TJMG. Jurisprudência. Retificação registro civil. Exclusão sobrenome paterno apenas com justa causa.

TJMG. Jurisprudência. Retificação registro civil. Exclusão sobrenome paterno apenas com justa causa.


APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - MENOR IMPÚBERE - EXCLUSÃO DE SOBRENOME PATERNO - JUSTA CAUSA - AUSÊNCIA - INTELIGÊNCIA DA LEI Nº 14.382/2022 - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.


- A exclusão de nome composto de prenome de menor deve ser fundada em justa causa, a qual é de ser inferida das particularidades do caso concreto.


- A exclusão de sobrenome de criança insere-se no contexto das regras protetivas que se irradiam do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990). O olhar sobre a matéria centra-se na busca do melhor interesse do menor, de sorte que ao nome, enquanto manifestação da personalidade é de ser garantida a correta identidade com o núcleo familiar de convivência afetiva.


- Ausente justa causa para exclusão do sobrenome atrelado à linhagem familiar paterna, mostra-se incabível a exclusão de nome de família de menor.


Apelação Cível nº 1.0000.23.045788-9/001 - Comarca de Luz - Apelante: M.P.M. Representado p/mãe: A.B.C. - Relator: Des. José Marcos Rodrigues Vieira.


ACÓRDÃO


Vistos, etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 30 de agosto de 2023. - José Marcos Rodrigues Vieira - Relator.


VOTO


DES. JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA - Trata-se de Apelação Cível, interposta por M.P.M., menor representado por sua genitora A.B.C., da sentença (DE-26), que, nos autos da Ação de Retificação de Registro Civil proposta pelo apelante julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para acrescentar, a seu sobrenome, o matronímico ``Carvalho''. Repeliu, no entanto, a exclusão do sobrenome paterno ``Pereira''.


Inconformado, em razões recursais (DE-28), explica o autor, representado por sua genitora, que pretende a exclusão de seu sobrenome paterno, ``Pereira'', com supedâneo no art. 57 da Lei nº 6.015/1973. Alega que a legislação não impõe justo motivo para a modificação pretendida.


Aduz o autor, por sua genitora, que não há qualquer prejuízo à substituição de sobrenome paterno por outro sobrenome materno, especialmente por ser criança menor impúbere, nascida em 2021. Com tais termos, ao final, pugna pelo provimento do recurso.


Contrarrazões (DE-30) ofertadas pelo Ministério Público de Minas Gerais de primeiro grau, nas quais o Promotor de Justiça Thiago Gerhardt de Camargo se manifesta pelo improvimento do apelo.


Parecer da PGJ (DE-32), em que o I. Procurador de Justiça Luciano França da Silveira Júnior opina pela manutenção da sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos.


É o relatório. Passo a decidir.


Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.


Circa meritum causae, o autor, menor, nascido em 2021, representado por sua genitora, pretende alterar seu sobrenome, a fim de excluir seu nome de família paterno ``Pereira'', e incluir, em seu lugar, o nome de família materno ``Carvalho''. Esclarece que seu sobrenome registral conta com dois nomes de família paternos e nenhum materno, daí a pretensão deduzida na inicial.


O direito ao nome (art. 16, Cód. Civil) é um desdobramento da dignidade da pessoa humana. O nome - aqui compreendido como prenome e apelido de família - expressa valores existenciais e histórias de vida, que singularizam a pessoa perante os outros. Cuida-se de direito que se insere no rol dos direitos da personalidade.


Com a palavra, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Neto:


``Além da dimensão do nome como direito da personalidade há outra: aquela que permite que o nome funcione como sinal designativo no meio social. Nesse aspecto, o nome desempenha função de mecanismo identificador, possibilitando a designação diferenciada das pessoas'' (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD Nelson; NETO, Felipe Braga. Manual de Direito Civil - volume único. 6. ed., Salvador: Juspodivm, 2021, p. 180).


Em suma, pode-se dizer que o nome, composto pelo prenome e pelos patronímicos, além de ser corolário da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição) articula-se com o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (art. 5º, X, da Constituição da República). Quando se pensa em nome, deve-se pensar no princípio da personalidade, da isonomia, do mesmo porte dos direitos à saúde e à felicidade.


