TJMG - Jurisprudência - RCPN
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APELAÇÃO CÍVEL - NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO - QUESTÃO INCONTROVERSA - ERRO ESCUSÁVEL - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - REGISTRO REALIZADO POR LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE
- Cediço que o ato voluntário de reconhecimento da paternidade é irrevogável, irretratável e produz efeitos ex tunc, não se admitindo o arrependimento posterior, razão pela qual só pode ser desfeito, quando demonstrado vício de consentimento que implique sua invalidade.
- Se a inexistência de vínculo biológico entre as partes é incontroversa, torna-se necessário averiguar a existência de erro na manifestação de vontade do genitor, ao declarar seu vínculo biológico com a ré, perante o Oficial Cartorário.
- Comprovado que o pai registral tinha consciência de que a criança não era sua filha biológica, deve ser afastada a alegação de vício em sua manifestação de vontade e, por conseguinte, mantida a sentença que julgou improcedente o pedido.
Apelação Cível nº 1.0000.21.106856-4/001 - Comarca de Uberlândia - Apelante: G.B. - Apelado: K.C.B.O. - Relatora: Des.ª Yeda Athias
ACÓRDÃO
Vistos, etc., acorda, em Turma, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 28 de setembro de 2021. - Yeda Athias - Relatora.
VOTO
DES.ª YEDA ATHIAS - Trata-se de recurso de apelação em face da sentença de ordem nº 135, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Uberlândia que, na ação negatória de paternidade cumulada com retificação de registro civil ajuizada por G.B em desfavor de K.C.B.O, julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de que ``embora tenha restado incontroversa a ausência de vínculo biológico entre o autor e a requerida, o requerente não se dignou em comprovar o alegado vício de consentimento no ato de registro da menor'' e que ``não se constata a ocorrência de erro ou coação, sendo certo que o reconhecimento voluntário e consciente torna o arrependimento inviável, ainda que existam dúvidas quanto à paternidade''.
Honorários de sucumbência fixados no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), suspensa a exigibilidade por litigar o autor sob o benefício da justiça gratuita.
Apela o autor (ordem 140) alegando que ``a relação do apelante/requerente e a apelada/requerida não se amolda a nenhum dos institutos familiares, ante a ausência tanto dos fatores biológicos, quanto socioafetivo'', já que ``está evidenciado nos autos, conforme o exame de DNA que comprova que a apelada/requerida não era mesmo sua filha sanguínea'' e ``também restou demonstrado que tanto a apelada/requerida e o apelante/requerente não possuem qualquer vínculo afetivo que caracterizaria a paternidade socioafetiva''. Conclui que ``não é o sentido da lei obrigar duas pessoas a permanecerem unidas pelo liame jurídico, quando uma delas não mais o deseja''. Pugna pelo provimento do recurso, com a procedência dos pedidos iniciais.
Contrarrazões à ordem nº 144.
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça (ordem 146), opinando pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.
A controvérsia consiste em verificar a possibilidade de desconstituição da paternidade por ausência de vínculo biológico e socioafetivo, na hipótese de o registro ter sido feito por liberalidade, ou seja, sem a demonstração de vício de consentimento por parte do genitor.
Com efeito, a inexistência da paternidade biológica, in casu, é inconteste (laudo DNA à ordem nº 71), devendo, pois, o caso ser analisado sob dois enfoques: primeiro, torna-se necessário averiguar a existência de vício na manifestação de vontade, consistente em erro do autor, ora apelante, ao declarar a paternidade da ré, como sua filha (vínculo biológico), perante o Oficial Cartorário; segundo, constatado o erro, somente então passa-se ao enfrentamento da tese da paternidade socioafetiva.
Pois bem.
Cediço que o ato voluntário de reconhecimento da paternidade é irrevogável, irretratável e produz efeitos ex tunc, não se admitindo o arrependimento posterior, razão pela qual só pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento que implique sua invalidade.
Nesse sentido dispõe o art. 1.604 do Código Civil, verbis:
``Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro''.
