dispositivo ao artigo 91 da Lei 9.504/97, sendo que este artigo consta das “disposições finais” da lei e cuida do prazo para requerimento do alistamento eleitoral e de sua transferência, além de prever crime para a retenção do título de eleitor.
Se a intenção for alterar a Lei 9.504/97, parece ser mais interessante, até mesmo pela relevância da inovação, proceder à modificação em seu artigo 9º, que trata especificamente de domicílio eleitoral como requisito para a candidatura. A despeito de eventuais detalhes topológicos, o importante é que os projetos de lei reforçam o instituto do domicílio eleitoral, que, apesar de mais flexível que o conceito do direito civil, tem em sua essência a manutenção de um vínculo entre o representante, os representados e sua circunscrição eleitoral.
Como verificado, a tese da vedação ao prefeito itinerante foi amplamente discutida na Justiça Eleitoral e decidida em sede de recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal. No plano da elaboração legislativa, foi acolhida pelo Senado Federal, na forma da atual jurisprudência, por meio da aprovação do PL 265/11. Evidentemente, o tema tem grande relevância prática e gera efeitos na dinâmica eleitoral dos milhares de municípios brasileiros.
Conjur / Portal do Holanda
Extraído de Portal do Holanda