TJMG - Jurisprudência - Ação de usucapião - Direitos hereditários

TJMG - Jurisprudência - Ação de usucapião - Direitos hereditários


APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO - DIREITOS HEREDITÁRIOS - CESSÃO - TRANSFERÊNCIA DO BEM - AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE - VIA ELEITA - INADEQUAÇÃO


- A ação de usucapião não é a via adequada para a transferência de propriedade de bem, objeto de cessão hereditária, se o cessionário dos direitos possui instrumento hábil para esse fim, podendo-se valer do inventário judicial.


Apelação Cível nº 1.0000.23.156551-6/001 - Comarca de Alfenas - Apelantes: Aluísio Antônio Pereira Junior, Breno Soares Pereira - Apelados: Jose Antônio Xavier, Olivina Batista de Toledo, VR Campos Indústria e Comércio - Relator: Des. Ramom Tácio.


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 30 de agosto de 2023 - Ramom Tácio - Relator


VOTO


DES. RAMOM TÁCIO - Trata-se de apelação, interposta por Aluísio Antônio Pereira Junior e Breno Soares Pereira, em face da sentença (doc. de ordem nº 106) proferida nos autos da ação de usucapião ajuizada pelos autores/apelantes, na qual o MM. Juiz a quo julgou extinto o processo, sem resolução de mérito (CPC, art. 485, I).


Em suas razões recursais, a parte apelante sustenta que ajuizou a ação de usucapião para regularizar a propriedade de imóvel havido pelo seu genitor por meio de cessão de direitos hereditários.


Alega que não desconhece o meio ordinário que deveria ser adotado para regularização da propriedade do imóvel, porém não o utilizou por circunstâncias alheias à sua vontade.


Diz que a ação de usucapião é a única via pela qual será possível promover a regularização requerida, razão pela qual é via adequada no caso concreto.


Afirma que, ainda que assim não fosse, estão presentes nos autos os requisitos necessários à concessão da usucapião extraordinária.


Pede a reforma da sentença, para reformar a sentença e julgar procedentes os pedidos iniciais.


É o relatório.


Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de sua admissibilidade.


Os autores/apelantes querem a cassação da sentença, em que o MM. Juiz de 1º grau extinguiu o processo, sem resolução do mérito, por inadequação da via eleita.


O pedido dos autores/apelantes não procede, porque a via eleita por eles (ação de usucapião) é mesmo inadequada à pretensão inicial (reconhecimento da aquisição derivada da propriedade de um bem imóvel).


Com efeito, a ação de usucapião extraordinária é um meio para reconhecimento de uma aquisição originária da propriedade de um bem, servindo a sentença resultante dessa ação como um título hábil para registro do bem no cartório de registro de Imóveis (CC, art. 1.241, p.ú.). Os ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery inclusive atestam isso:


``Modo originário de aquisição da propriedade imóvel, a usucapião extraordinária ocorre pelo só fato da posse, preenchidos os demais requisitos da norma sob comentário (posse ad usucapionem). Decorrido o prazo o possuidor adquire a propriedade, extinguindo-se o domínio do anterior proprietário, bem como todos os direitos reais que eventualmente haja constituído sob o imóvel. (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 953).


No caso em exame, a aquisição da propriedade pelos autores/apelantes não é originária, mas, sim, derivada, sendo certo que os apelantes pedem a usucapião do imóvel que foi por eles adquirido mediante escritura pública de cessão de direitos hereditários (doc. de ordem nº 10).


A questão em apreço envolve então aspectos ligados ao registro dessa transmissão de direitos, e não aspectos controversos sobre a titularidade do domínio embutida nessa transmissão. Assim, a usucapião não é adequada parta a regularização pretendida.


Ora, esse tipo de ação (usucapião), tal como dito por Benedito Silvério Ribeiro, deve ser ajuizada em caso assim se o titular cessionário do bem adquirido não possuísse título capaz de gerar a transmissão do bem adquirido. Vide, a propósito, os dizeres de Silvério:


``Como assentado de início, não ostentando o titular da cessão um instrumento hábil para transferir a propriedade, inexistindo coisa certa e delimitada, dependendo da divisão e atribuição de quinhões aos herdeiros, afigura-se como caminho indicado a ação de usucapião.