A proteção que se confere ao nome encontra assento não apenas na Constituição e no Direito Civil. Em sede supralegal, merece destaque o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), que reverbera as considerações supramencionadas: o direito ao nome (art. 18) é também reconhecimento de uma personalidade (art. 3º), um direito de liberdade pessoal do indivíduo (art. 7.1) associado à honra e à dignidade (art. 11.2).


No ordenamento pátrio, determinada por razões de segurança jurídica, a Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) dispõe que a regra é a imutabilidade do nome e do sobrenome, também chamado de patronímico ou mesmo de apelido familiar, elemento identificador da filiação/estirpe de uma pessoa.


Tal inalterabilidade, contudo, é considerada pela doutrina como relativa. Afinal, até a edição da Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, a redação do art. 56 da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) previa a seguinte exceção quanto ao nome:


Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.


No pertinente ao sobrenome, havia, ainda, na norma de regência dos Registros Públicos, outras exceções que autorizavam sua modificação. A tal respeito, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Neto descreviam as exceções de maneira sumária:


``a) casamento (ou união estável): atualmente, em virtude do casamento, qualquer dos cônjuges pode mudar o sobrenome. Poderá, nesse sentido, acrescer ao seu o do outro, e até eventualmente retirar algum sobrenome que portava. O mesmo vale para a união estável ou homoafetiva; b) pela separação judicial, dissolução do casamento ou da convivência: também poderá haver alteração, podendo qualquer dos cônjuges voltar a usar o nome que possuía antes de casar (Código Civil, art. 1.571, § 2°; art. 1.578); c) adoção (ECA, art. 47, § 5º): conforme já frisamos, na adoção a mudança do sobrenome necessariamente ocorrerá, enquanto que a mudança do prenome poderá ocorrer (em relação à mudança de prenome, se o adotado tiver mais de 12 anos de idade, exige-se o seu consentimento; se tiver menos de 12 anos, deverá ser ouvido, mas a sua manifestação não vincula o magistrado); d) se houver fundado temor em razão de colaboração com apuração de crimes: à luz das normas jurídicas já mencionadas, poderá haver a mudança não só do prenome, mas também do sobrenome; e) anulação ou declaração de nulidade do casamento (salvo em relação ao cônjuge de boa-fé, que pode, em se tratando de casamento putativo, optar por continuar usando o nome de casado); f) o enteado pode requerer autorização judicial para usar o sobrenome do padrasto ou madrasta, se esses concordarem (Lei nº 11.924/2009); g) para a inclusão de sobrenome de ascendentes, inclusive de avós'' (ob. cit., p. 184).


Sem prejuízo, o antigo regramento legal cuidava de rol meramente exemplificativo. Sobre o tema, novamente a lição de Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Neto:


``O rol mencionado é puramente exemplificativo. Não exaure as possibilidades de mudança de nome. Deve ser deferida, em regra, a modificação do prenome quando atendidos, cumulativamente, estes dois requisitos: a) há melhora na situação social ou psíquica do interessado; b) não há prejuízos a outrem. A dignidade humana - e a cláusula que postula o livre desenvolvimento da personalidade humana -, além da solidariedade social, devem iluminar a solução das controvérsias nesse campo'' (ob. cit., p. 183).


A ideia de segurança jurídica e de inalterabilidade relativa, subjacente à Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), devia, portanto, ajustar-se ao princípio da dignidade da pessoa humana. Em harmonia com tal ensinamento, há significativa evolução jurisprudencial a respeito do nome.


Nos idos de 1997, já se tinha notícia de justificativa de modificação do nome em decorrência de abandono do genitor de interessado, já conhecido por outro patronímico (REsp nº 66.643/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, j. em 21.10.1997).


Em 2011, o STJ salientou que a regra é a inalterabilidade relativa do nome civil (prenome e sobrenome), razão pela qual destacou ser possível sua modificação, excepcionalmente, nas hipóteses expressamente previstas em lei ou reconhecidas como excepcionais por decisão judicial (art. 57 da Lei nº 6.015/73), exigindo-se, para tanto, justo motivo e ausência de prejuízo a terceiros (REsp nº 1138103/PR, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, 4º Turma, j. em 06.09.2011).


Em 2014, o STJ considerou que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, com cujas premissas teóricas concluiu que o abandono pelo genitor caracteriza justo motivo para o interessado requerer a alteração de seu nome civil, com a respectiva exclusão completa dos sobrenomes paternos (REsp nº 1304718-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, j. em 18.12.2014, Info 555).