Sobre o aventado vício, estabelece o art. 138 do Código Civil:
``São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio''.
O erro, portanto, decorre da falsa percepção da realidade.
Na definição de Silvio Rodrigues:
``Erro é a ideia falsa da realidade, capaz de conduzir o declarante a manifestar sua vontade de maneira diversa da que manifestaria se porventura melhor a conhecesse'' (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 32. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1, p. 187).
Pertinente, trazer, ainda, os ensinamentos do mestre César Fiúza:
``Erro - É o mais elementar dos vícios do consentimento. Quando o agente, por desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias, atua de modo que não seria de sua vontade, caso conhecesse a verdadeira situação, diz-se que procede em erro. [...]. Chama-se erro substancial ou essencial aquele que interessa à natureza do ato, a seu objeto e suas características, e às qualidades da pessoa a quem se refere o negócio'' (FIÚZA, César. Direito Civil, Curso Completo, 7. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 175-176).
Para que gere a anulação de um negócio jurídico, o erro substancial deve recair sobre o objeto principal da declaração ou sobre qualidades substanciais do objeto, conforme definido no art. 139, inciso I, do ordenamento civil, verbis:
``Art. 139. O erro é substancial quando:
I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais''.
Com efeito, em se tratando de declaração de vontade que importe em reconhecimento de vínculo biológico, o vício, para ser caracterizado, necessita da prova de que o declarante assim agiu, porque munido da falsa ideia de que era pai biológico do filho.
Assim, do cotejo das provas produzidas nos autos, não se identifica elementos suficientes a caracterizar o aventado erro. Pelo contrário, o autor expressamente admite ter feito o registro consciente de que não era o pai biológico, confiando apenas na tese de ausência de vínculo socioafetivo, que somente passa a ser aventado caso demonstrado o vício de consentimento.
Com efeito, o estudo social à ordem nº 109, f. 25, demonstra que o apelante registrou a criança por livre e espontânea vontade, inexistindo sequer cogitação quanto à existência de erro ou vício de vontade:
Foi perguntado ao requerente sobre o relacionamento com K, e G. disse: que ``há 38 anos ele se relacionou com a S.M.C, mãe de K., que, na época, ela informou a G. que estava grávida; que quando a criança nasceu ele registrou e batizou a K.'' [...]
Do ponto de vista social, é sabido que em nosso país há uma prática conhecida como `adoção brasileira', e o contato com G., ele afirmou que registrou e batizou a criança à época do nascimento dela. G manifestou que quando se relacionou com a mãe de K., ele tinha conhecimento da gravidez e de que não era o pai da criança, e afirma que não teve e não tem convivência com K. (ordem nº 109, f. 25).
Nesse contexto, não há dúvida de que o autor efetuou o registro da paternidade por livre e espontânea vontade, inexistindo prova de vício de manifestação de vontade e, portanto, não configurado o erro substancial.
Tal conclusão, ademais, dispensa a perquirição da paternidade socioafetiva, a qual somente deve ser averiguada, quando configurado o vício na manifestação de vontade.
Com efeito, a declaração de paternidade é um ato de notável importância, da qual resultam inúmeras consequências, tanto no aspecto material - da vida civil, quanto psicológica. Por esta razão, a desconstituição deste ato não pode partir tão somente do exame do vínculo biológico e afetivo, sendo imprescindível a prova do erro, conforme fundamentação supra.
Não se olvida da importância da teoria da paternidade socioafetiva, a qual reformulou o conceito de paternidade no direito brasileiro.
O vínculo socioafetivo deve ser interpretado, de modo que haja a preservação da figura paterna em determinada pessoa, e isto pode ocorrer ainda que não haja afinidade e amor entre as partes e, também que estas não se relacionem de modo afetivo e respeitoso.
Obviamente que a relação afetiva a justificar a manutenção de um vínculo paterno não deve ser ``romantizada''.