Salvante os casos em que poderá o cessionário de direitos hereditários socorrer-se das vias apropriadas (inventário, arrolamento, adjudicação etc.), a permissibilidade do exercício da demanda usucapional deverá constituir a exceção, nunca a generalidade.'' (RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. v. 1. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 274).


Pelo que se vê, na situação, os autores/apelantes não apresentam qualquer entrave justificável à transmissão do bem.


Como os apelantes recebem direitos derivados, é importante ainda este esclarecimento ditado por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:


``A importância da distinção entre modos originário e derivado reside nos efeitos que se produzem. Se a propriedade é adquirida por modo originário, não há vínculo entre a propriedade atual e a anterior, incorporando-se o bem ao patrimônio do novo titular em toda a sua plenitude, livre de todos os vícios que a relação jurídica pregressa apresentava. Todavia, se adquirida a propriedade por modo derivado, isto é, pelo registro no ofício imobiliário do título representativo do negócio jurídico ou sucessão, transfere-se a coisa com os mesmos atributos e restrições (ônus reais e gravames) que possuía no patrimônio do transmitente.'' (CHAVES DE FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. v. 5. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 395).


Dessa forma, a ação de usucapião é inadequada para o que se pretende. Em casos semelhantes, veja a jurisprudência deste Tribunal, inclusive desta Câmara Especializada:


``Apelação cível. Ação de usucapião. Pretensão de regularização registral de imóvel. Compra e venda. Inadequação da via eleita. Ausência de interesse de agir. Extinção sem resolução do mérito. Sentença mantida. Recurso improvido. A Ação de Usucapião não é via adequada para regularizar a situação registral de imóvel adquirido por celebração de escritura pública de cessão de direitos hereditários. Portanto, deve ser mantida a sentença de extinção do feito sem resolução de mérito por ausência de interesse de agir (art. 485, VI, do CPC).'' (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.089126-9/001, Relator(a): Des.(a) José Marcos Vieira , 16ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 21.06.2023, p. em 23.06.2023)


``Apelação cível. Ação de usucapião. Cessão de direitos hereditários. Regularização de registro. Legitimidade e interesse. Extinção do processo sem resolução do mérito. Recurso desprovido. A legitimidade dos litigantes caracteriza-se pela capacidade específica de subsistirem na causa como parte, em face de uma relação jurídica apresentada pelo autor. O interesse processual está assentado na adequação, isto é, na relação entre a pretensão e o provimento jurisdicional requerido, na necessidade, ou seja, na impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a intercessão do Estado, e, por fim, na utilidade do processo. De acordo com o art. 1.238, do Código Civil, adquirir-lhe-á a propriedade, independentemente de título e boa-fé, quem possuir imóvel por quinze anos, sem interrupção e oposição, com animus domini. A ação de usucapião tem por objetivo a constituição de título apto ao registro imobiliário àquele que tem apenas a posse de bem imóvel pelo tempo necessário à prescrição aquisitiva. As partes devem se valer dos meios adequados às suas efetivas pretensões, sendo certo que a utilização da ação de usucapião, como forma oblíqua de regularização de títulos de propriedade, não encontra respaldo legal.'' (TJMG - Apelação cível nº 1.0000.22.239970-1/001, Rel. Des. Moacyr Lobato , 21ª Câmara Cível Especializada, j. em 14.12.2022, p. em 15.12.2022).


``Ação de usucapião. Preliminar de ofício. Inovação recursal. Cessão de direitos hereditários. Aquisição derivada da propriedade. Via eleita. Inadequação. Segundo dispõe o art. 1.013, § 1º, do CPC, apenas serão objeto de apreciação e julgamento pelo Tribunal as questões `suscitadas e discutidas no processo', não se admitindo inovação recursal. A ação de usucapião não é a via adequada para a transferência de propriedade de bem, objeto de cessão hereditária, se o cessionário dos direitos possui instrumento hábil para esse fim, podendo-se valer do inventário judicial.'' (TJMG - Apelação cível nº 1.0082.15.000583-1/001, Rel. Des. Marcos Henrique Caldeira Brant , 16ª Câmara Cível Especializada, j. em 13.07.2022, p. em 15.07.2022).