Em 2016, decidiu o STJ que o brasileiro que adquirisse dupla cidadania poderia ter seu nome retificado no registro civil do Brasil, desde que isso não causasse prejuízo a terceiros, quando viesse a sofrer transtornos no exercício da cidadania por força da apresentação de documentos estrangeiros com sobrenome imposto por lei estrangeira e diferente do que constava de seus documentos brasileiros (REsp nº 1310088-MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. para acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, j. em 17.05.2016, Info 588).


O ano de 2017 marcou avanço na jurisprudência. Em um dos mais relevantes julgados sobre direitos da personalidade, o STJ realizou interpretação conforme para assinalar que a segurança jurídica que se busca com os registros públicos há de ser compatibilizada com a máxima efetividade do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Com isso, consignou que o direito das pessoas transexuais à retificação do prenome e do sexo/gênero no registro civil não estaria condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização (REsp nº 1626739-RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, 4ª Turma, j. em 09.05.2017, Info 608).


Também sobre o assunto, em 2018, o Supremo Tribunal Federal trilhou o mesmo caminho adotado no STJ ao confirmar a orientação de que o transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, suficiente, para tanto, a mera manifestação de vontade do indivíduo, seja por via judicial, seja por via administrativa (ADI nº 4275/DF, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, Red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, Plenário do STF, j. em 28.02.2018 e 01.03.2018, Info 892; RE nº 670422/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário do STF, j. em 15.08.2018, repercussão geral, Info 911).


Outra hipótese de relativização da inalterabilidade do nome ocorreu ainda em 2018. À época, o STJ admitiu o restabelecimento do nome de solteiro na hipótese de dissolução do vínculo conjugal pelo falecimento do cônjuge, à míngua de qualquer previsão legal - o art. 1.571, § 2º, do Cód. Civil menciona apenas a hipótese de divórcio (REsp nº 1724718-MG, Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 22.05.2018, Info 627).


Por outro lado, no mesmo ano de 2018, frisou o STJ que o mero desejo pessoal não seria motivo justificável para a alteração do prenome. Para tanto, revelar-se-ia imprescindível a existência de alguma circunstância excepcional apta a justificar a alteração do prenome (REsp nº 1728039/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. em 12.06.2018).


Em mais um passo além, o STJ, em 2019, disse ser possível a retificação do registro civil para acréscimo do segundo patronímico do marido ao nome da mulher durante a convivência matrimonial (REsp nº 1648858-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. em 20.08.2019, Info 655).


Em 2020, o Superior Tribunal de Justiça veio a autorizar supressão - com consectária alteração - de prenome pelo fato de a pessoa interessada ser conhecida em seu meio social e profissional por nome diverso daquele constante do registro de nascimento, sem contar o fato de que a escolha do prenome pelo genitor lhe remetia a uma história de abandono paternal, a lhe gerar grande sofrimento (REsp nº 1514382/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 4ª Turma, j. em 01.09.2020).


Mais recentemente, no ano de 2021, o Superior Tribunal de Justiça considerou admissível o retorno ao nome de solteiro do cônjuge ainda na constância do vínculo conjugal. O julgamento orientou-se consoante a autonomia da vontade, a vida privada, os valores e as crenças das pessoas, bem como a manutenção e perpetuação da herança familiar (REsp nº 1873918-SP, Rel.ª. Min.ª Nancy Andrighi, j. em 02.03.2021, Info 687).


Ainda em 2021, em julgado publicado somente no ano seguinte (j. em 14.12.2021, DJe de 17.02.2022), a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 1.731.091/SC, em Voto de Relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, vedou a inclusão de sobrenome materno a sobrenome de menor, com a consectária exclusão do agnome Filho, por falta de justo motivo a tanto. Confira-se a ementa do aresto:


``Recurso especial. Registro civil e poder familiar. Nome de família. Função de estreitar vínculo afetivo. Inexistência. Alteração de nome. Cabimento apenas em hipóteses excepcionais e devidamente motivadas. Titularidade da autoridade parental. Ambos genitores. Mitigação, em vista da separação ou divórcio, em benefício do(a) genitor(a) que detém a guarda. Inviabilidade. O sobrenome tem a função de revelar a estirpe familiar no meio social, como também de reduzir riscos de homonímia. Com efeito, aquele que recebe o nome de seu genitor acrescido do agnome `Filho' ou `Filha' não tem nenhuma mitigação do vínculo com as famílias de seus genitores, tampouco sofre constrangimento por não ter os mesmos sobrenomes de eventual irmão, pois não é função do nome de família estreitar ligação afetiva. O registro de nascimento já contém os nomes dos pais e dos avós paternos e maternos, conforme disposto no art. 54 da Lei dos Registros Públicos. A inclusão do sobrenome materno em quem detém o agnome `Filho' não é adequada, sendo certo que o nome dos pais, com seus respectivos sobrenomes, está necessariamente gravado em todas as certidões e documentos civis, eleitorais e trabalhistas e que a ausência do apelido de família materno no nome do infante não impede que o autor da ação, no futuro, venha a fazer constar sobrenome de ascendentes, inclusive de avós, no nome de eventual prole. O art. 57 da Lei dos Registros Públicos elucida que alteração posterior de nome somente é possível por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei, qual seja: I - erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção; II - erro na transposição dos elementos constantes em ordens e mandados judiciais, termos ou requerimentos, bem como outros títulos a serem registrados, averbados ou anotados, e o documento utilizado para a referida averbação e/ou retificação ficará arquivado no registro no cartório; III - inexatidão da ordem cronológica e sucessiva referente à numeração do livro, da folha, da página, do termo, bem como da data do registro; IV - ausência de indicação do Município relativo ao nascimento ou naturalidade do registrado, nas hipóteses em que existir descrição precisa do endereço do local do nascimento; V - elevação de Distrito a Município ou alteração de suas nomenclaturas por força de lei. Por um lado, muito embora o princípio da imutabilidade do nome seja adstrito apenas ao sobrenome (art. 56 da Lei dos Registros Públicos), e não ao prenome ou agnome, ainda assim a exceção que enseja a mudança, em regra, são as hipóteses de inadequação social, sexo psicológico, ridicularia - o que, no caso, não se constata nem é alegado. O art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que o poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil; e o art. 1.632 do CC dispõe que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito que aos primeiros cabe terem em sua companhia os segundos. Procede a tese recursal, ventilada pelo genitor da parte autora, de que eventual alteração do nome só seria possível cogitar à luz do art. 56 da Lei dos Registros Públicos, isto é, no primeiro ano após o atingimento da maioridade civil do autor, pois não se pode, sem motivação idônea - por mero e unilateral capricho da genitora, simplesmente esvaziar o poder familiar do genitor, em questão a envolver o próprio direito da personalidade do menor. Recurso especial do pai do autor provido para restabelecimento do decidido na sentença e recurso dos autores julgado prejudicado'' (REsp nº 1.731.091/SC, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, 4ª Turma, j. em 14.12.2021, DJe de 17.02.2022).


No REsp nº 1.962.674/MG, de 24.05.2022, a Terceira Turma do STJ admitiu que uma pessoa pudesse mudar o nome, se fosse respeitada a estirpe familiar, com manutenção dos sobrenomes da mãe e do pai. O precedente restou assim ementado:


``Recurso especial. Ação de retificação de registro civil. Princípio da proibição da reformatio in pejus. Sentença ultra petita. Nulidade. Efeito translativo da apelação. Reconhecimento de ofício. Inclusão do patronímico. Pretensão de se fazer homenagem à avó materna. Impossibilidade. Homonímia. Excepcionalidade configurada. Recurso especial conhecido e provido. O princípio da proibição da reformatio in pejus está atrelado ao efeito devolutivo dos recursos e impede que a situação do recorrente seja piorada em decorrência do julgamento de seu próprio recurso. Nada obstante, tal princípio poderá ser superado em situações excepcionais, como no caso de aplicação do efeito translativo dos recursos, segundo o qual será franqueado ao tribunal o conhecimento de matéria cognoscível de ofício. Assim, a nulidade da sentença ultra petita poderá ser reconhecida, de ofício, pelo Tribunal ad quem. O nome é um dos direitos expressamente previstos no Código Civil como um sinal exterior da personalidade (art. 16 do CC), sendo responsável por individualizar seu portador no âmbito das relações civis e, em razão disso, deve ser registrado civilmente como um modo de garantir a proteção estatal sobre ele. Esta Corte Superior entende que, `conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, essa Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, interpretando-as de modo histórico-evolutivo para que se amoldem a atual realidade social em que o tema se encontra mais no âmbito da autonomia privada, permitindo-se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros' (REsp nº 1.873.918/SP, Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 02.03.2021, DJe de 04.03.2021). Por se tratar de um procedimento de jurisdição voluntária, o Juiz não é obrigado a observar o critério da legalidade estrita, conforme dispõe o art. 723, parágrafo único, do CPC/2015, podendo adotar no caso concreto a solução que reputar mais conveniente ou oportuna, por meio de um juízo de equidade. A simples pretensão de homenagear um ascendente não constitui fundamento bastante para configurar a excepcionalidade que propicia a modificação do registro. Contudo, uma das reais funções do patronímico é diminuir a possibilidade de homônimos e evitar prejuízos à identificação do sujeito a ponto de lhe causar algum constrangimento, sendo imprescindível a demonstração de que o fato impõe ao sujeito situações vexatórias, humilhantes e constrangedoras, que possam atingir diretamente a sua personalidade e sua dignidade, o que foi devidamente comprovado no caso dos autos. Recurso especial conhecido e provido'' (REsp nº 1.962.674/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. em 24.05.2022, DJe de 31.05.2022).