No entanto, no caso específico, em que a paternidade foi espontaneamente reconhecida, é exigida, como primeiro passo para sua desconstituição, a prova de inexistência do vínculo biológico, bem assim do erro na manifestação de vontade, para, somente após a configuração desta circunstância, apurar-se a existência de vínculo afetivo a obstar o pleito de desconstituição desta relação parental.
Em caso análogo, já se manifestou este Tribunal de Justiça:
``Ação negatória de paternidade c/c anulatória de registro civil de nascimento. Adoção à brasileira. Ato jurídico perfeito. Prevalência da paternidade socioafetiva - É improcedente o pedido de desconstituição da paternidade espontaneamente assumida, ausente vício de consentimento, restando incontroversa `a adoção à brasileira' praticada pelo autor, ou seja, o registro de filho alheio em nome próprio'' (TJMG - Apelação Cível 1.0671.08.004756-4/001, Rel. Des. Alyrio Ramos, 8ª Câmara Cível, j. em 22/1/2015, p. em 2/2/2015).
``Apelação cível. Ação negatória de paternidade. Registro civil. Nulidade. Vício de consentimento. Comprovação. Ausência. Existência de vínculo socioafetivo. Improcedência do pedido. Sentença mantida - Ausente prova quanto ao suposto vício existente quando da assunção da paternidade da menor, incabível o acolhimento do pedido de nulidade da declaração exposta no registro de nascimento, mormente quando comprovado o vínculo socioafetivo estabelecido ao longo de vários anos'' (TJMG - Apelação Cível 1.0534.12.001353-5/001, Rel. Des. Afrânio Vilela, 2ª Câmara Cível, j. em 12/11/2014, p. em 26/11/2014).
``Apelação cível. Ação negatória de paternidade c/c anulatória de registro. Ausência de prova do erro. Recusa do filho em submeter-se ao exame de DNA. Presunção de paternidade. Concepção durante o casamento. Inexistência de indícios capazes de afastá-la. Reconhecimento voluntário da filiação. Recurso não provido - Os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal são considerados concebidos durante a constância do casamento. Não há, nos autos, prova quanto à ausência de filiação biológica, tampouco foi demonstrada a aventada infidelidade da ex-esposa, inexistindo sequer indícios capazes de colocar sob dúvida a paternidade registral voluntariamente assumida há mais de vinte anos. Ainda que a recusa em realizar o exame de DNA seja imputada ao filho, seria necessário, para o acolhimento da pretensão inaugural, que o autor trouxesse um mínimo de lastro probatório às suas alegações, mormente por existir, na hipótese, a presunção de paternidade do art. 1.597, I, do Código Civil. Inexistência da prova do vício de consentimento - erro - quando da emissão da vontade no ato registral. Recurso não provido'' (TJMG - Apelação Cível 1.0024.09.573604-7/001, Rel.ª Des.ª Áurea Brasil, 5ª Câmara Cível, j. em 25/9/2014, p. em 3/10/2014).
A propósito, também importante transcrever trecho do parecer da PGJ:
``In casu, entendo que o erro não ocorreu no ato registral, pois se infere dos autos que o apelante reconheceu voluntariamente a paternidade da recorrida, sendo oportuno ressaltar que o reconhecimento espontâneo da paternidade envolve não só sentimentos, gerando a denominada paternidade afetiva, mas também direitos e obrigações, até de cunho patrimoniais, de forma que o simples ajuizamento de ação negatória de paternidade, sem a prova do erro alegado não tem o condão de afastar a paternidade assumida'' (ordem nº 146).
Nesse diapasão, comprovado que o pai registral tinha consciência de que a criança não era sua filha biológica, deve ser afastada a alegação de vício em sua manifestação de vontade e, por conseguinte, negado provimento ao recurso, mantida a sentença que julgou improcedente o pedido.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
Custas e honorários de sucumbência, pelo apelante, suspensa a exigibilidade nos termos do art. 98, § 3º, do CPC/15.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Edilson Olímpio Fernandes e Júlio Cezar Guttierrez.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
DJe - 03/11/2021
Extraído de Sinoreg/MG