“O juiz tem de ser avaliado pelo seu valor humano”

ESCOLA DE JUÍZES: “O juiz tem de ser avaliado pelo seu valor humano”

Escrito por Assessoria  //  30 de janeiro de 2012  //  Notícias

Para que serve uma escola de juízes? Para o desembargador Armando Sérgio Prado de Toledo, presidente da Escola Paulista da Magistratura de São Paulo, uma das mais importantes instituições do gênero no país, ela serve para formar juízes e não para ensinar juízes. “Conteúdo jurídico, os recém ingressados na carreira da magistratura têm de sobra, já que foram aprovados em uma prova das mais exigentes”.

Mas é provável que esses candidatos a juízes não façam a menor idéia do que é ser juiz na vida real, já que a a Faculdade de Direito não tem como ensinar-lhes essa matéria. É aí que entra a Escola da Magistratura, segundo Armando Toledo, que tem o privilégio de estar dentro de um tribunal e de ter um corpo docente intimamente ligao à atividade judicante.

Armando Toledo imagina que a Escola da Magistratura deva atuar ainda na fase inicial de seleção dos novos juizes, durante o concurso de ingresso à magistratura: “Nessa fase, avaliaríamos tudo o que fosse necessário sobre vocação e comportamento, e transmitiríamos nossa opinião aos desembargadores da comissão de concurso”.

E seguiria seu trabalho de formação do juiz durante todo o período de vitaliciamento dos candidatos, aplicando aquilo que está previsto nas normas, mas que hoje em dia, até por falta de método, não passa de um formalismo: “Nesse período que podemos chamar de “período de experiência”, a escola acompanharia o juiz no seu dia a dia para ver como ele desenvolve suas atividades, se comprova no exercício da função ter os requisitos necessários para prestar um bom serviço jurisdicional”.

Como bem lembra o diretor da EPM, ser juiz não é só uma questão de notório saber jurídico. “É preciso analisar o aspecto humano do juiz, avaliá-lo no seu dia a dia, ver como ele julga e atua, ver se tem vocação, e se não tiver, que deixe de ser juiz”. O vitaliciamento é uma coisa muito séria, ele ressalta. Uma vez vitaliciado, o juiz só perde o cargo por decisão judicial.

Por isso mesmo tanto o ingresso na carreira, como o exercício da função devem ser revestidos da mesma seriedade. E para isso também está a Escola da Magistratura, que oferece, ao longo da carreira dos juízes, meios para ele continuar sendo, sempre um bom juiz: “A EPM, enquanto academia da magistratura, constitui um espaço de reflexão. Aqui buscamos ampliar o horizonte dos magistrados, auxiliá-los na percepção de novas realidades da sociedade na qual estão inseridos e tomando decisões”.

Amando Toledo terá, agora, a oportunidade de aplicar na prática suas idéias, em prol da magistratura e da sociedade. Foi eleito por 150 votos para presidir a Escola Paulista da Magistratura, permanecendo no posto que ocupava interinamente desde fevereiro de 2011,  com a aposentadoria do desembargador Pedro Gagliardi. Toledo foi o primeiro diretor eleito pelo Tribunal Pleno, já que até então só votavam os integrantes do Órgão Especial.

Paulista de nascimento, 56 anos de idade, Armando Toledo é juiz de carreira e foi juiz do 2º Tribunal de Alçada Civil, antes de virar desembargador do TJ.  Publicou pela Editora Elsevier, em 2009, o livroDireito Penal — Reinterpretação à Luz da Constituição: Questões Polêmicas.

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor veio de um mandato tampão que assumiu em virtude da aposentadoria o desembargador Pedro Gagliardi. Situações como esta tem gerado questionamentos com relação ao critério da antiguidade presente nas normas que regem as eleições do TJ-SP. Como o senhor vê esse critério?
Armando Toledo — A regra foi fixada pelo Supremo em uma liminar concedida pelo presidente, ministro Cezar Peluso, e deve ser respeitada. A norma, inclusive, já foi interpretada aqui em São Paulo quando se entendeu que o fato de um desembargador mais antigo não se inscrever abre esse direito para outro que vem logo na sequência de antiguidade. Foi o que aconteceu no TJ-SP, no caso do presidente Ivan Sartori. Ele foi o mais antigo inscrito para concorrer à presidência. No TJ-SP também podem se inscrever os três mais antigos para cada cargo. Foi uma alteração razoável.

