Procuração em causa própria: Nova panaceia do planejamento sucessório

Procuração em causa própria: Nova panaceia do planejamento sucessório

Luciana Pedroso Xavier
segunda-feira, 17 de março de 2025
Atualizado em 14 de março de 2025 15:30

Assim como em outras áreas do saber, vez por outra o mundo jurídico é invadido por tendências que "viralizam" nas redes sociais. São instrumentos ou "produtos" jurídicos divulgados com ares de novidade e de que apenas os seguidores do "influencer" terão acesso a este conhecimento tão apurado. A moda da vez, segundo os algoritmos, é a procuração em causa própria, anunciada como grande solução para transferir bens imóveis aos filhos sem a realização de inventário e o pagamento de tributos. Certamente, o conteúdo chama atenção. Afinal, quem já passou pela experiência de realizar inventário de parentes provavelmente se sentirá atraído por uma alternativa menos burocrática e mais barata.

Soluções mágicas não existem. É preciso esclarecer o regime jurídico da procuração em causa própria e elucidar informações inverídicas ou ao menos incompletas sobre o modo de sua utilização.

Um dos primeiros equívocos de eleger a procuração em causa própria como solucionadora universal dos planejamentos sucessórios é crer que o objetivo primordial da família é sempre a economia de custos. Não raro, a procura pela realização de um planejamento sucessório envolve aspectos muito mais profundos, tais como a prevenção de litígios entre cônjuges/companheiros e/ou herdeiros, a distribuição eficiente de bens para que continuem frutificando, a perpetuação de legados, entre outros. A redução de despesas é apenas uma faceta do prisma, geralmente a menos importante .

Em segundo lugar, do ponto de vista técnico, a procuração em causa própria possui peculiaridades que precisam ser bem consideradas. Como espécie de mandato, diferencia-se do gênero pelo fato de ser irrevogável, não se extinguir com a morte das partes, dispensar prestação de contas e permitir que o mandatário transfira para seu nome bens móveis ou imóveis descritos no instrumento de procuração, respeitadas as formalidades legais. A seguir, passa-se a cotejar cada uma destas características com as suas possibilidades de uso lícito em planejamentos sucessórios.

Pelo fato de ser irrevogável, a outorga da procuração com cláusula "em causa própria" precisa ser fruto de decisão amadurecida do mandante, uma vez que ele não poderá se arrepender e desfazer o ato posteriormente. Este instituto é bastante frequente no mercado imobiliário. Para evitar ter que importunar o vendedor do imóvel ou ficar na dependência de sua agenda para a assinatura de documentos, uma vez fechado o negócio de compra e venda, é outorgada procuração com cláusula em causa própria em favor do comprador, que se responsabiliza pelo registro e demais atos necessários . No âmbito do planejamento sucessório, é preciso que o outorgante compreenda que a procuração possui eficácia imediata, de modo que o filho outorgado não precisará aguardar o óbito do pai ou da mãe para realizar a transferência. Ainda que possa desvirtuar o propósito dos pais, legalmente é um direito do descendente outorgado, de modo que todos precisam estar cientes deste risco. Além disso, o filho poderá substabelecer os poderes para terceiros, os quais também poderão realizar de imediato a transferência de bens. Nesse contexto, a doação com usufruto (tanto de bens imóveis quanto de quotas de pessoa jurídica) parece ser mais oportuna por proteger os pais doadores.

Sobre a não extinção com a morte das partes, ainda que o outorgante possa utilizar a procuração, em virtude do sistema brasileiro de transmissão de propriedade, será necessário lavrar uma escritura pública de doação, compra e venda, dação em pagamento, confissão de dívida ou outra que dê causa a esta transferência. Dito em outras palavras: a procuração em causa própria não possui eficácia translativa . Seu efeito prático é apenas permitir que um negócio jurídico apto a transferir bens móveis ou imóveis seja escriturado e depois registrado. Deste modo, é pouco crível que as partes serão isentas do pagamento de custas e emolumentos da escritura pública e do registro de imóvel, bem como de ITBI ou ITCMD. Além disso, terão que explicar na declaração de imposto de renda como ocorreu o ingresso e a saída de recursos de seu patrimônio, especialmente nos casos em que é exigida contraprestação.

Nesse sentido, em famílias cujo patrimônio a ser inventariado é apenas um bem imóvel e/ou bens móveis, sugere-se pesquisar se há na lei estadual hipóteses de isenção no pagamento do imposto de transmissão causa mortis, o que de maneira tecnicamente correta já permitiria economia de custos . Outro alerta importante é o de que mesmo que haja transferência de todos os bens do falecido pela procuração in rem suam, ainda sim é aconselhável realizar inventário, mesmo que negativo, para poder encerrar adequadamente relações societárias, contratos, contas bancárias, dentre outros.

Outra exigência da procuração em causa própria é a de que os bens objeto do mandato devem ser nela descritos. Logo, no médio prazo, se os pais tiverem interesse em se desfazer de um ou alguns dos bens listados, precisarão contar com a anuência do filho para a revogação da procuração atual e outorga de uma nova, excluindo-se desta última o bem que se pretende alienar. Ainda, se porventura, o bem que os pais pretendam vender já tiver sido objeto de outro negócio pelo filho - vez que, como visto, a eficácia da procuração é imediata - ou se o filho não anuir com o refazimento da procuração, os pais já não poderão mais decidir sobre o destino do bem.

Precisa-se tomar cuidado para que um ato de aparente astúcia não gere efeitos contrários aos pretendidos. A utilização da procuração em causa própria para fraudar lei pode acarretar nulidade, nos termos do art. 166, VI do Código Civil . Seria o caso, por exemplo, de por meio da procuração ser lavrada escritura pública de compra e venda, que atrairia a incidência do ITBI, quando na realidade foi feita doação, devendo ser pago ITCMD (alíquota em geral superior). Ainda, pode ser inquinada de simulação por conter declaração/cláusula não verdadeira, conforme art. 167 do Código Civil . Em ambos os casos, vale lembrar que a nulidade não pode ser confirmada e nem convalesce com o tempo, podendo ser alegada por qualquer interessado ou pelo Ministério Público quando lhe couber intervir. Por fim, tais atos poderão ser questionados pelas receitas estadual e/ou federal, que utilizam ferramentas de inteligência artificial para coibir fraudes .

Se a procuração em causa própria é um remédio que pode ser administrado no tratamento do planejamento sucessório, não se pode descurar que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. A utilização da procuração em causa própria deve ser feita com prudência, com o aconselhamento e supervisão de um advogado especializado no tema, que poderá garantir a legalidade do ato e atento aos riscos que dela poderão advir.

Fonte: Migalhas

                                                                                                                            

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