“Quanto mais notário, menos juiz.”
Artigo: Acesso à justiça e o protagonismo do serviço público notarial e registral - Franklin Maia
Publicado em 09/08/2016
Por Franklin Maia*
“Quanto mais notário, menos juiz.”
(Francesco Carnelutti).
O presente artigo tem como objetivo de estimular o acesso à justiça a partir de institutos alternativos, através dos meios extrajudiciais por prestadores de serviço público, com enfoque no direito notarial e registral brasileiro, intencionalmente voltado para o despertar do pensamento crítico da comunidade acerca do sistema e meios alternativos para resolução de conflitos e efetivação do consenso, tal qual a Mediação, Conciliação, Separação, Divórcio, Dissolução de União Estável, Inventários e Partilhas Extrajudiciais, bem como o mais novo procedimento da Usucapião Extrajudicial, de forma a promover uma cultura para sociedade livre, justa e solidária, contribuindo para desafogar o Poder Judiciário brasileiro.
No Brasil, o protagonismo do judiciário pós Constituição de (1988) foi uma consequência, entre outros fatores, da constitucionalização de direito, do fortalecimento de novos atores sociais e da omissão do poder público em assegurar a dignidade humana e realizar o efetivo estado democrático de direito, fatores que ocasionaram uma explosão da demanda. Embora preste uma atividade jurisdicional insuficiente e ineficaz, o Judiciário é ainda percebido socialmente como o último recurso de que dispõem o cidadão para ver assegurados direitos fundamentais mínimos.
É inegável o extraordinário desenvolvimento de políticas voltadas para desjudicialização e desburocratização nos últimos tempos. Crescimento que não depende apenas da iniciativa pública, mas notadamente em virtude de um reclamo geral da sociedade e da iniciativa privada por novos meios alternativos de solução de conflitos que permitam soluções negociadas, mas céleres, menos dispendiosas e que permitam a manutenção dos vínculos pessoais, contratuais ou comerciais entre as partes.
O fenômeno da desjudicialização, iniciado na Europa Continental, a exemplo de Portugal e Espanha, é atualmente uma realidade que caminha passo a passo no Direito brasileiro. Percebe-se, portanto, uma tendência internacional na busca de um sistema moderno de Justiça, face ao esgotamento dos modelos atuais. A desopressão do Judiciário resulta de tendência contemporânea de potencializar mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos que garantam celeridade, eficácia e segurança jurídica.
O CONSTITUCIONAL ACESSO À JUSTIÇA
A Constituição Federal Brasileira de 1998 proclama em seu artigo 5°, inciso XXXV que: “A lei não excluirá da apreciação do poder Judiciário lesão ou grave ameaça a direito.” Garantindo também no inciso LXXIV que: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.” Desta forma, percebe-se a garantia que a Carta Magna concede de ter-se acesso à justiça, bem como de ter suas pretensões apreciadas pelo poder Judiciário, permitindo que o cidadão satisfaça o direito de ter acesso à justiça.
Para tanto, verifica-se que expressão “acesso à justiça” significa a possibilidade de acesso à esfera judicial, porém tal expressão é bem mais abrangente, abarcando também a ideia de que o acesso à justiça faz parte dos direitos humanos. É neste sentido que Rodrigues ressalta:
O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (RODRIGUES, 2008, p.249).[1]
Importante mencionar que no mesmo âmbito, proclama ainda a Constituição Federal de 1998 no artigo 5°, inciso LXXVIII: “A todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Desta forma a Carta Magna em vigor deve garantir meios eficazes para a obtenção da resolução do conflito de todo e qualquer cidadão.
Torna-se intrínseca a relação entre o acesso à justiça e os princípios fundamentais, cabendo ao Estado como detentor do monopólio da justiça permitir a todos o acesso à justiça, onde o Estado deve criar mecanismos aptos e céleres para que os cidadãos possam resolver suas demandas o mais rápido possível não ferindo dessa forma, o princípio constitucional.