ConJur — Qual a sua proposta de gestão à frente da EPM?
Armando Toledo — A minha proposta é dar continuidade ao trabalho que já vem sendo desenvolvido pela escola. Fundamentalmente, o plano é aumentar o número de cursos para melhor contribuir para o aperfeiçoamento e aprimoramento de magistrados e demais operadores do Direito.

ConJur — Qual é a missão da EPM?
Armando Toledo — É importante frisar que oferecer cursos não significa apenas disponibilizar conteúdo. A EPM, enquanto academia da magistratura, constitui um espaço de reflexão. Aqui buscamos ampliar o horizonte dos magistrados, auxiliá-los na percepção de novas realidades da sociedade na qual estão inseridos e tomando decisões. Há diversos encontros nas quais repercutimos os problemas do Judiciário e pensamos em possíveis soluções. CNJ, metas, estrutura, carreira, aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, etc. A academia é um espaço para pensar o Judiciário como um todo. Além disso, também me proponho a auxiliar na formação continuada dos servidores.

ConJur — O TJ-SP é visto como um dos tribunais mais conservadores do país. Os juízes tentam se atualizar para acompanhar as mudanças da sociedade?
Armando Toledo — Vejo sempre muito interesse dos juízes em se atualizar. Eles só não estão ainda mais alinhados à sociedade por falta de tempo. A carga de trabalho é muito grande. Este é um dos pontos mais importantes quando elaboramos um curso: a flexibilização do horário, uma vez que o volume de trabalho de um juiz é muito grande, consequentemente, o tempo para aprimorar seus conhecimentos acaba sendo reduzido.

ConJur — Percebe-se que o Executivo e o Legislativo têm mais iniciativa que o Judiciário na aproximação com a sociedade. Como a Justiça pode contornar essa situação?
Armando Toledo — O Judiciário antigamente, e de uma forma equivocada, tinha uma cultura de estar afastado da sociedade. A ideia era de que o juiz não deveria estar com o povo, com a sociedade, saber quais as suas aflições. Acreditava-se que se o juiz estivesse em meio à sociedade, haveria falhas nos julgamentos. Isso tem mudado. Neste campo, registramos avanços consideráveis. Mas é claro que há diferenças nítidas entre o Judiciário e os dois outros poderes com relação à aproximação com a sociedade, porque os outros têm funções políticas.

ConJur — Em quais momentos pode-se percebe estes avanços?
Armando Toledo — Hoje, não é difícil encontrar juízes esclarecendo dúvidas sobre processos, sobre como a Justiça funciona, prestando contas, dizendo o que é e para que serve o Poder Judiciário. Hoje, vivemos em uma época de transparência. Os tribunais têm mudado. Observamos iniciativas do próprio Judiciário no sentido de levar o Direito e o próprio poder para além dos portões dos Palácios de Justiça. O cenário já mudou bastante.

ConJur — A escola já foi integrante do concurso para ingresso na magistratura. Há desembargadores que defendem que isso seja retomado. O que o senhor acha sobre isso?
Armando Toledo — Existe uma orientação do Conselho Nacional de Justiça e da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a escola faça parte da fase eliminatória do concurso para juiz. Mas trata-se de uma orientação, não é uma determinação. Em virtude dessa orientação, eu fiz duas propostas, que já foram encaminhadas para o Conselho Superior da Magistratura, e irão para o Órgão Especial. A minha proposta é que a escola participe de forma opinativa e complementar, não eliminatória.

ConJur — E como seria esta participação?
Armando Toledo — Acredito que o momento mais oportuno para atuação da escola seja antes da fase oral. A nossa análise se daria sob o ponto de vista humanístico e comportamental do candidato. Saber se ele realmente tem o perfil para a magistratura. Ou seja, entre a fase escrita do concurso e a oral, os candidatos teriam um período na EPM. Nós avaliaríamos tudo o que fosse necessário sobre vocação e comportamento, e transmitiríamos nossa opinião aos desembargadores da comissão de concurso.