Nota-se que a jurisprudência dominante está alinhada aos avanços e às mudanças de paradigmas da sociedade. A imutabilidade do nome pensada em 1973 - data de edição da Lei de Registros Públicos - já não encontra eco na atualidade, mormente em vista dos avanços tecnológicos e da repersonalização do direito civil.


Feito o apanhado jurisprudencial, verifica-se que a modificação do nome (prenome e sobrenome) encontra assento na repersonalização de um direito civil pensado sob um prisma constitucional, em que se busca a máxima efetividade dos direitos fundamentais. Assim, o olhar central da matéria há de direcionar-se à ótica do próprio titular do nome (prenome ou sobrenome).


Aliás, no tocante à matéria em espeque, valiosa a lição de Marcelo Guimarães Rodrigues, para quem o Juiz de Registros Públicos deve atentar ao fato de exercer relevante função social. Em seus dizeres:


``Com efeito, notadamente no que diz respeito a fatos jurídicos que reclamam registro ou averbação no Serviço de Registro Civil de Pessoas Naturais, desempenha o juiz de Registros Públicos função social de significativa relevância, pois depara no dia a dia forense com situações cuja resolução é indispensável para garantir a plena efetividade do direito de cidadania de considerável parcela da população de baixa renda, adulta ou não, neste País de tantos e gritantes contrastes sociais. Sensível a tal realidade e consciente das graves responsabilidades de seu cargo, cabe ao juiz de Registros Públicos imprimir rotina de trabalho que permita o imediato, simplificado e eficiente tratamento de tais situações, sem deixar de lado, por outro lado, a fiel observância das disposições correlatas da Lei de Registros Públicos'' (RODRIGUES, Marcelo Guimarães. A competência jurisdicional e a função social da vara de registros públicos em face dos serviços notariais e de registros, v. 164, 1954. Revista Trimestral Jurisprudência Mineira, Tribunal de Justiça de Minas Gerais: Belo Horizonte, abril a junho de 2003, p. 27/44).


Nesse contexto, adveio a Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, que modificou substancialmente os artigos pertinentes à alteração no registro civil. A propósito, confira-se a leitura da nova redação dos art. 56 e 57 da Lei de Registros Públicos:


``Art. 56. A pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial, e a alteração será averbada e publicada em meio eletrônico. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022).


§ 1º A alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial apenas 1 (uma) vez, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022).


§ 2º A averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de passaporte e de título de eleitor do registrado, dados esses que deverão constar expressamente de todas as certidões solicitadas. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022).


§ 3º Finalizado o procedimento de alteração no assento, o ofício de registro civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, a expensas do requerente, comunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral, preferencialmente por meio eletrônico. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022).


§ 4º Se suspeitar de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto à real intenção da pessoa requerente, o oficial de registro civil fundamentadamente recusará a retificação (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022).


Art. 57. A alteração posterior de sobrenomes poderá ser requerida pessoalmente perante o oficial de registro civil, com a apresentação de certidões e de documentos necessários, e será averbada nos assentos de nascimento e casamento, independentemente de autorização judicial, a fim de: (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022).


I - inclusão de sobrenomes familiares; (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022).


