O assombroso silêncio da jurisprudência

Segunda-feira, Fevereiro 27, 2012

 

Consultor Jurídico

O assombroso silêncio da jurisprudência sobre pontos do código do consumidor

Notícias de Direito
Texto publicado domingo, dia 26 de fevereiro de 2012 

O assombroso silêncio da jurisprudência

Por Marco Aurelio Brasil Lima 

Quando me preparava para escrever o artigo de conclusão de especialização em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo me senti irresistivelmente atraído pelos primeiros artigos do Código de Defesa do Consumidor. Fiquei assombrado, sobretudo com o relativo silêncio da doutrina e jurisprudência sobre alguns de seus pontos mais fundamentais.

Autores do quilate de José Geraldo Brito Filomeno, Nelson Nery Jr., Olga Maria do Val e Henrique Alves Pinto assinalaram a importância dos Princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, contemplados no artigo 6º do Código, mas curiosamente o princípio apontado como o mais importante de todos não mereceu nenhum trabalho específico, ao menos com que me haja deparado em minha pesquisa. O princípio da harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo remanesce como o princípio esquecido – e, como tudo que se esquece, desprezado na prática.

O discurso do presidente Kennedy ao Congresso americano em 1962 é apontado por muitos como o nascedouro do Direito do Consumidor e é sintomático que esse direito de terceira geração haja vicejado justamente na economia mais capitalista e liberal do mundo.  É que o Direito do Consumidor é um instrumento de equilíbrio, de dosagem das forças em conflito no universo capitalista. O Direito consumerista nasce para corrigir uma distorção, distorção que brota do balanço desigual de forças econômicas do mundo capitalista, contudo, sua aplicação não passa, muitas vezes, de estratégia de distribuição de riqueza.

A História demonstra com vívidas tintas o perigo de, para se corrigir uma distorção, criar outra em sentido inverso. Este não foi o interesse do legislador brasileiro, já que na Carta Magna estabeleceu que a ordem econômica, que tem como princípio fundamental a livre iniciativa, tem também como um de seus princípios a defesa do consumidor. São interesses que não conflitam, mas concorrem para um mesmo fim. Este objetivo está explicito no artigo 4º, III, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece como um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo a “harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico... , sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”. O equilíbrio é o fim máximo do direito do consumidor e, segundo Sergio Pinheiro Marçal, o verdadeiro coração do Código de Defesa do Consumidor é o princípio do artigo 4º, III.

Mas, se é assim, por que se costuma tropeçar em sentenças judiciais em que se afirma, com orgulho justiceiro, que se determinados modelos de negócio precisam deixar de existir para que consumidores sejam protegidos, que assim seja? Por que o noticiário frequentemente nos brinda com tentativas de Ministérios Públicos e Procons para banir ou desfigurar completamente negócios de que os consumidores se valem de forma massificada e nos quais, portanto, vêem virtudes? Onde estão os esforços harmonizadores dos aplicadores do direito?

Um bom exemplo do esquecimento do princípio da harmonização dos interesses nas relações de consumo é a forma descuidada como operadores do Direito tratam prestadores de serviços de Internet. São modelos de negócio novos, larga e alegremente adotados pelos consumidores do século XXI e que, entretanto, para os operadores bem poderiam deixar de existir, unicamente porque seu manuseio requer certos cuidados ainda desconhecidos por uma parcela dos consumidores. Ora, banir ou desfigurar tais ferramentas novas, impondo-lhes responsabilidades que, grosso modo, implicam em desconsiderar completamente o imperativo de se verificar o nexo de causalidade entre dano e atitude (ativa ou passiva) empresarial, não trabalha a favor do consumidor nem muito menos do equilíbrio nas relações de consumo. Além de tudo, tal medida despreza justamente a intenção do legislador de não coibir o avanço tecnológico e econômico, mencionada na mesma norma. A mesma dinâmica se pode enxergar em diversas atitudes hostis a outros modelos de negócio.

Um clamor para que se recupere a importância do coração do código consumerista é minha homenagem ao princípio que ficou esquecido.

 

Marco Aurelio Brasil Lima é advogado em São Paulo, pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV-SP e professor de Comércio Eletrônico na Unigran.

Extraído de Estudando o Direito

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