O ACESSO À JUSTIÇA NO ÂMBITO NOTARIAL E REGISTRAL
Em consonância com os tempos em que vivemos, a instituição notarial e registral se apresentam uma alternativa de muita perspectiva, ampliando o âmbito de argumentação de acesso à justiça. Observa-se que a imagem social do registrador e do notariado brasileiro segue sendo amplamente e claramente positiva. Neste ditame as serventias notariais e registrais estão presentes nas mais importantes ocasiões da vida do cidadão. No entanto, a maioria da população desconhece os atos, efeitos e importância desse relevante serviço público.
Estamos assistindo uma profunda transformação no direito. Assistimos a um direito onde abundam elementos novos, teorias novas e autores novos. E isto é claramente positivo: assistimos, creio, a uma revivificação do direito.
Claro que a comunidade necessita definitivamente de se afastar do conflito, e é por isso que, por vezes, cada vez mais urgente, é que precisam de garantias e alternativas jurídicas. Um dos principais teóricos do direito notarial espanhol, Antonio Bellver Cano, se manifestou, há muito tempo, desta maneira: “Aun en los momentos más graves en que modernamente lucha cualquier hombre con los desafueros de sus conciudadanos o con los de la ley o de sus ministros, se busca y se pide un notario”.[2]
É nesse sentido que, se faz de extrema importância à aplicação de métodos alternativos extrajudiciais, que visam dirimir os conflitos que se apresentam, vista a repercussão desse modo alternativo de solução de litígio sobretudo na atividade notarial, como é o caso da mediação extrajudicial, já que o notário diuturnamente já exerce uma função preventiva de litígio que possui muitos pontos em comum com o papel do mediador.
Segundo o Desembargado Marcelo Rodrigues:
A contribuição dos notarios e registradores, neste campo, pode e deve ser feita na jurisdição voluntária. Essa, por sinal, não é voluntária, nem jurisdicional, dado que possui cunho tipicamente administrativo, que se identifica pela integração do Estado em negócios e situações jurídicas dos particulares, sempre tendo por escopo a defesa do interesse público, ali reservado. (RODRIGUES, Marcelo Guimarães. 2016. p. 423)[3]
É bem verdade que o serviço notarial e registral há algum tempo, já estão capacitados para receber procedimentos nesta esfera, a exemplo da usucapião extrajudicial, mediação e outros, cabendo a sociedade reformular conceitos, prestigiando os notários e registradores, buscando seus serviços, visando a tão almejada segurança jurídica, transformando aqueles procedimentos vagarosos do Poder Judiciário, em procedimentos mais céleres diante de demandas administrativas.
Nesse caminho, buscamos promover reflexões orientadas a propiciar meios complementares de efetivação da justiça, na busca por uma cultura de paz, de modo que os conflitos sejam resolvidos sem a necessidade da via judicial, ampliando, dessa maneira, as alternativas para a concretização do acesso à justiça em nosso país.
*Autor:
Dr. AUGUSTO FRANKLIN DE PAIVA MAIA
Advogado, Consultor e Assessor Jurídico do 2º Ofício de Notas de Parnamirim/RN - Especialista em Direito Notarial e Registral - Especialista em Direito Civil e Processual Civil.
REFERÊNCIAS
[1] RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no Estado contemporâneo: concepções e principais entraves. In: SALES, Lília Maia de Morais; LIMA, Martonio Mont’Alveme Barreto (Org.) Constituição, Democracia, Poder Judiciário e desenvolvimento – Estudos em homenagem a José de Albuquerque Rocha. Florianópolis: Conceito, 2008.
[2] Tradução livre: “Mesmo nos piores momentos, quando luta moderna qualquer homem com os excessos de seus compatriotas ou com a lei ou os seus ministros procuraram e solicitaram um notário"
[3] RODRIGUES, Marcelo Guimarães. Tratado de registros públicos e direito notarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
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O presente artigo é uma reflexão pessoal do colunista e não a opinião institucional do CNB-CF.
Extraído de Colégio Notarial do Brasil