Planejamento sucessório: O respeito aos herdeiros necessários e adequação das expectativas do autor da herança

Planejamento sucessório: O respeito aos herdeiros necessários e adequação das expectativas do autor da herança

Mirella Melo

Organizar patrimônio para sucessão é válido, desde que não prejudique herdeiros legítimos ou necessários.

sexta-feira, 7 de junho de 2024
Atualizado às 08:04

Não adianta, é falar em planejamento sucessório sempre tem alguém que aparece com a ideia de uma compra e venda simulada, de colocar o bem em nome de um terceiro, ou ainda constituir um CNPJ e colocar todos os bens lá, como se fosse um cofre imaginário.

Importante ressaltar que é lícita a organização do patrimônio, com finalidade de distribuição ainda em vida, com fiel observância a legítima e ao valor máximo de disponibilidade do autor da herança.

Vamos explicar melhor? Organizar os seus bens é permitido, desde que não se prejudique ninguém, e aqui por "ninguém" entendemos todos aqueles que são as vezes prejudicados, mesmo que ainda em vida do autor da herança, tais como: filhos preteridos, filhos "fora do casamento", esposa que sofre com ocultação de patrimônio por ter os bens adquiridos na constância do casamento/união em nome de terceiros, e todo o caminho que a imaginação humana autorizar.

1. Herdeiros legítimos e necessários:

Com o objetivo de entendermos melhor como deve ser feita a organização precisamos entender quem são os herdeiros, sejam eles legítimos ou necessários.

Para tanto, destacamos que o Código Civil Brasileiro, em seu art. 1.829 traz a definição de quem são os herdeiros legítimos, aqueles que não podem ser preteridos no momento da distribuição desses valores:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I. aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II. aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III. ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente;
IV. aos colaterais.

Já no art. 1.845 são elencados os herdeiros necessários, observe:

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Esses são os que podem, porventura, afastar os colaterais, já que a existência deles preenche a fila de sucessores.  

Não parece, mas é simples, seus irmãos só recebem sua herança se você não tiver filhos, companheiro(a), marido, esposa ou ainda filhos.

Entendendo quem não pode ficar de fora dessa fila, partimos agora para quanto e como o autor da herança, ou seja, o dono do dinheiro, pode organizar, doar, dividir, dispor ainda em vida.

2. Vedação a doação/ disposição da integralidade do patrimônio:

Em havendo herdeiros, o art. 1846 do Código Civil estabelece que:

"Pertence aos herdeiros necessários de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima."

Logo, poderá o autor da herança dispor apenas de 50% dos seus bens, ressalta-se que em caso de doação que ultrapasse o valor obrigatoriamente pertencente a legítima essa doação importa em doação inoficiosa, que nada mais é do que aquela que ultrapassa o percentual disponível do doador.

Esta doação é nula, tal determinação encontra-se expressa no Código Civil Brasileiro em seu art. 549, quando dispõe:

Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

O autor da herança, ainda possui a vedação legal de doação da integralidade dos seus bens, sem reserva para a sua subsistência, como dispõe o art. 548 do Código Civil Brasileiro:

É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.

Assim, por mais que o autor da herança queira se desfazer de todos os seus bens, este fica preso a duas condicionantes: o percentual obrigatório dos herdeiros necessários e ainda a manutenção de patrimônio e/ou renda que seja capaz de suportar a sua subsistência.

3. Da possibilidade de dispor dentro do seu percentual a um herdeiro necessário:

Porém, digamos que um pai queira beneficiar um filho, por qualquer motivo que seja, dentro da sua liberalidade de testar doar esse percentual seu de livre disposição, seria permitido?

Analisando os dispositivos entendemos sim ser possível tal disposição, desde que o limite e percentual dos herdeiros necessários estejam mantidos e fielmente cumpridos.

Ou seja, digamos que uma família composta por: cônjuges e dois filhos, o marido opte por deixar em testamento um valor dentro do seu percentual de disposição a um dos filhos, seja porque motivo for, mera liberalidade ou até implicações mais complexas, como afeto e afinidade, este não fere a legítima, não lesa nenhum dos herdeiros, não ultrapassa o percentual legalmente permitido e pode sim dispor de como bem quiser e entender de seu patrimônio.

Assim, o planejamento sucessório vai muito além da ideia batida de holding, doação de cotas, usufruto, pode muito bem abarcar um testamento.

4. Dos diversos instrumentos e da necessidade de conscientização da seriedade dos seus mecanismos:

Uma vez abordadas as disposições legais que impedem passos que possam comprometer a fiel observância da sucessão legítima, bem como a manutenção do autor da herança, é imprescindível que os mecanismos adotados sejam proporcionais e adequados ao objetivo da organização almejada.

Adequar as expectativas ao que é legalmente possível e adequado, também é papel do advogado, que precisa conscientizar o seu cliente de que nem sempre o que se quer é possível de se ter.

O papel do operador do direito não é só apresentar a solução que o cliente quer, mas sim casar o querer e o poder, apresentar soluções viáveis, inclusive dentro dos limites éticos e legais determinar a impossibilidade de adequação entre o que é posto e o que é permitido.

Simular, ocultar, fraudar, são ações incompatíveis com o ato de organizar a sucessão patrimonial seja ela no âmbito familiar ou não, deve-se sempre oferecer mecanismos que possam andar juntos com a expectativa do cliente e o que é juridicamente permitido.

Entender a sua finitude, trabalhar com ela para que seja possível proporcionar um "luto limpo", sem brigas, burocracia e morosidade também é um ato de amor, deixar que seus entes queridos sofram "apenas de saudade", talvez seja o maior legado que o autor da herança possa deixar.

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LEI Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 20 de agosto de 2023.

Mirella Melo
Advogada especialista em Direito Empresarial, atua há 16 anos com empresas familiares e organização patrimonial.

Fonte: Migalhas

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