``Apelação cível. Ação de usucapião. Cerceamento de defesa não configurado. Cessão de direitos hereditários. Inadequação da via eleita. Para que seja reconhecido o cerceamento de defesa, bem como configure ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, é necessário que a prova almejada e que deixou de ser produzida se caracterize como relevante e imprescindível para a solução da lide. Cessão de direitos hereditários se trata de aquisição derivada da posse. A Ação de Usucapião é meio inadequado para regularizar propriedade em cessão de direitos hereditários, uma vez que há procedimento próprio.'' (TJMG - Apelação cível nº 1.0312.13.000815-3/001, Rel. Des. Cavalcante Motta, 10ª Câmara Cível, j. em 08.03.2022, p. 10.03.2022).


``Apelação cível. Ação de usucapião. Propriedade adquirida pelo autor por meio de cessão de direitos hereditários. Ausência de registro do imóvel. Utilização da ação de usucapião para objetivo diverso. Impossibilidade. Manutenção. Extinção sem resolução do mérito por ausência de interesse processual. Possibilidade. Pedido eventual provido. A usucapião se trata de um meio de aquisição originária da propriedade, pela posse continuada por determinado decurso de tempo, desde que observados os requisitos legais, quais sejam a posse mansa, pacífica e ininterrupta e o decurso do prazo legalmente previsto. Inexiste interesse processual quando o autor pretende utilizar-se da usucapião para regularizar a situação de imóvel que, apesar de ter sido objeto de cessão de direitos hereditários não se encontra registrado. Diante da ausência de interesse processual, impõe-se a extinção do feito, sem resolução de mérito, no termo do art. 485, VI do CPC. (TJMG - Apelação cível nº 1.0059.14.001995-7/001, Rel. Des. Amauri Pinto Ferreira, 17ª Câmara Cível, j. em 10.11.2021, p. em 11.11.2021).


Em resumo, a ação de usucapião não é a via adequada para a transferência de propriedade de bem, objeto de cessão hereditária, se o cessionário dos direitos possui instrumento hábil para esse fim, podendo-se valer do inventário judicial.


Com tais razões de decidir, nego provimento ao recurso.


Condeno as autoras/apelantes ao pagamento das custas recursais.


Deixo de majorar os honorários, porquanto não fixados na sentença recorrida (CPC, art. 85, § 11).


Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Marcos Henrique Caldeira Brant e Tiago Gomes de Carvalho Pinto.


Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Extraído de Sinoreg/MG

Notícias

Certidão com efeito de negativa prova quitação de dívida, decide TJ-DF

TUDO NOS CONFORMES Certidão com efeito de negativa prova quitação de dívida, decide TJ-DF 11 de junho de 2024, 7h51 Relator do agravo, o desembargador Robson Barbosa de Azevedo explicou que o artigo 192 do Código Tributário Nacional estabelece que o formal de partilha só pode ser expedido mediante...

TJ/RO autoriza intimações judiciais via WhatsApp

Inovação TJ/RO autoriza intimações judiciais via WhatsApp A novidade entra em vigor a partir de 16/6, e é totalmente opcional e voluntária aos jurisdicionados. Da Redação segunda-feira, 10 de junho de 2024 O Poder Judiciário de Rondônia, por meio da CGJ - Corregedoria Geral da Justiça, adotou o...

Imunidade de ITBI na integralização de bens no capital social

OPINIÃO Imunidade de ITBI na integralização de bens no capital social João Vitor Calabuig Chapina Ohara Lucas Fulante Gonçalves Bento 10 de junho de 2024, 13h20 A decisão judicial mais relevante sobre o tema foi proferida no Recurso Extraordinário n° 796.376, em que o Supremo Tribunal Federal fixou...

Limitação à autonomia da cláusula de eleição de foro

Limitação à autonomia da cláusula de eleição de foro Davi Ferreira Avelino Santana A eleição de foro (aquela cláusula esquecida na maioria dos contratos) agora não pode se dar sem guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação. sexta-feira, 7 de...