"O filho concebido por inseminação artificial homóloga post mortem possui direito como sucessor no ordenamento jurídico brasileiro?"

"O filho concebido por inseminação artificial homóloga post mortem possui direito como sucessor no ordenamento jurídico brasileiro?"

Guilherme Dolabella e Samili Woichekoski

Deve ser levado em consideração o melhor interesse da criança, garantindo assim tal princípio e também o que está disposto em nossa carta magna.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023
Atualizado às 08:16

Atualmente, com os grandes avanços tecnológicos, com ênfase na área da medicina, se tornou muito mais fácil o acesso a maternidade ou paternidade, sendo um grande exemplo a inseminação artificial homóloga post mortem.

Cumpre-se trazer à tona o conceito deste método, a reprodução assistida post mortem pode ser entendido como a inseminação de uma mulher viúva com o sêmen do marido falecido, ou, ainda, a implantação do embrião fecundado com o sêmen deste.1

Nesse viés, é possível verificar a enorme delicadeza do assunto e é claro, nós questionamos se o ordenamento jurídico acompanhou tamanha evolução, e com uma pesquisa, é possível verificar que o tema se tornou cada vez mais presente em nossa sociedade, porém, ainda não existe um entendimento pacífico e consolidado.

Quando a gente pensa sobre o assunto, com os avanços que a tecnologia trouxe, vieram também os problemas sobre a temática, eles demandam novas situações jurídicas que precisam de novas normas, verificamos que são situações que o nosso direito ainda não está preparado, é perceptível que o direito surge posteriormente aos fatos, então com o surgimento de novos temas, o direito ainda caminha para a regulação dessa nova situação que surgiu e que requer atenção pelos praticantes do direito.

Noutro giro, em se tratando da sucessão, a mesma está elencada no Art. 1.784 e seguintes do Código Cível, vejamos na integra:

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.2

Nesse sentido, a expressão "desde logo" presente no artigo supramencionado, faz com que haja o entendimento de que é necessária a existência do herdeiro no momento da transmissão.

Importante ressaltar, ainda, que o art. 1.798, destaca que são legítimos as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.

Todavia, com base no que se pode inferir dos mencionados artigos, estariam excluídos os filhos concebidos por inseminação artificial homóloga post mortem, tendo em vista que a fertilização não teria iniciado, então este descendente não existiria no momento da abertura da sucessão. Maria Helena Diniz disserta sobre o assunto:

"Filho póstumo não possui legitimação para suceder, visto que foi concebido após o óbito de seu pai genético, e por isso, é afastado da sucessão legítima ou ab intestato. Poderia ser herdeiro por via testamentária, se inequívoca a vontade do doador do sêmen de transmitir herança ao filho ainda não concebido, manifestada em testamento. Abrir-se-ia a sucessão à prole eventual do próprio testador, advinda de inseminação artificial homóloga post mortem. (LICC, arts. 4º e 5º"

Em que pese haja alguns entendimentos pela ilegitimidade de sucessão do filho advindo da inseminação artificial homóloga post mortem, é essencial levar em consideração o princípio do melhor interesse da criança, vejamos o que diz Meirelles sobre o assunto:

"O princípio do melhor interesse da criança foi introduzido no ordenamento brasileiro como consequência da doutrina da proteção integral. Sua aplicação é requerida quando a peculiar situação da criança demanda uma interferência do Judiciário, Legislativo e Executivo. Trata-se de circunstâncias que envolvam a guarda e visita de filhos de pais separados, medidas sócio-educativas, colocação em família substituta, dentre outras". (MEIRELLES, apud, VALE, 2020, p.2).

Portanto, é evidente que estamos diante de uma lacuna legislativa, pois apesar do filho concebido por inseminação, ser reconhecido pelo ordenamento jurídico, a legislação não preceitua sobre o aspecto sucessórios nessas questões, fazendo com que exista uma grande divergência doutrinária e jurisprudencial.

Contudo, apesar de não haver normas específicas sobre tal temática, deve ser levado em consideração o melhor interesse da criança, garantindo assim tal princípio e também o que está disposto em nossa carta magna, Art. 227 CF/88 que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer. (BRASIL, Constituição Federal, 1988).

----------

1 AdminATF. Novas formas de famílias advindas das técnicas de reprodução assistida. Disponível em: https://atfrj.org.br/2017/artigos/novas-formas-de-familias-advindas- das-tecnicas-de-reproducao-assistida/. Acesso em: 20.08.2019.

2 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

----------

BRASIL, Constituição Federal, 1988.

MEIRELLES, apud, VALE, 2020, p.2.

PRINCÍPIOS QUE REGEM A GUARDA COMPARTILHADA, disponível em: https://jus.com.br/artigos/93771/principios-que-regem-a-guarda-compartilhada

Maria Helena Diniz (2006, p. 480, apud GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2016, p. 130)

Guilherme Dolabella
Advogado e Procurador do Distrito Federal. Diretor de Estruturação de Negócios e Relações Societárias do Barreto Dolabella Advogados e Consultor Jurídico. Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo - USP.

Samili Woichekoski
Graduanda em Direito pela Universidade do Distrito Federal - UDF. Estagiária da área Cível no Escritório Barreto Dolabella. Possui experiência na área de Contratos, LGPD, Cidadania Italiana e Portuguesa, bem como atuação em outros escritórios na área de direito Bancário e Cível. Participando ainda, de iniciação científica na área de Direito Cível.

Fonte: Migalhas

Notícias

Penhora de bem alienado fiduciariamente por dívidas propter rem

Penhora de bem alienado fiduciariamente por dívidas propter rem Flávia Vidigal e Priscylla Castelar de Novaes de Chiara O STJ mudou seu entendimento sobre a penhorabilidade de imóveis alienados fiduciariamente em execuções de despesas condominiais, reconhecendo a possibilidade de penhorar o bem,...

Ministro do STJ exclui área ambiental do cálculo de pequena propriedade rural

Impenhorabilidade Ministro do STJ exclui área ambiental do cálculo de pequena propriedade rural STJ decidiu que, para impenhorabilidade, apenas a área produtiva de pequenas propriedades rurais deve ser considerada, excluindo-se a área de preservação ambiental. Decisão baseou-se em assegurar que...

Tribunal nega registro civil tardio de casamento de bisavós

Tribunal nega registro civil tardio de casamento de bisavós 20/07/2021 Prova de existência de filhos não é suficiente. A 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão do juiz Seung Chul Kim, da 1ª Vara Cível de Cotia, que negou pedido de registro tardio de...

Inseminação caseira: Veja impacto jurídico da prática não regulada no país

Reprodução assistida Inseminação caseira: Veja impacto jurídico da prática não regulada no país Recente decisão do STJ, reconhecendo dupla maternidade em caso de inseminação caseira, denota a urgência do tema. Da Redação segunda-feira, 4 de novembro de 2024 Atualizado às 09:56 Registrar o...