Sem catracas, lenços e documentos
02/07/2013 12:29
As manifestações e os arquétipos
Não esperem dessa juventude arquiteturas e silogismos propositivos, apenas o vôo do imaginário de nossa existência. E tratemos de criar as condições para viabilizá-la
Amadeu Garrido de Paula, Administradores.com, 2 de julho de 2013
Talvez a psicologia anseie por interpretar as ocorrências das ruas do Brasil. Outros ramos do pensamento certamente se abalaram: a sociologia, o direito, a história. Entre os conceitos junguianos, avultam em importância os arquétipos e suas configurações mitológicas. Provavelmente, o principal é o arquétipo do herói. Para compreendermos seu valor, o melhor é recorrer ao antípoda do desvalor do covarde. Deterministas, oprimem.
As gerações passadas, deitando suas raízes nas profundezas da mitologia greco-romana, pregariam em nossa psique os comportamentos trespassados ao longo secular das gerações. Nada seria novo em nossa conduta consciente e no depósito de nosso renitente inconsciente. Marx disparou que a lembrança das gerações mortas oprime qual um pesadelo a consciência dos vivos. Talvez, se não encontramos o caminho do desvencilhamento.
O trespasse inevitável e pesado dos genes conforma nossas condutas obrigatórias e o ramerrão do conformismo. Para garantir a opressão da minoria mais apta, foram criados o estado e suas instituições dentro das quais os homens nascem, tornam-se jovens inconformados, adultos inseguros, opressores e oprimidos, envelhecem e bufam pelas ladeiras da senectude.
Tudo é platitude e os costumes nacionais diversos se assemelham, uns mais, outros menos felizes. Como observou Nietzsche, as manhãs são invariáveis, os homens pacatos ruminam de acordo com as posições postas por seus maiores - sem se saber com que legitimidade. A ordem é necessária e a desordem inviabiliza a sociedade. Não se vislumbra e legitima a desordem criativa, distinta das agressões, que procuram ampliar e arejar os cubículos estreitos da burocracia e das fábricas cinzentas e melancólicas.
Assim caminhou a humanidade, até o momento que começou a conversar, sem introduções, delongas e a tempo real, ainda que superficialmente. Os genes opressores da psique começaram a se debilitar. As gerações mortas começam a deixar em paz os vivos. As sociedades são questionadas e seus políticos dominantes impugnados por palavras ou por projéteis. Alguns ditadores terminam como ratos de esgoto e outros se socorrem de mercenários para sobreviver a duras penas. As primaveras livres se espalham pelo mundo, ainda que terminem, por ora, com a chegada dos invernos resistentes. E substituem o invariável das utópicas caminhadas espirituais ou históricas.
Conforme observou Fernando Gabeira em recente artigo no jornal o Estado de São Paulo, em 1968 o marxismo tomou o lugar do existencialismo. Hoje, nas manifestações do Brasil, a vida toma o lugar da economia, e o existencialismo, embora sem a companhia de Sartre e Simone nas passeatas públicas, avança: a existência antes da essência não tem propostas, líderes e partidos. E o anarquismo deixa atônitos os iluministas.
Os donos do poder, destacadamente os corruptos, com razões, estremecem. Jovens desprovidos de ciência política se encontram com a Presidente da República e a criticam, por não indicar os caminhos concretos que os conduziriam à estrada ampla da liberdade. Esta toma o lugar da igualdade e, numa metáfora, lembra o direito de ir e vir. Sem catracas, lenços e documentos.
O dinheiro surrupiado pela corrupção dificulta a ida à escola, ao trabalho, ao cinema ou às tertúlias. Nem mesmo as baladas são seguras e uma tragédia sem precedentes abalou o sul desenvolvido. O Estado é tudo, principalmente arrecadador, menos o que o jurista alemão Konrad Hesse cunhou de "estado do cuidado assistencial".
As explicações avidamente buscadas não serão encontradas no direito, na sociologia ou na história contemporânea, mas na psicologia e na filosofia que se imaginavam mortas. Os jovens não se conformam mais em ser uma camada de semoventes a caminho da engorda, da vidinha descolorida, da visão diuturna das tragédias e do caminho inexorável da extinção. Têm consciência da factibilidade de um mundo melhor, espiritualizado e feliz. Sem esquemas adrede preparados com sua triste inclusão comportamental. Quem os enfia nas drogas são os adultos, traficantes "limpos", endinheirados e organizados, não raro sob os braços do estado, valendo-se de sua criticidade incipiente.
Não esperem dessa juventude arquiteturas e silogismos propositivos, apenas o vôo do imaginário de nossa existência. E tratemos de criar as condições para viabilizá-la.
Dr. Amadeu Garrido de Paula é advogado.
Fonte: Administradores