ConJur — E qual é a sua segunda proposta?
Armando Toledo — Ela se refere ao período que vem após a aprovação do candidato, aquele em que ele já está juiz. A proposta é a de que a escola o acompanhe pelos dois primeiros anos de magistratura, até que eles venham a merecer o vitaliciamento. A escola iria ajudar nesse período que podemos chamar de “período de experiência”. Acompanhar o juiz no seu dia a dia, ver como ele desenvolve suas atividades, se comprova no exercício da função ter os requisitos necessários para prestar um bom serviço jurisdicional. Se não comprovar, poderá até ser desligado, antes do vitaliciamento.

ConJur — Esta análise já não é feita pelo próprio tribunal?
Armando Toledo — É, mas o acompanhamento que se faz hoje é mais combinado do que formalizado. A análise poderia ser aprimorada. Uma vez vitaliciado, o juiz só perde o cargo com uma sentença judicial. Vitaliciar alguém em um cargo de juiz é algo muito sério. A grande contribuição da EPM nesta fase inicial da carreira do juiz não é dar um monte de cursos, como quem quer ensinar o que é um Mandato de Segurança. Estes juízes acabaram de passar por uma prova dificílima, se brincar estão mais afiados que a gente. Mas insisto, é preciso analisar o aspecto humano do juiz, avaliá-lo no seu dia a dia, ver como ele julga e atua, ver se tem vocação, e se não tiver, que deixe de ser juiz.

ConJur — Por falar em conhecimento jurídico, as metas definidas pelo CNJ reduzem a qualidade de uma sentença?
Armando Toledo — A qualidade de um texto sim, da decisão não, nem deve. Antes você pegava uma decisão que era quase uma obra de arte. Hoje, estão mais resumidas. Abrimos mão deste modelo para alcançarmos maior quantidade de julgados, claro, sem abrir mão da qualidade. Além disso, vivemos em uma época de transparência. Não só um advogado deve entender com clareza uma decisão como também a parte. Neste aspecto, o juiz deveria ser como o jornalista: tentar ser claro e objetivo, de forma que todos o entendam.

ConJur — Alguns desembargadores não conseguem atingir as metas, e, de acordo com resolução em vigor no TJ-SP, o trabalho destes é dividido entre aqueles que estão em dia com os seus casos. Como o senhor avalia esta regra?
Armando Toledo — O tribunal deve se organizar de forma a prestar os serviços jurisdicionais da melhor maneira possível. Acredito que com o passar do tempo, não teremos porque falar em divisão de processos, porque o CNJ e os tribunais estão se mobilizando para acabar com o estoque. Esforço para isso há. Enquanto este dia não chega, considero que a divisão seja aceitável porque beneficia a sociedade.

ConJur — O ritmo de trabalho do Judiciário paulista precisa ser maior para não haver acúmulo de processos. Como fazer isso?
Armando Toledo — A primeira saída para a morosidade é a conscientização a respeito da conciliação. A sociedade deveria, primeiro, se conciliar, resolver os problemas na conversa, mas sabemos que isso não é o que acontece. Hoje em dia qualquer coisa vira um processo. Algumas frases, como “Vá procurar seus direitos” ou “Vou te processar”, estão cada vez mais em evidência e populares. Por um lado, demonstra uma consciência da população com relação aos seus direitos, o que é positivo. Por outro, ela deve procurar resolver os conflitos amigavelmente. Se assim não conseguir, deve entrar a atuação do Estado, que em um primeiro momento também deve procurar a conciliação.

ConJur — O senhor é a favor da PEC da Bengala?
Armando Toledo — Fatalmente isso acontecerá em virtude da perspectiva de vida do brasileiro que está subindo e a questão de nós termos pessoas extremamente lúcidas e experientes depois dos 70 anos. Contra isso, temos que a magistratura é uma carreira extremamente longa e as pessoas podem, com o passar do tempo, ficar desmotivadas a ponto de não prestar um bom serviço. Este é o ponto central da questão: se após os 70 anos a pessoa tiver condições amplas de continuar prestando o serviço com qualidade, ela deve continuar. Por exemplo, os juízes acima dos 70 anos, podiam fazer parte de um conselho que ajudaria a instituição a cuidar do seu futuro. Teríamos toda uma experiência ajudando a aprimorar o Poder Judiciário. Esta é apenas uma entre tantas possibilidades do que poderia ocorrer.


Fonte: Portal Consultor Jurídico

Extraído de Escola Superior da Magistratura de Goiás

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