II - inclusão ou exclusão de sobrenome do cônjuge, na constância do casamento; (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022).


III - exclusão de sobrenome do ex-cônjuge, após a dissolução da sociedade conjugal, por qualquer de suas causas; (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022).


IV - inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de alteração das relações de filiação, inclusive para os descendentes, cônjuge ou companheiro da pessoa que teve seu estado alterado (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022).


§ 1º Poderá, também, ser averbado, nos mesmos termos, o nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).


§ 2º Os conviventes em união estável devidamente registrada no registro civil de pessoas naturais poderão requerer a inclusão de sobrenome de seu companheiro, a qualquer tempo, bem como alterar seus sobrenomes nas mesmas hipóteses previstas para as pessoas casadas (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022).


§ 3º (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022).


§ 3º- A O retorno ao nome de solteiro ou de solteira do companheiro ou da companheira será realizado por meio da averbação da extinção de união estável em seu registro. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022).


§ 4º (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022).


§ 5º (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022).


§ 6º (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022).


§ 7º Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração. (Incluído pela Lei nº 9.807, de 1999).


§ 8º O enteado ou a enteada, se houver motivo justificável, poderá requerer ao oficial de registro civil que, nos registros de nascimento e de casamento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância desses, sem prejuízo de seus sobrenomes de família (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)''.


Significa dizer que as hipóteses de modificação do nome e sobrenome foram alargadas, flexibilizadas à luz da autonomia privada. A Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022 deixa vazar a ideia de que os direitos da personalidade se acentuaram de modo tal que prevalecem sobre a antiga ideia de inalterabilidade do registro. A segurança jurídica, portanto, há de amoldar-se à dignidade da pessoa humana.


Mas há uma peculiaridade: o regramento da alteração em espeque vale para pessoa maior e capaz. O caso dos autos, porém, envolve menor impúbere, com pouco mais de 2 (dois) anos de idade.


Nessa condição, deve-se ter em mente que a criança autora desfruta de todas as regras protetivas que se irradiam do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990). O olhar da matéria centra-se na busca de seu melhor interesse, de sorte que o nome, enquanto manifestação da personalidade, deve lhe garantir correta identidade com o núcleo familiar de sua convivência afetiva. Então, na hipótese de retificação do nome (sentido amplo) de menor, necessária se faz a presença de justa causa - a qual é de ser inferida das particularidades da lide.


Delineada a premissa, no caso dos autos, a tese recursal se funda apenas na existência de desigualdade no número de sobrenomes do menor, que contava - antes da sentença de parcial procedência - com dois nomes de família do pai e nenhum materno. A procedência se deu para acrescer a seu nome o matronímico de sua genitora, ``Carvalho''. E quanto a isso não se questiona a possibilidade.


O problema está na exclusão injustificada de um dos sobrenomes da linhagem paterna. Com efeito, não há, no caso, qualquer justificativa plausível a tanto. O que existe, na realidade, é um incômodo da genitora da criança, que se vale da figura da representação processual para camuflar desavença com o genitor.


Criança não é objeto, é pessoa humana a quem, como visto, o ordenamento confere especial proteção prioritária. A pretensão, feita em nome de menor de pouco mais de 2 (anos) de vida, escancara disputa entre seus genitores. Daí a atuação assertiva do Ministério Público, em ambas as Instâncias.


Não há risco de choque de origem familiar. Com o acréscimo do nome de família da genitora, pode-se dizer que a celeuma está superada. A criança agora carregará em seu nome a origem de suas duas linhagens. Não lhe causa prejuízo ou exposição a situação vexatória o fato de ter um sobrenome paterno a mais.


Não há, nos autos, confecção de qualquer laudo capaz de elucidar, ainda que minimamente, a existência de algum prejuízo à identificação social afetiva com a família materna da criança. Nem mesmo há tese de abandono familiar. No futuro, poderá vir a criança a modificar seu sobrenome, quando atingir a maioridade. Mas será sua a escolha, não de sua genitora. Não se tratará de pretensão deduzida por interposta pessoa.


Com tais considerações, nego provimento ao recurso.


Custas recursais, pela parte autora, suspensa a exigibilidade, nos moldes do art. 98, § 3º, do CPC.


Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Gilson Soares Lemes e Ramom Tácio.


Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.


DJe
Extraído de Recivil/MG

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