Quarta Turma suspende proibição de viagens imposta a casal que responde a ação de insolvência

DECISÃO
25/09/2019 07:55

Quarta Turma suspende proibição de viagens imposta a casal que responde a ação de insolvência

​​A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão liminar, suspendeu a proibição de viajar imposta por ordem judicial a um casal do Rio de Janeiro que responde a ação de insolvência civil em razão de dívida superior a R$ 3 milhões. De forma unânime, o colegiado considerou que a medida coercitiva restringiu de forma desproporcional o direito fundamental de ir e vir.

O magistrado de primeiro grau havia atendido pedido da administradora judicial e do Ministério Público, e adotou como fundamento a ausência de depósito nos autos e de demonstração de interesse, por parte dos devedores, em minimizar os prejuízos aos credores. De acordo com o juiz, o casal não poderia se ausentar do município do Rio de Janeiro, ainda que por motivos profissionais.

"É profundamente lamentável a conduta do devedor, há mais de 13 anos protelando o andamento da insolvência. No entanto, penso que tal medida coercitiva é ilegal, uma vez que restringe o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável", afirmou o relator do habeas corpus no STJ, ministro Luis Felipe Salomão.

Na primeira decisão em habeas corpus, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou o pedido para liberar as viagens sob o argumento de que o artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015 autoriza ao magistrado adotar as medidas necessárias para dar efetividade às ordens judiciais.

O tribunal também considerou aplicável ao caso o artigo 104, inciso III, da Lei de Recuperação e Falência, que impõe ao falido o dever de não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz. Ao negar o habeas corpus, o TJRJ considerou a prática de atos que dificultam a localização e a arrecadação de bens dos devedores, em processo que se estende por mais de dez anos.

Coação reprová​​vel

Em análise do novo pedido de habeas corpus, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que, de acordo com o artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, o juiz poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

Apesar de constituir instrumento genuíno para assegurar o cumprimento do comando judicial, o relator ponderou que a medida de incursão na esfera de direitos do executado, especialmente direitos fundamentais, não terá legitimidade e configurará coação reprovável quando estiver vazia de respaldo constitucional ou previsão legal, e se não for justificável como defesa de outro direito fundamental.

Segundo ele, os doutrinadores reconhecem que, diante das inúmeras possibilidades de aplicação do artigo 139, IV, é sempre imprescindível avaliar a proporcionalidade da medida, considerando sua adequação e necessidade.

Embaraço à lib​​​erdade

No caso dos autos, Salomão entendeu que a proibição de viagens gera embaraço à liberdade de locomoção, a qual deve ser plena, tendo em vista que a medida de coerção atípica exige demonstração de sua absoluta necessidade e utilidade, sob pena de atingir o direito fundamental constitucional.

Além disso, lembrou que o STJ tem precedentes no sentido de que a obrigação prevista pelo artigo 104 da Lei de Recuperação e Falência – ainda que essa lei pudesse ser aplicada ao caso de insolvência civil – não possui caráter de pena, visando, ao contrário, simplesmente facilitar o curso da ação falimentar, tendo como objetivo a presença do falido para prestar esclarecimentos e participar dos atos processuais.

O dispositivo legal, ressaltou o ministro, não veda a possibilidade de viajar para fora da comarca; apenas a condiciona ao preenchimento de alguns requisitos, como a existência de justo motivo, a comunicação expressa ao juiz e a constituição de procurador.

"Dessa forma, consubstancia coação ilegal à liberdade de locomoção a decisão judicial que estabeleceu a proibição de viajar para fora da comarca em que tramita o processo de insolvência civil, tendo em vista a evidente falta de proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretende favorecer (adimplemento de dívida civil), diante das circunstâncias fáticas do caso em julgamento" – concluiu o ministro Salomão ao conceder a liminar.

O mérito do habeas corpus ainda será julgado pela Quarta Turma.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 525378

Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Notícias

Herança musical: Como proteger direitos autorais antes da morte?

Precaução Herança musical: Como proteger direitos autorais antes da morte? Dueto póstumo envolvendo Marília Mendonça e Cristiano Araújo ilustra como instrumentos jurídicos podem preservar legado de artistas. Da Redação quinta-feira, 23 de janeiro de 2025 Atualizado às 15:07 A preservação do legado...

Imóveis irregulares: Saiba como podem ser incluídos no inventário

Imóveis irregulares: Saiba como podem ser incluídos no inventário Werner Damásio Descubra como bens imóveis sem escritura podem ser partilhados no inventário e quais os critérios para garantir os direitos dos herdeiros. domingo, 19 de janeiro de 2025 Atualizado em 16 de janeiro de 2025 10:52 A...

STJ julga usucapião de imóvel com registro em nome de terceiro

Adequação da via STJ julga usucapião de imóvel com registro em nome de terceiro Recurso visa reformar decisão de tribunal que extinguiu o processo por ausência de interesse de agir. Da Redação sexta-feira, 17 de janeiro de 2025 Atualizado às 17:23 A 4ª turma do STJ iniciou julgamento de ação de...

Divórcio é decretado antes da citação do cônjuge, que reside nos EUA

Divórcio é decretado antes da citação do cônjuge, que reside nos EUA 16/01/2025 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM A Justiça do Rio de Janeiro decretou o divórcio antes da citação do cônjuge, um americano que reside nos Estados Unidos. A decisão da 2ª Vara de Família da Regional da Barra da...

Holding deixada de herança: entenda o que a Justiça diz

Opinião Holding deixada de herança: entenda o que a Justiça diz Fábio Jogo 14 de janeiro de 2025, 9h14 Sem uma gestão transparente, o que deveria ser uma solução para proteger o patrimônio pode acabar se transformando em uma verdadeira dor de cabeça. Leia em Consultor Jurídico      ...

STJ admite penhora de direito aquisitivo de imóvel do Minha Casa, Minha Vida

DEVE, TEM QUE PAGAR STJ admite penhora de direito aquisitivo de imóvel do Minha Casa, Minha Vida Tiago Angelo 12 de janeiro de 2025, 9h45 “Nesse contexto, como ainda não se adquiriu a propriedade plena do imóvel, eventual penhora não poderá recair sobre o direito de propriedade – que pertence ao...